Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0011467-20.2016.8.26.0000

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelante: (...).

Apelado: Secretário de Finanças do Município de Campinas

Objeto: inconstitucionalidade do item 1.05 da Lista Anexa à Lei Complementar Federal n° 116/03 e do item 1.05 da Lista Anexa à Lei n° 12.392/2005, do Município de Campinas.

 

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade do Item 1.05 da Lista Anexa à Lei n° 12.392/2005, do Município de Campinas, que reproduz o item 1.05 da Lista Anexa à Lei Complementar Federal n° 116/03. Incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre o serviço de “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”.

2)      Atividade que se subsume ao conceito de serviço. Obrigação de fazer consistente na transferência de do direito de uso ou licença de software produzido sob encomenda para atender as peculiaridades de destinatário específico. Precedentes dos Egrégios STF e STJ.

3)      Parecer pelo não acolhimento do incidente.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela Colenda 15ª Câmara de Direito Público no julgamento de recurso de apelação interposto contra respeitável sentença proferida pelo MM. Juízo da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas, que denegou a ordem no mandado de segurança impetrado pelo recorrente, que objetivava assegurar o suposto direito líquido e certo de não ser compelido ao recolhimento do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) sobre os valores pagos à “(...).” a título de licenciamento de programas de computador (fls. 546/549v).

O venerando acórdão restou assim fundamentado (fl. 546/549v):

“(...)

Quanto à alegação de que não se trata de serviço, mas sim de “obrigação de dar”, o item 1.05 da Lista anexa à Lei Complementar n° 116/03 taxativamente tipifica como serviço o “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”.

Não obstante a isso, é certo que o STF reconheceu a existência de repercussão geral referente “à definição da incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza ISSQN, quanto ao contrato envolvendo a cessão ou licenciamento de programas de computador (software) desenvolvidos para clientes de forma personalizada”, no RE 688.223 de relatoria do Min. Luiz Fux, cujo julgamento ainda não foi finalizado.

Senão por isso, em que pese entendimentos anteriores em sentido contrário, verifica-se que no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0531762-31.2010.8.26.0000 suscitada por esta 15ª Câmara de Direito Público, o Órgão Especial deste Eg. Tribunal de Justiça reconheceu a inconstitucionalidade da Lei n° 2.499/03 do Município de Santana do Parnaíba, conforme ementa transcrita abaixo:

“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI – Lei n° 2.499/03 do Município de Santana do Parnaíba – ISS – Incidência nas atividades de licenciamento e cessão do direito de uso de programas de computador – Impossibilidade – Os programas de computação feitos por empresas em larga escala e de maneira uniforme, são mercadorias de livre comercialização no mercado e passíveis de incidência do ICMS – Afronta ao art. 156, inciso III da Constituição Federal – Incidente procedente” (Rel. Des. Antônio Carlos Malheiros, Data do Julgamento: 13/04/2011) (g.n.)

Ressalte-se, ainda, que a inconstitucionalidade da lei municipal de Santana do Parnaíba foi reconhecida sob o fundamento de que programas de computação feitos por empresas em larga escala e de maneira uniforme são mercadorias, situação que não se coaduna com a do presente caso, tendo em vista que a discussão dos autos cinge-se à incidência ou não de ISS sobre contrato de licenciamento de software personalizado e não de prateleira, que restou reconhecido como mercadoria, conforme jurisprudência do STF.

Assim, considerando que o item 1.05 da lista anexa à Lei municipal n° 12.392/2005 reproduz o item 1.05 da Lista anexa à Lei Complementar n° 116/03, que taxativamente tipifica como serviço o “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação", tal matéria, em Segunda Instância, deverá ser submetida ao Órgão Especial, posto que a Turma Julgadora não tem competência para confirmar o decisum, por força da Súmula Vinculante n° 10, que dispõe:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência, no todo ou em parte”.

(...)”.

         Nestas condições, vieram os autos para manifestação desta Douta Procuradoria- Geral de Justiça (fls. 555).

         É o relatório.

 

         Como é cediço, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) é tributo municipal, que, no entanto, está adstrito à norma de caráter geral, vale dizer, à lei complementar nacional, que definirá os serviços tributáveis (artigos 146, III e 156, III, CF/88).

Trata-se da Lei Complementar n° 116/03, que “dispõe sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências”, e, no item 1.05 de sua lista de serviços anexa, prevê, como fato gerador do tributo, a prestação de serviço de “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação” - dispositivo este reproduzido pelo item 1.05 da lista anexa da Lei Municipal n° 12.392/05, que instituiu o ISS no Município de Campinas, figurando como objeto da presente arguição.

Nas palavras do Min. Carlos Velloso, em seu voto no RE 361.829, verbis:

“O ISS é um imposto municipal. É dizer, ao Município competirá instituí-lo (CF, art. 156, III). Todavia, está ele jungido à norma de caráter geral, vale dizer, à lei complementar que definirá os serviços tributáveis, lei complementar do Congresso Nacional (CF, art. 156, III). Isto não quer dizer que a lei complementar possa definir como tributáveis pelo ISS serviços que, ontologicamente, não são serviços. No conjunto de serviços tributáveis pelo ISS, a lei complementar definirá aqueles sobre os quais poderá incidir o mencionado imposto. (...) a lei complementar, definindo os serviços sobre os quais incidirá o ISS, realiza a sua finalidade principal, que é afastar os conflitos de competência, em matéria tributária, entre as pessoas políticas (CF, art. 146, I). E isso ocorre em obséquio ao pacto federativo, princípio fundamental do Estado e da República (CF, art. 1°) (...) não adoto a doutrina que defende que a lista de serviços é exemplificativa.” (STF; 2ª Turma; DJ 24/02/2006).

