Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0012327-89.2014.8.26.0000

Suscitante: 6ª Câmara de Direito Público

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Pronúncia de constitucionalidade pelo órgão fracionário. Não conhecimento. Lei n. 14.977, de 11 de setembro de 2009, do Município de São Paulo. Operação Delegada. Gratificação a policiais militares por desempenho da polícia administrativa municipal. 1. O incidente de inconstitucionalidade não se consubstancia em consulta do órgão julgador fracionário ao tribunal pleno nem tem outra finalidade senão a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, competindo ao órgão fracionário, em qualquer hipótese, pronunciar-se positivamente sobre a inconstitucionalidade suscitada. 2. Não conhecimento do incidente quando o órgão fracionário pronuncia a constitucionalidade da norma impugnada. 3. À luz dos arts. 23, par. único, e 241, CF/88, não há inconstitucionalidade na Lei n. 14.977/09, do Município de São Paulo, que institui gratificação pelo desempenho, autorizado por convênio, a policiais civis e militares, do exercício da polícia administrativa municipal, durante sua folga. 4. Conquanto a Guarda Municipal possa exercer essa atribuição, nada impede a cooperação intragovernamental.    

 

 

 

 

Eminente Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                No julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença que julgou improcedente ação civil pública proposta pelo Ministério Público em face da Fazenda do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo objetivando a invalidade de convênio celebrado para implantação da “Operação Delegada”, a colenda 6ª Câmara de Direito Público do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suscita incidente de inconstitucionalidade da Lei n. 14.977, de 11 de setembro de 2009, do Município de São Paulo (fls. 906/910). A Municipalidade de São Paulo opôs embargos de declaração, colimando a eliminação de contradição porque o julgado negou provimento ao recurso pronunciando a constitucionalidade da lei impugnada (fls. 914/916), tendo sido os embargos parcialmente acolhidos para constar da tira de julgamento e da folha de rosto do acórdão que a apelação não foi conhecida e foi determinada a remessa dos autos ao colendo Órgão Especial (fls. 920/922).

2.                É o relatório.

3.                O incidente não merece conhecimento, nos termos da primeira parte do caput do art. 481 do Código de Processo Civil, que assim preceitua:

“Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno”.

4.                Como explica J. C. Barbosa Moreira:

“Se a maioria dos votantes se manifestar contra a arguição, esta se haverá como rejeitada. Em semelhante hipótese, não é necessário levar a questão ao exame do plenário ou do ‘órgão especial’ (...)” (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1985, vol. V, p. 44, n. 32).

5.                Com efeito, o art. 97 da Constituição de 1988, complementa a doutrina invocada, “só se aplica à declaração da inconstitucionalidade, para a da constitucionalidade, não há exigência específica de quórum, nem atribuição de competência privativa a órgão algum”, pois, improcedente “será a arguição quando o órgão fracionário, pela maioria de seus membros, não reconhecer a alegada incompatibilidade entre a lei ou o outro ato e a Constituição” (opus cit., pp. 44-45, n. 32).

6.                No caso, o venerando acórdão gizou que:

“Corretamente sustentou o MM. Juiz a quo a regularidade do convênio nos termos do artigo 241 da Constituição Federal e artigo 23 da EC 53/06.

Entendo, assim, que a Lei Municipal nº 14.977/2009, deve ser incidentalmente declarada constitucional” (fl. 909).

7.                O incidente de inconstitucionalidade não se consubstancia em consulta do órgão julgador fracionário ao tribunal pleno nem tem outra finalidade senão a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, em julgamento per saltum.

8.                Com a devida vênia, era indispensável pronunciamento positivo de inconstitucionalidade da colenda turma julgadora.

9.                A admissibilidade do incidente deve atender aos contornos legais e regimentais e, mormente, o art. 97 da Constituição Federal e o teor da Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal, impositivos da observância da cláusula de reserva de plenário quando a inconstitucionalidade de lei surja para o julgador em segundo grau de jurisdição como essencial para o julgamento da causa, ainda que assim não tenham postulado as partes no processo.

10.              Assim já decidiu este colendo Órgão Especial em venerando acórdão da lavra do eminente Desembargador Mário Devienne Ferraz, cujos valiosos fundamentos são transcritos e incorporados expressamente:

“Ocorre que a instauração do incidente de inconstitucionalidade, regulado nos artigos 480 a 482 do Código de Processo Civil, exige que o órgão fracionário enfrente a alegação e decida se a acolhe ou a rejeita. Se a rejeitar, declarará as razões pelas quais concluiu nesse sentido e prosseguirá no julgamento de mérito” (Incidente de Inconstitucionalidade de Lei n. 172.877-0/2-00, Miguelópolis, Órgão Especial, v.u., 18-02-2009).

