Parecer
Processo n. 0006386-90.2016.8.26.0000
Suscitante: 13ª Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Ementa: Constitucional. Previdenciário. Incidente de
inconstitucionalidade. Art. 116, § 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Borborema.
Expressão “e inativos” contida no art. 1º e art. 2º, §
4º, ambos da Lei nº 1.679, de 21 de janeiro de 1993, do Município de Borborema.
Direito à complementação dos proventos de aposentadoria aos servidores públicos
municipais inativos. Direito à Complementação do Auxílio-alimentação. Ausência
de fonte de custeio. Violação aos princípios do interesse público e da
razoabilidade. Ação procedente. 1. Incompatível com o art. 218 da Constituição Estadual,
que determina a observância dos princípios da seguridade social previstos nos
arts. 194 e 195 da Constituição Federal [dentre eles, os de que a seguridade
social deve ser custeada por contribuições dos trabalhadores e de que nenhum
benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou
estendido sem a correspondente fonte de custeio total (art. 195, II, § 5º)], o
direito à complementação de proventos de aposentadoria aos servidores
municipais inativos, integrantes do regime geral de previdência social. 2.
Inexistência de interesse público e de razoabilidade, violadora dos arts. 111 e
128 da Constituição Estadual, a complementação de proventos de aposentadoria
dos servidores públicos inativos, integrantes do regime geral de previdência social,
na medida em que lhes outorga integralidade remuneratória, recusada na
inatividade. Complementação do auxílio-alimentação. Inexistência de
razoabilidade. Artigo 128, da Constituição Estadual. 3. Parecer no
sentido de ser proclamada a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão
Especial:
A Colenda 13ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suscitou, no julgamento de Apelação nº 3000035-48.2013.8.26.0067, da Comarca de Borborema, a instauração de incidente de inconstitucionalidade, determinando a remessa dos autos ao Excelso Órgão Especial, por força da conclusão no sentido da inconstitucionalidade do art. 116, § 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Borborema, da expressão “e inativos” contida no art. 1º e do art. 2º, § 4º, ambos da Lei nº 1.679, de 21 de janeiro de 1993, do Município de Borborema, que assim dispõem:
“Art. 116 – O servidor será aposentado:
(...)
§ 6º - O disposto neste artigo quando não houver regime de previdência própria, regerá pelo regime de previdência oficial.
I – Fica assegurado ao servidor aposentado pelo regime de Previdência Oficial, a receber da Prefeitura Municipal a diferença dos proventos verificados, entre o valor recebido como se em exercício estivesse e o recebido da previdência oficial;”
“Art. 1º - Fica instituído o Auxílio Alimentação para os servidores Municipais, ativos e inativos, sob a forma de distribuição gratuita de ‘vales’ pela Prefeitura, que deverão ser trocados, exclusivamente, no comércio local, para aquisição de gêneros alimentícios.
Art. 2º - O benefício será devido em função dos dias efetivamente trabalhados, conforme apurado em boletim ou atestado de frequência, e seu valor será fixado de acordo com a jornada de trabalho a que estiver sujeito o servidor.
(...)
Parágrafo 4º - Aos servidores inativos o benefício será devido tomando-se por base os dias úteis de trabalho dos servidores ativos.” (g.n.)
O acórdão que concluiu pela inconstitucionalidade está assim ementado:
“Apelação – Servidora pública municipal inativa – Pretensão ao recebimento de complementação de aposentadoria, bem como de valor atinente a auxílio-alimentação – Sentença de improcedência – Inconformismo – Pedidos fundamentados no art. 116, § 6º, I, da Lei Orgânica do Município e nos arts. 1º e 2º, § 4º, da Lei Municipal nº 1.679/93, que instituem, respectivamente, a complementação de aposentadoria com base na diferença entre os valores pagos aos ativos e o montante pago pelo INSS e a extensão de auxílio-alimentação aos inativos – aparente vício de inconstitucionalidade (art. 195, § 5º, da CRFB e aos arts. 144 e 218 da Constituição Estadual), ante a ausência de estabelecimento de fonte de custeio – Ademais, no concernente a garantia de pagamento do vale-alimentação aos aposentados, vislumbra-se violação não só ao disposto na súmula nº 680 e E. STF, mas também aos arts. 111 e 128 da Constituição Estadual – Necessidade de análise da questão constitucional pelo C. Órgão Especial – Cláusula de reserva de plenário e inteligência do enunciado da Súmula Vinculante nº 10 – Incidente de inconstitucionalidade suscitado de ofício, sobrestado o julgamento do mérito recursal até final pronunciamento do C. Órgão Especial.”
É o relatório.
Os dispositivos em comento contrariam frontalmente a
Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção
normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição
Federal.
Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
A regra jurídica contestada é incompatível com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.
(...)
Artigo 218 – O Estado garantirá, em seu território, o planejamento e desenvolvimento de ações que viabilizem, no âmbito de sua competência, os princípios de seguridade social previstos nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal”.
Essa última é norma remissiva que incorpora à
Constituição Estadual os princípios da seguridade social contidos na
Constituição Federal, em especial o caput,
o inciso II e o § 5º do art. 195 desta, verbis:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
(...)
§ 5º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio social”.
Os
dispositivos municipais outorgam a complementação de benefícios previdenciários
e do benefício da complementação do auxílio-alimentação mercê da inexistência
de fonte de custeio, pois, ela é paga exclusiva e integralmente por recursos
oriundos do erário.