Nesse sentido, ao interpretar o serviço de “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”, elencado no item 1.05 da Lei Complementar n° 116/03, a jurisprudência entendeu por bem distinguir, para fins tributários, os programas de computador produzidos em série e vendidos no varejo, denominados softwares “de prateleira”, dos programas de computador produzidos sob encomenda e objeto de contratos de licença ou de cessão.

Enquanto os primeiros constituem mercadorias e são, portanto, base econômica para a incidência do ICMS, os segundos caracterizam serviços, bens incorpóreos, sendo portanto tributáveis pelo ISS (cf. STF; 1ª Turma; RE 176626/SP; Min. Rel. Sepúlveda Pertence; D.J. 10/11/1998).

Vide trecho ilustrativo do voto do Min. Rel. Sepúlveda Pertence, verbis:

“(...)

Classifica Rui Saavebra (ob. cit., p. 29) os programas de computador, segundo o grau de standardização, em três categorias: os programas standard, os programas por encomenda e os programas adaptados ao cliente.

(...)

Seja qual for o tipo de programa, contudo, é certo, não se confundirão a aquisição do exemplar e o licenciamento ou cessão do direito de uso, também presente até quando se cuide de software “enlatado” ou “de prateleira”.

“Nas relações com os seus clientes” – ensina Rui Saavebra (ob. cit., p. 79) – “a empresa produtora do software surge como proprietária do software que ela cria e comercializa, quer se trate de software standard, comercializado em massa, quer de software concebido especificamente em função das necessidades de um utilizador em particular. Com efeito, mesmo neste último caso, a propriedade do software permanece, habitualmente, na titularidade da empresa que o realizou; mas nada impede que as partes estipulem o contrário, no caso de o cliente querer proteger o seu investimento solicitando que lhe seja cedida a propriedade do software, se ele tiver financiado totalmente os custos de desenvolvimento”.

“Diferentemente sucede” assinala o autor – “nas relações com o utilizador de um software standard, porque este vocaciona-se a ser comercializado junto de uma clientela potencialmente vasta: a propriedade do software em si, normalmente, nunca é cedida ao cliente, apenas um direito de uso não exclusivo. Isso não obsta a que se considere que o cliente adquire as “manifestações físicas” do software, com todas as prerrogativas ligadas a esta propriedade, se a licença de uso lhes tiver concedido a título definitivo e por um preço”.  

Os contratos de licenciamento e cessão são ajustes concernentes aos direitos de autor, firmados pelo titular desses direitos – que não é necessariamente o vendedor do exemplar do programa – e o usuário do software.

No caso de software- produto, esses ajustes assumem, geralmente, a forma de contratos de adesão, aos quais o usuário se vincula tacitamente ao utilizar o programa em seu computador. As cláusulas desses contratos – voltadas à garantia dos direitos do autor, e não à disciplina das condições do negócio realizado com o exemplar – limitam a liberdade do adquirente da cópia quanto ao uso do programa, estabelecendo, por exemplo, a proibição de uso simultâneo do software em mais de um computador, a proibição de aluguel, de reprodução, de decomposição, de separação dos seus componentes e assim por diante.

(...)”. (RE 176626/SP; pp. 319/321).

É esse também o entendimento do E. STJ, in verbis:

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. ISS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE). CIRCULAÇÃO. 1. Se as operações envolvendo a exploração econômica de programa de computador são realizadas mediante a outorga de contratos de cessão ou licença de uso de determinado software fornecido pelo autor ou detentor dos direitos sobre o mesmo, com fim específico e para atender a determinada necessidade do usuário, tem-se caracterizado o fenômeno tributário denominado prestação de serviços, portanto, sujeito ao pagamento do ISS (item 24, da Lista de serviços, anexo ao DL n. 406/68). 2. Se, porém, tais programas de computador são feitos em larga escala e de maneira uniforme, isto é, não se destinando ao atendimento de determinadas necessidades do usuário a que para tanto foram criados, sendo colocados no mercado para aquisição por qualquer um do povo, passam a ser considerados mercadorias que circulam, gerando vários tipos de negócio jurídico (compra e venda, troca, cessão, empréstimo, locação etc), sujeitando-se, portanto, ao ICMS. (...) 4- Recurso especial improvido. Confirmação do acórdão hostilizado para reconhecer, no caso, a legitimidade da cobrança do ICMS.” (REsp 123.022/RS, 1ª T., rel. Min. José Delgado, j. 14-08-1997). – grifo nosso.

Não se vislumbra, assim, inconstitucionalidade no ato normativo questionado na presente arguição.

Com efeito, cumpre ao intérprete da lei, diante de conflitos concretos, analisar as peculiaridades do caso em questão, decidindo pela incidência do texto normativo analisado tão-somente nas hipóteses em que se esteja diante de licenciamento ou cessão de direito de uso de programa de computador produzido de forma personalizada, para atender as necessidades específicas de um determinado usuário. Por outro lado, caso se verifique a circulação de programa de computador produzido em larga escala, dirigido a uma ampla gama de usuários, estar-se-á diante da hipótese de incidência do ICMS.

Para finalizar, conforme mencionado no acórdão que instaurou o presente incidente, encontra-se pendente de julgamento junto ao Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida, RG-RE 688.223, Min. Rel. Luiz Fux, que discutirá a definição da incidência do ISSQN no tocante ao contrato envolvendo a cessão ou licenciamento de programas de computador (software) desenvolvidos para clientes de forma personalizada. Seguramente, referido julgado representará importante paradigma para o enfrentamento de futuros conflitos tributários.

 

Diante do exposto, opina-se pelo não acolhimento do presente incidente.

          

  São Paulo, 14 de abril de 2016.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

efrco/ts