Parecer em Incidente de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0007169-19.2015.8.26.0000
Suscitante: 11ª Câmara
de Direito Público do Tribunal de Justiça
Agravante: (...)
Agravado: Fazenda do Estado de São Paulo
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei nº 12.767/12, que incluiu o parágrafo único do art. 1º da lei nº
9.492/97
Ementa:
1) Incidente de inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12, que incluí entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
2) Abuso ao poder de emenda. Desfiguração da proposta inicial por ausência de pertinência temática. Violação dos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II da Constituição Federal.
3) Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão
Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 11ª Câmara de Direito
Público, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 2111088-24.2014.8.26.0000,
da Comarca de Mogi das Cruzes, figurando como Relator o Desembargador Oscild de
Lima Junior.
A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade art. 1º da lei nº 9.492/97, incluído pela Lei nº 12.767/12, por existência de vício formal no processo legislativo, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:
“(...)
Nesse particular, reputo a existência de questão prejudicial acerca da inconstitucionalidade do supracitado dispositivo legal. Anote-se que foi proposta a ADI nº 5135, em 07/06/2014, questionando justamente o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.492/97, acrescentado pelo artigo 25 da Lei nº 12.767/12.
No mais, comungo dos argumentos da inicial da ação direta de inconstitucionalidade nº 5135, proposta pela Confederação Nacional da Indústria CNI, que resumidamente tem por escopo obter a declaração de inconstitucionalidade, por vícios forma e material, do disposto normativo impugnado, pois conforme sustenta a entidade a Lei nº 12.767/12 foi fruto de conversão da Medida Provisória (MP) 577/2012 que, juntamente com a Medida Provisória (MP) 579, promoveu alterações nas regras do setor elétrico, visando à redução do custo da energia elétrica ao consumidor final. Nessa conversão, sustenta, ainda, que foi incluída matéria estranha àquela tratada no corpo da Medida Provisória originária, a qual se destinava a tratar da extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária do serviço. Desse modo, a confederação alega que o artigo 25 da Lei 12.767/2012 é manifestamente inconstitucional. Aduz ofensa ao devido processo legislativo (artigos 59 e 62 da Constituição Federal CF), bem como ao princípio da separação dos poderes (artigo 2º, CF), em razão de “sua explícita falta de sintonia e pertinência temática como tema da Medida Provisória - MP 577/2012”. Segundo a entidade, também há inconstitucionalidade por vício material, em razão de afronta aos artigos 5º, incisos XIII e XXXV; 170, inciso III e parágrafo único; e 174, todos da CF. “O protesto da CDA é um claro exemplo de desvio de finalidade, de utilização de meio inadequado e desnecessário à finalidade a qual esse instituto se destina, e viola, ademais, o principio constitucional da proporcionalidade”, afirma. “Vê-se que a regra tida por inconstitucional emerge como mais um artifício extrajudicial para pressionar os devedores ou supostos devedores do Fisco a quitar os seus débitos, apesar de a Fazenda já dispor de meios judiciais especiais e próprios para esse fim”, sustenta a CNI. Para ela, o preceito contestado causa aos devedores do fisco lesão enorme de dificílima reparação, além de totalmente desproporcional. Assim, pede a concessão de liminar para suspender os efeitos do dispositivo impugnado e, no mérito, requer a sua declaração de inconstitucionalidade.
(...)”
É o relato do essencial.
Verifica-se que a redação do
parágrafo único do art. 1º da 9.492/97, foi inserido por força do art. 25 da
Lei nº 12.767/12, estabeleceu o seguinte:
Art. 25. A Lei no 9.492, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1o ......................................................................
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.” (NR)
Não se discute que a inovação
normativa, não guarda pertinência temática com o objeto da Medida Provisória nº
577, de 29 de agosto de 2012, que deu origem a Lei nº 12.767/12, tinha por
objeto dispor sobre a extinção das concessões de serviço público de energia
elétrica e a prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para
adequação do serviço público de energia elétrica.
A inconstitucionalidade do ato
normativo impugnado decorre do abuso do poder de emendar, importando em
violação aos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II da Constituição Federal, normas
que regulam o processo legislativo que nos termos do art. 144 da Constituição
Estadual devem ser observadas pelos Estados e Municípios.
O processo legislativo,
compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto)
realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição
Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia
dos Poderes.
O desrespeito às normas do processo
legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República,
conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o
controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.
A iniciativa, o ato que deflagra
o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).
A matéria de que trata a lei em
análise – extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a
prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para adequação do serviço
público de energia elétrica – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Chefe do Poder
Executivo. Nesse aspecto, não há qualquer objeção, pois o ato normativo
decorreu de Medida Provisória.
A questão na verdade deve ser
analisada sob a ótica dos limites do poder de emendar.
Sabe-se que apresentado o projeto
pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se caminho
para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação
públicas da matéria. Nessa fase sobressai o poder de emendar, prerrogativa
inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta, pois
encontra-se limitada às restrições impostas, em “numerus clausus”, pela Constituição Federal (art. 63, I e 166, §
3º, I e II ), reproduzidas pelo art. 24, § 5º, nº 1 e
175, § 1º, 1 e 2, da Constituição Estadual.
Da interpretação das normas que regem o
processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar
projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de
evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a
desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda
pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação
praticamente e substancialmente distinta da proposta original.
A este propósito o Supremo Tribunal Federal consignou que:
“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).
Mas o considera restrito, como se conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante transcrito:
“Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).”
Estabelecidas estas
considerações, tem-se, no caso em análise, que a inovação normativa decorrente
da emenda aditiva implementada que deu origem ao art. 25 da Lei n° 12.767/12,
incluindo entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas
autarquias e fundações públicas, importou em alteração
extrema do texto originário, rendendo ensejo a regulação de matéria diversa da
que tratava a Medida Provisória, com ela não tendo pertinência temática.
Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios, em face do artigo 144 da Constituição do Estado, tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo estruturador do processo
legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição
da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do
processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de
compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros.
Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar,
relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
A alteração legislativa produzida representa inequívoco abuso do poder de emendar.
Não se vislumbra de outro lado, violação do princípio da proporcionalidade, haja vista que o simples fato do Poder Público dispor de outros meios para a satisfação de seu crédito, não é motivo suficiente para a caracterização da desproporcionalidade. Ademais, podendo o credor particular valer do protesto, não seria razoável impedir o Poder Público de ter o mesmo instrumento a sua disposição, que em determinadas hipóteses mostra-se até mais eficaz do que a ação judicial.
Por fim, importante assinalar que nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 0007415-15.2015.8.26.0000, foi suscitada a inconstitucionalidade do mesmo parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu acolhimento, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
São Paulo, 10 de fevereiro de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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