Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0006936-56.2014.8.26.0000

Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Art. 19, Lei Complementar n. 317/10, do Município de Dracena. Parâmetros para compatibilidade de horários na acumulação remunerada de cargos, funções e empregos públicos. Extensão de sua incidência ao cúmulo de função pública com emprego na iniciativa privada. Questão de interpretação da lei que não reflete a incompatibilidade da lei com a Constituição.

Não conhecimento. 1. A instituição de parâmetros razoáveis, objetivos e impessoais para aferição da compatibilidade de horários, visando à acumulação remunerada de cargos, funções e empregos públicos, não atenta contra a Constituição, sendo vedada sua extensão ao exercício concomitante de função pública com atividade privada. 2. A interpretação da lei não se confunde com sua incompatibilidade com a Constituição, e não anima a instauração de incidente de inconstitucionalidade. 3. Não conhecimento do incidente.

 

 

 

 

Eminente Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.                No julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença que julgou procedente mandado de segurança impetrado para declaração de nulidade de decisão administrativa referente à acumulação de cargo público de professor com a docência em instituição particular, a colenda 8ª Câmara de Direito Público do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suscitou incidente de inconstitucionalidade do art. 19 da Lei Complementar n. 317/10, do Município de Dracena, que estabelece intervalo mínimo de tempo da jornada de trabalho em razão da acumulação de cargos, em face do art. 6º da Constituição Federal que protege o direito ao trabalho (fls. 138/142). O douto Procurador-Geral do Estado absteve-se da defesa da norma (fls. 153/154), sendo os interessados intimados para oferta de manifestação (fl. 146/147).

2.                É o relatório.

3.                A Lei Complementar n. 317, de 2010, assim dispõe no art. 19:

“Na ocorrência de acúmulo de cargos o espaço de tempo entre o término de um e início de outro será de, no mínimo 01 (uma) hora no âmbito do município e de 02 (duas) horas entre municípios diferentes”.

4.                Essa regra, para fins de balizar a regularidade do exercício de cargo, função ou emprego público de servidor público como docente da rede pública municipal de ensino, tem como meta estabelecer parâmetro para a compatibilidade horária que torna excepcionalmente permitida a acumulação de dois cargos de professor no ensino público, nos termos do que preceitua a alínea a do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal. A instituição de parâmetros razoáveis, objetivos e impessoais para aferição da compatibilidade de horários, visando à acumulação remunerada de cargos, funções e empregos públicos, não atenta contra a Constituição, sendo vedada sua extensão ao exercício concomitante de função pública com atividade privada.

5.                À evidência, ela não pode se aplicar à cumulação de cargo público com emprego na rede particular de ensino, mormente se não há proibição estatutária ao desempenho concomitante de atividade privada ao exercício de cargo, função ou emprego público, e que consiste em dever negativo (incompatibilidade).

6.                Não parece que a norma impugnada – cujo âmbito de incidência é restrito à acumulação de cargo, função ou emprego público – seja direta e frontalmente incompatível com a Constituição Federal. A contextura apresentada exibe debate acerca da aplicação, execução ou interpretação da norma, e não sobre a própria constitucionalidade ou não da norma, o que não rende ensejo, data venia, ao controle incidental suscitado.

7.                 Neste sentido, enuncia a jurisprudência:

“USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STF. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. ELETROBRÁS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 10. MERA INTERPRETAÇÃO DE TEXTO LEGAL QUE NÃO CONSUBSTANCIA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO. PRECEDENTES. Decisões reiteradas desta Corte têm respaldado a prerrogativa de conferir determinada interpretação à lei como atributo inerente à própria atividade jurisdicional, o que, em consequência, afasta a equiparação proposta pela parte vencida entre as hipóteses de interpretação desfavorável a seus interesses e de declaração de inconstitucionalidade do dispositivo analisado. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-Rcl 12.107-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, 13-06-2012, v.u., DJe 01-08-2012).

RECLAMAÇÃO. SÚMULA VINCULANTE N. 10. REVISÃO DE BENEFÍCIO. LEI N. 9.032/95. DECISÃO DA SEXTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESERVA DE PLENÁRIO. NÃO CONFIGURADO O DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE N. 10 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A simples ausência de aplicação de uma dada norma jurídica ao caso sob exame não caracteriza, apenas por isso, violação da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Para caracterização da contrariedade à súmula vinculante n. 10, do Supremo Tribunal Federal, é necessário que a decisão fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal tomada como base dos argumentos expostos na ação e a Constituição. 3. O Superior Tribunal de Justiça não declarou a inconstitucionalidade ou afastou a incidência dos arts. 273, § 2º, e 475-o, do Código de Processo Civil e do art. 115, da Lei n. 8.213/91, restringindo-se a considerá-los inaplicáveis ao caso. 4. Reclamação julgada improcedente” (RT 902/140).

“(...) 2. O princípio da reserva de plenário não restou violado, conforme a tese defendida no presente recurso, isso porque a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, ou seja, a controvérsia foi resolvida com fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem à norma infraconstitucional que disciplina a espécie. (...)” (STF, AgR-ARE 683.572-DF, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, m.v., DJe 14-09-2012).

“I. Controle incidente de inconstitucionalidade: reserva de plenário (CF, art. 97). ‘Interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifica com a declaração de inconstitucionalidade da norma que é a que se refere o art. 97 da Constituição.’ (cf. RE 184.093, Moreira Alves, DJ 05.09.97). (...)” (STF, RE 460.971-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13-02-2007, v.u., DJ 30-03-2007, p. 76).

“(...) 1. O princípio da reserva de plenário resta indene nas hipóteses em que não há declaração de inconstitucionalidade por órgão fracionário do Tribunal de origem, mas apenas a interpretação e a conclusão de que a lei invocada não é aplicável ao caso em apreço. Precedentes: AI 684.976-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 02/06/2010; e RE 612.800-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, DJe de 05/12/2011. (...)” (STF, AgR-ARE 676.006-PB, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 22-05-2012, v.u., DJe 06-06-2012).

8.                A interpretação da lei não se confunde com sua incompatibilidade com a Constituição, e não anima a instauração de incidente de inconstitucionalidade.

9.                Face ao exposto, opino pelo não conhecimento do incidente.

                   São Paulo, 25 de março de 2014.

 

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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