Parecer em Incidente de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0008732-48.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara
de Direito Público do Tribunal de Justiça
Agravante: (...)
Agravado: Fazenda do Estado de São Paulo
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei nº 12.767/12, que incluiu o parágrafo único do art. 1º da lei nº
9.492/97
Ementa:
1) Incidente de inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12, que inclui entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
2) Abuso ao poder de emenda. Desfiguração da proposta inicial por ausência de pertinência temática. Violação dos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II da Constituição Federal.
3) Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão
Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito
Público, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 2185094-02.2014.8.26.0000,
da 1ª. Vara da Fazenda Pública de São Bernardo do Campo, figurando como Relator
o Desembargador Moreira de Carvalho.
A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade art. 1º da lei nº 9.492/97, incluído pela Lei nº 12.767/12, por existência de vício formal no processo legislativo, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:
“(...)
A supramencionada lei é fruto de conversão da Medida Provisória nº 577, de 29 de agosto de 2012, que dispunha sobre a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária de serviço, sobre a intervenção para adequação de serviço público de energia elétrica.
Propuseram no Congresso Nacional 88 emendas parlamentares ao projeto, todavia nenhuma delas dispôs sobre a inclusão de certidões de dívida ativa como título sujeito a protesto.
Quando de sua conversão em lei, várias matérias estranhas foram inseridas no projeto, as quais não tem relação com a proposição
inicial e incluiu-se no projeto o art. 25 alterando a redação do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, para incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
Importante ressaltar que não é ilimitada a competência do Poder Legislativo para emendar projetos de lei. A concessão de serviço público de energia elétrica, objeto da Medida Provisória enviada ao Congresso, e protesto de títulos são matérias que não preservam entre si qualquer pertinência lógica. Aduz que a questão não foi objeto de emenda parlamentar, mas incluída no parecer do relator da matéria sem a observância do processo legislativo previsto na Constituição Federal.
Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal
Federal: “Poder Legislativo detém a competência de emendar todo e qualquer
projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder
Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém,
duas limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular
matéria estranha à versada no projeto de lei (requisito de pertinência temática); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF)” (ADI nº 3.288-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 13/10/10, DJe 24/02/11).
Portanto, ao inserir no projeto de lei dispositivo tratando de questão sem qualquer pertinência temática com a matéria objeto da Medida Provisória editada pelo Chefe do Poder Executivo, o Poder Legislativo exorbitou sua competência e editou uma norma legal inválida, pois contaminada pelo vício da inconstitucionalidade
formal.
(...)”
É o relato do essencial.
Verifica-se que a redação do
parágrafo único do art. 1º da 9.492/97, foi inserido por força do art. 25 da
Lei nº 12.767/12, que estabeleceu o
seguinte:
“Art. 25. A Lei no 9.492, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.1º ......................................................................
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.” (NR)
Não se discute que a inovação
normativa, não guarda pertinência temática com o objeto da Medida Provisória nº
577, de 29 de agosto de 2012, que deu origem à Lei nº 12.767/12 e tinha por
objeto dispor sobre a extinção das concessões de serviço público de energia
elétrica, a prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para
adequação do serviço público de energia elétrica.
A inconstitucionalidade do ato
normativo impugnado decorre do abuso do poder de emendar, importando em
violação aos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II da Constituição Federal, normas
que regulam o processo legislativo que nos termos do art. 144 da Constituição
Estadual devem ser observadas pelos Estados e Municípios.
O processo legislativo,
compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto)
realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na
Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência
e harmonia dos Poderes.
O desrespeito às normas do processo
legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República,
conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o
controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.
A iniciativa, o ato que deflagra
o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).
A matéria de que trata a lei em
análise – extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a
prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para adequação do serviço
público de energia elétrica – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Chefe do Poder
Executivo. Nesse aspecto, não há qualquer objeção, pois o ato normativo
decorreu de Medida Provisória.
A questão na verdade deve ser
analisada sob a ótica dos limites do poder de emendar.
Sabe-se que apresentado o projeto
pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se caminho
para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação
públicas da matéria. Nessa fase sobressai o poder de emendar, prerrogativa
inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta, pois se encontra
limitada às restrições impostas, em “numerus
clausus”, pela Constituição Federal (art. 63, I e 166, § 3º, I e II),
reproduzidas pelo art. 24, § 5º, nº 1 e 175, §
1º, 1 e 2, da Constituição Estadual.
Da interpretação das normas que regem o
processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar
projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de
evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a
desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda
pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação
praticamente e substancialmente distinta da proposta original.
A este propósito o Supremo Tribunal Federal consignou que:
“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).
Mas o considera restrito, como se conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante transcrito:
“Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).”
Estabelecidas estas
considerações, tem-se, no caso em análise, que a inovação normativa decorrente
da emenda aditiva implementada que deu origem ao art. 25 da Lei n° 12.767/12,
incluindo entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas
autarquias e fundações públicas, importou em alteração
extrema do texto originário, rendendo ensejo a regulação de matéria diversa da
que tratava a Medida Provisória, com ela não tendo pertinência temática.
Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios, em face do artigo 144 da Constituição do Estado, tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo estruturador do processo
legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição
da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do
processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de
compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros.
Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar,
relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
A alteração legislativa produzida representa inequívoco abuso do poder de emendar.
Por fim, importante assinalar que nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 0007415-15.2015.8.26.0000, 0007169-19.2015.8.26.0000, 0008631-11.2015.8.26.0000, 0008701-28.2015.8.26.0000, 0008825-11.2015.8.26.0000 e 0008741-10.2015.8.26.0000 (os quatro últimos de relatoria de Vossa Excelência), foi suscitada a inconstitucionalidade do mesmo parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu acolhimento, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
São Paulo, 25 de fevereiro de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca