Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0012213-19.2015.8.26.0000

Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Agravante: (...)

Agravado: Fazenda Pública do Estado de São Paulo

 

 

 

Ementa: 1) Incidente de inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12, que incluí entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas; 2) Abuso ao poder de emenda. Desfiguração da proposta inicial por ausência de pertinência temática. Violação aos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II, da Constituição Federal; 3) Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

         Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela Col. 9ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 2185287-17.2014.8.26.0000, da 7ª. Vara da Fazenda Pública de São Paulo, figurando como Relator o Desembargador Moreira de Carvalho.

A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade art. 1º da lei nº 9.492/97, incluído pela Lei nº 12.767/12, por existência de vício formal no processo legislativo, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:

 “(...)

A supramencionada lei é fruto de conversão da Medida Provisória nº 577, de 29 de agosto de 2012, que dispunha sobre a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária de serviço, sobre a intervenção para adequação de serviço público de energia elétrica.

Propuseram no Congresso Nacional 88 emendas parlamentares ao projeto, todavia nenhuma delas dispôs sobre a inclusão de certidões de dívida ativa como título sujeito a protesto. Quando de sua conversão em lei, várias matérias estranhas foram inseridas no projeto, as quais não tem relação com a proposição

inicial e incluiu-se no projeto o art. 25 alterando a redação do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, para incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.

Importante ressaltar que não é ilimitada a competência do Poder Legislativo para emendar projetos de lei. A concessão de serviço público de energia elétrica, objeto da Medida Provisória enviada ao Congresso, e protesto de títulos são matérias que não preservam entre si qualquer pertinência lógica. Aduz que a questão não foi objeto de emenda parlamentar, mas incluída no parecer do relator da matéria sem a observância do processo legislativo previsto na Constituição Federal.

Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Poder Legislativo detém a competência de emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular

matéria estranha à versada no projeto de lei (requisito de pertinência temática); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF)” (ADI nº 3.288-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 13/10/10, DJe 24/02/11).

Portanto, ao inserir no projeto de lei dispositivo tratando de questão sem qualquer pertinência temática com a matéria objeto da Medida Provisória editada pelo Chefe do Poder Executivo, o Poder Legislativo exorbitou sua competência e editou uma norma legal inválida, pois contaminada pelo vício da inconstitucionalidade formal.

 (...)”

É o relato do essencial.

Verifica-se que o parágrafo único, do art. 1º, da Lei n° 9.492/97, foi inserido por força do art. 25 da Lei nº 12.767/12, que estabeleceu o seguinte:

“Art. 25.  A Lei no 9.492, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:

‘Art.1º  ......................................................................

Parágrafo único.  Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.” (NR)

Indiscutível que a inovação normativa não guarda pertinência temática com o objeto da Medida Provisória nº 577, de 29 de agosto de 2012, que deu origem à Lei nº 12.767/12 e tinha por objeto dispor sobre a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica, a prestação temporária do serviço e a intervenção para adequação do serviço público de energia elétrica.

A inconstitucionalidade do ato normativo impugnado decorre do abuso do poder de emendar, importando em violação aos arts. 63, I, e 166, § 3º, I e II, da Constituição Federal, normas que regulam o processo legislativo e devem ser observadas pelos Municípios, nos termos do art. 144 da Constituição Estadual.   

Nesse sentido, tem decidido o E. Supremo Tribunal Federal:

“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, a fim de que seja garantida a independência e harmonia dos Poderes.

 O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa, o ato que deflagra o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).

A matéria de que trata a lei em análise – extinção das concessões de serviço público de energia elétrica, prestação temporária do serviço e intervenção para adequação do serviço público de energia elétrica – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Chefe do Poder Executivo. Nesse aspecto, não há qualquer objeção, pois o ato normativo decorreu de Medida Provisória.

A questão, na verdade, deve ser analisada sob a ótica dos limites ao poder de emendar.

Sabe-se que, apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se caminho para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria. Nessa fase, sobressai o poder de emendar, prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta, devendo observância às restrições impostas, em “numerus clausus”, pela Constituição Federal (art. 63, I e 166, § 3º, I e II), reproduzidas pelo art. 24, § 5º, 1 e 175, § 1º, 1 e 2, da Constituição Estadual.

 Da interpretação das normas que regem o processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática, seja pela alteração extrema do texto originário, ensejando regulação substancialmente distinta da proposta original, com a desfiguração desta.

A este propósito o E. Supremo Tribunal Federal consignou que:

“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).

“Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).”

Postas estas considerações, tem-se que, no caso em análise, a inovação normativa decorrente da emenda aditiva implementada, que deu origem ao art. 25 da Lei n° 12.767/12, incluindo entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas, importou em alteração extrema do texto originário, ensejando a regulação de matéria diversa da que tratava a Medida Provisória, com ela não guardando pertinência temática.

A alteração legislativa produzida representa inequívoco abuso do poder de emendar.

Por fim, importante assinalar que nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 0007415-15.2015.8.26.0000, 0007169-19.2015.8.26.0000, 0008631-11.2015.8.26.0000, 0008701-28.2015.8.26.0000, 0008825-11.2015.8.26.0000, 0008741-10.2015.8.26.0000, 0011402-59.20158.26.0000, 0011903-13.2015.8.26.0000, 0012082-44.2015.8.26.0000, 0012188-06.2015.8.26.0000, 0012190-73.2015.8.26.0000, 0012209-79.2015.8.26.0000, 0012261-75.2015.8.26.0000, 0012219-26.2015.8.26.0000 e 0012215-86.2015.8.26.0000 (os treze últimos de relatoria de Vossa Excelência) foi suscitada a inconstitucionalidade do mesmo parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.

Diante do exposto, opina-se pelo conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e pelo seu acolhimento, com a declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.

 

São Paulo, 03 de março de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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