Se os servidores beneficiários não gozam de direito à
integralidade ou paridade de seus proventos com a remuneração do pessoal ativo,
falece interesse público e razoabilidade na instituição da complementação desse
benefício previdenciário.
O mesmo se diga da complementação do auxílio-alimentação,
que contraria frontalmente o artigo 128 da Constituição Estadual.
Agrava-se a situação a compreensão da natureza do
vínculo dos beneficiários da lei (servidores públicos municipais). Sendo
celetistas, sujeitam-se ao regime geral de previdência social que não contempla
complementação dos proventos e do auxílio-alimentação à custa do erário, nem
integralidade ou paridade, falecendo, portanto, interesse público e
razoabilidade na sua instituição.
O Colendo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo já pronunciou, reiteradas vezes, a
inconstitucionalidade de leis municipais similares (ADI 164.947-0/9-00, Rel.
Des. Mário Devienne Ferraz, v.u., 12-11-2008; ADI 158.764-0/4-00, Rel. Des. A.
C. Mathias Coltro, v.u., 16-07-2008; ADI 150.585-0/9-00, Rel. Des. Luiz
Tâmbara, v.u., 26-08-2009; ADI 154.602-0/7, Rel. Des. Sousa Lima, m.v.,
10-09-2008).
Neste sentido, a instituição de complementação de
aposentadoria e de auxílio-alimentação é inconstitucional em virtude de sua
incompatibilidade com o art. 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988, que
exige a prévia existência de fonte de custeio para criação, majoração ou
extensão de benefício da seguridade social, como já decidiu o Supremo Tribunal
Federal:
“A exigência inscrita no art. 195, § 5º, da Carta Política traduz comando que tem, por destinatário exclusivo, o próprio legislador ordinário, no que se refere a criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços da seguridade social” (STF, AI 151.106-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 26-11-1993).
Não se admite a participação dúplice em dois regimes
previdenciários (art. 201, § 5º, Constituição Federal). E, além disso, a
jurisprudência afirma descaber complementação à aposentadoria em favor de
servidor público do regime celetista:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPLEMENTAÇÃO. APOSENTADORIA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 8.112/90. Não se aplica a norma do artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil --- redação anterior à EC 20/98 --- ao servidor submetido ao regime da CLT, que se aposentou antes do advento da Lei n. 8.112/90. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, RE-AgR 370.423-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 16-05-2006, v.u., DJ 23-06-2006, p. 66).
“Complementação de aposentadoria. - Esta Primeira Turma, ao julgar o RE 218.618, decidiu que ‘cuidando-se de aposentados que se submetiam, na ativa, ao regime da CLT, são inaplicáveis os arts. 40, III, ‘a’, e § 5º, da Constituição, cuja disciplina se refere apenas aos servidores públicos’. - Ora, o recorrente, como se reconhece na própria petição de interposição do recurso de revista (fls. 35), passou, quando a recorrida deixou de ser autarquia (e isso porque passou a ser sociedade de economia mista, desde 10.01.64, conforme fls. 82 dos autos), a ser empregado dela regido pela legislação trabalhista, condição em que se aposentou em 1983. Assim, e sendo o artigo 40, § 4º, da Constituição, à semelhança do que ocorre com o § 5º, do mesmo artigo, só aplicável a servidor público, improcede a alegação do recorrente de que o referido § 4º, no caso, tenha sido violado. Recurso extraordinário não conhecido” (STF, RE 197.793-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, 13-03-2001, v.u., DJ 18-05-2001, p. 448).
“ADMINISTRATIVO. MUNICÍPIO DE PAULÍNIA. SERVIDOR APOSENTADO PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL. PRETENDIDA COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS, PREVISTA EM LEI LOCAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 40, § 4°, DA CF. Dispositivo constitucional inaplicável aos filiados da previdência social. Acórdão que decidiu a causa à luz de normas locais, insuscetíveis de interpretação pelo STF em sede extraordinária. Agravo desprovido” (STF, RE-AgR 218.999-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, 27-06-2000, v.u., DJ 20-10-2000, p. 123).
“Cuidando-se de aposentados que se submetiam, na ativa, ao regime da CLT, são inaplicáveis os arts. 40, III, a, e § 5º, da Constituição, cuja disciplina se refere apenas aos servidores públicos: impertinência de sua invocação contra decisão que, corretamente ou não, deferiu a empregados de sociedade de economia mista, aposentados com menos de 35 anos de serviço, complementação integral, e não proporcional, de aposentadoria” (STF, RE 218.618-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15-12-1998, v.u., DJ 26-03-1999, p. 18).
Ora, franqueando-se outra exegese simplesmente
construir-se-ia uma desigualdade em desfavor dos demais servidores públicos do
regime estatutário quando a coexistência desses dois regimes de vínculo
funcional tem em mira exatamente a diferenciação no plano previdenciário, entre
outras metas.
De fato, mesmo antes da Emenda n. 19/98 admitia-se –
com a previsão do regime jurídico único no antigo art. 39, da Constituição de
1988 – a existência do regime celetista para os servidores públicos, cuja
decorrência era sua inclusão no regime geral de previdência social, e não no
regime próprio atinente aos servidores públicos do regime estatutário.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente, e por seu acolhimento, declarando-se a inconstitucionalidade
do art. 116, § 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Borborema, da expressão
“e inativos” contida no art. 1º e do art. 2º, § 4º,
ambos da Lei nº 1.679, de 21 de janeiro de 1993, do Município de Borborema.
São Paulo, 02 de março de 2016.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
blo/dcm