11.              O acolhimento parcial dos embargos declaratórios não tornou superada a questão, pois, retificada a tira de julgamento e a folha de rosto do acórdão (a fim de constar que a apelação não foi conhecida e determinada a remessa dos autos ao colendo Órgão Especial), manteve-se a fundamentação do venerando acórdão de cunho negativo à inconstitucionalidade da lei municipal impugnada.

12.              Destarte, opino, preliminarmente, pelo não conhecimento do incidente.

13.              Se superada a preliminar, concessa venia, mantenho a convicção externada pela Procuradoria-Geral de Justiça que, estimando a constitucionalidade de lei municipal similar, promoveu o arquivamento de representação para o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade nos seguintes termos:

Prima facie, da leitura da lei em epígrafe, não se visualiza as inconstitucionalidades propaladas na representação em análise.

A colaboração entre entidades públicas de qualquer natureza, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes, não é estranha ao nosso ordenamento jurídico.

Aliás, no seu art. 23, parágrafo único, a Constituição dispõe que: ‘Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional’.

A segurança pública constitui dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, nos exatos termos do art. 144, caput, da Constituição Federal, inexistindo, assim, em linha de princípio, qualquer inconstitucionalidade na formação de parceria entre o Estado e o Município com vistas à adoção de medidas conjuntas para a melhoria da segurança pública.

Acerca desse tema, Hely Lopes Meirelles leciona que:

A ampliação das funções estatais, a complexidade e o custo das obras públicas, vêm abalando, dia-a-dia, os fundamentos da administração clássica, exigindo novas formas e meios de prestação de serviços afetos ao Município.

Evoluímos, cronologicamente, dos serviços públicos centralizados para os serviços delegados a particulares, destes passamos aos serviços outorgados a autarquias; daqui, defletimos para os serviços traspassados a entidades paraestatais, e finalmente chegamos aos serviços de interesse recíproco de entidades públicas e organizações particulares realizados em mútua cooperação, sob as formas de convênios e consórcios administrativos.

E assim se faz porque, em muitos casos, já não basta a só modificação instrumental da prestação do serviço na área de responsabilidade de uma Administração. Necessárias se tornam a sua ampliação territorial e a conjugação de recursos técnicos e financeiros de outros interessados na sua realização. Desse modo se conseguem serviços de alto custo que jamais estariam ao alcance de uma Administração menos abastada. Daí o surgimento dos convênios e consórcios administrativos, como solução para tais situações.’ (Cf. Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 8.ª edição, atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro, Yara Darcy Police Monteiro, Célia Marisa Prendes, p. 295).

É inegável que a segurança pública interessa a todos sem exceção, particularmente nesse delicado momento que o país atravessa, em que os casos de violência explodem de norte a sul, a exigir de todas as pessoas comunhão de esforços na expectativa de minimizar ou reverter o problema.

Evidentemente que os Municípios não podem ficar alheios a essa realidade, à medida que os moradores dos grandes centros urbanos são os que mais sofrem com a falta de segurança, e, nessa conformidade, a celebração de ajuste com o Estado, com vistas ao desenvolvimento de ações conjuntas na área da segurança pública, nada tem de inconstitucional, muito pelo contrário, visa ao atingimento de uma finalidade constitucional: a preservação do direito de todos à segurança pública.

No caso em análise, verifica-se que, por meio de convênio a ser celebrado com o Estado de São Paulo, o Município de Sorocaba pretende obter o apoio de agentes estaduais na realização de atividades previstas na legislação municipal referente a posturas.

A indeterminação legal quanto ao alcance do objeto do convênio a ser celebrado remete necessariamente à análise da minuta confeccionada, o que, porém, não se admite no controle normativo abstrato, em que a inconstitucionalidade deve resultar diretamente do confronto da lei com o texto expresso da Constituição.

(...)

Por fim, cumpre registrar que convênios dessa natureza são bastante comuns, inclusive na área da segurança pública, como por exemplo na prestação de auxílio financeiro e material aos serviços prestados pelo Corpo de Bombeiros, órgão estadual integrante da segurança pública” (Protocolado n. 114.795/11).

14.              O art. 241 da Constituição de 1988 incentiva a gestão associada de ações administrativas, preconizando o art. 23, parágrafo único, na redação dada pela Emenda n. 53, de 2006, a cooperação intragovernamental.

15.              A instituição de vantagem pecuniária (gratificação) se enraíza nesses preceitos e não conspira contra os princípios da administração pública, pois, seu cabimento se restringe aos períodos em que policiais militares não estão no desempenho das funções próprias de seus cargos.

16.             Conquanto a Guarda Municipal possa exercer essa atribuição, pois, se relaciona aos serviços lato sensu de competência municipal, nada impede a cooperação intragovernamental e a remuneração específica a servidores públicos de outras esferas que a desempenhem.

 

17.              Face ao exposto, opino pelo não conhecimento do incidente e, se superada a preliminar, pela declaração de constitucionalidade da Lei n. 14.977, de 11 de setembro de 2009, do Município de São Paulo.

                   São Paulo, 26 de fevereiro de 2014.

 

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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