Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0013268-68.2016.8.26.0000

Suscitante: 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Recorrente: Prefeitura Municipal de São Paulo

Recorrido: (...)

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Artigos 9º e 10º da Lei Municipal nº 14.485, de 19 de julho de 2007, de São Paulo, que instituíram o feriado do “Dia da Consciência Negra”.

2)      Questão já enfrentada pelo Órgão Especial, nos autos da ação direta de inconstitucionalidade nº 2063116-24.2015.8.26.0000, que reconheceu a constitucionalidade do art. 9º da Lei Municipal nº 14.485/2007, de São Paulo.

3)      A instituição de feriado municipal em homenagem ao dia da consciência negra não constitui matéria de competência privativa da União. Iniciativa concorrente para a deflagração do processo legislativo.  Interesse local presente. Constitucionalidade da norma constatada. Ausência de violação aos arts. 22, I, e 30, I e II, da Constituição Federal e, consequentemente, ao artigo 144 da Constituição Estadual.

4)      Parecer pelo não conhecimento. No mérito, pelo não acolhimento do incidente.

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 3ª Câmara de Direito Público do E. Tribunal de Justiça, quando do julgamento da apelação nº 0040440-64.2009.8.26.0000 (fls. 309/311), interposta em face da sentença que julgou procedente a ação declaratória declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 9º e do art. 10º na parte que se refere ao feriado do dia 20 de novembro (“Dia da Consciência Negra”) da Lei Municipal nº 14.485, de 19 de julho de 2007, de São Paulo, figurando como Relator o Desembargador Marrey Uint.

Para fins de esclarecimento, a ação declaratória ajuizada pelo (...) objetivava a declaração de inconstitucionalidade incidental da Lei Municipal nº 13.707, de 07 de janeiro de 2004, de São Paulo, no que se referia à instituição do feriado do “Dia da Consciência Negra”.

Ocorre que, diante da superveniente promulgação da Lei Municipal nº 14.485, de 19 de julho de 2007, que também instituiu o feriado, assim posicionou-se a magistrada sentenciante: “não merece guarida a carência da ação, em virtude da revogação da Lei Municipal nº 13.707/04 pela Lei Municipal 14.485/07, porque o objetivo não é, de forma principal, a inconstitucionalidade do referido diploma legal, mas sim afastar os efeitos do feriado da consciência negra” (fls. 249/262).

A Col. Câmara arguiu a inconstitucionalidade dos mencionados dispositivos da Lei nº 14.485/2007, por considerar que a instituição de feriado civil extrapola a competência legislativa municipal, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:

“(...)

A Constituição Federal estabelece em seu artigo 30 a competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual, no que couber.

Por sua vez, a Lei Federal nº 9.093/95 determina que os feriados civis são aqueles declarados em lei federal, competindo aos Municípios legislar sobre feriados religiosos

(...)

Assim, extrai-se da r. lei federal, que não pode o município estabelecer feriado civil dia 20 de novembro, pois escapa à matéria exclusivamente local de competência legislativa privativa dos municípios.

Dessa maneira, nos termos dos artigos 187 e 190 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, bem como os artigos 480 e 481 do CPC, suspende-se o julgamento do mérito da apelação e suscita-se o incidente de inconstitucionalidade da r. Lei, com remessa dos autos ao Órgão Especial.

É o relato do essencial.

         O incidente não merece conhecimento.

         O art. 949, parágrafo único, do atual Código de Processo Civil, estabelece que “Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.”.

         A matéria em análise já foi apreciada pelo C. Órgão Especial, que afirmou a constitucionalidade do diploma normativo em exame, como demonstra a seguinte ementa:

“EMENTA - Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 9º da Lei nº 14.485, de 19 de julho de 2007, do Município de São Paulo, que instituiu “o feriado municipal do Dia da Consciência Negra”. I- Inexigibilidade da outorga de mandato com poderes especiais para propositura de ação direta. Lei federal nº 9.868/99. II- Legitimidade ativa do sindicato reconhecida ante a correlação entre suas finalidades sociais e o conteúdo da norma impugnada. III- Instituição de feriado local que não viola direta ou obliquamente dispositivos constitucionais. Alegação de contrariedade à Lei federal 9.093/95 insusceptível de ser conhecida, eis que no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade pelo Tribunal de Justiça não é admissível o confronto entre leis locais, nem entre lei local e a legislação federal, eis que o parâmetro há de ser necessariamente a Carta estadual. Ação improcedente.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade 2063116-24.2015.8.26.0000, Rel. Des. Arantes Theodoro, publicado em 13.8.2015 – doc. anexo).

Se superada a preliminar, no mérito o incidente é improcedente.

Não se constata inconstitucionalidade material em razão de invasão da esfera de competência legislativa privativa da União (art. 22, I, da CF).

Vejamos.

No tocante a feriados, dispõe a Lei Federal nº 9.093, de 12 de setembro de 1995:

“Art. 1º- São feriados civis:

I- os declarados em lei federal;

II- a data magna do Estado fixada em lei federal;

III- os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal;

Art. 2º- São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-feira da Paixão.

Art. 3º- Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º- Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o art. 11 da Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949.”

Diante do que dispõe esse diploma, seria possível argumentar que, se o legislador federal disciplinou o tema em todo o território nacional, o assunto não se restringiria exclusivamente ao interesse local, transcendendo aos interesses meramente municipais, de forma que o feriado da “Consciência Negra”, de natureza civil, não se enquadraria nas hipóteses da norma federal transcrita.

Todavia, o confronto com a legislação federal não é admissível nesta sede, uma vez que o único parâmetro de controle aqui admitido é a Constituição do Estado, conforme esta dispõe em seu art. 90 (em consonância, aliás, com o previsto no art. 125, § 2º da Carta da República).

De outro lado, a Constituição Federal atribuiu competência aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, como, por exemplo, a instituição de feriados de relevância local (art. 30, I, da CF).

Acerca do tema já decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade de Lei Municipal do Rio de Janeiro que instituiu o dia 20 de novembro, data da morte de “Zumbi dos Palmares” como feriado municipal:

“A atividade em tal campo faz-se à luz da autonomia municipal consagrada no artigo 30, inciso I, nela contido. Compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local. Ora, na espécie dos autos, os representantes do povo do município do Estado do Rio de Janeiro concluíram no sentido da homenagem a Zumbi e o fizeram a partir da atuação cívica revelada pelo personagem que acabou por integrar a História no panteão que a Pátria deve cultuar. (...) é um símbolo da resistência negra contra a escravidão. (...) Atuou o município em via na qual surge a autonomia maior norteada por conceitos ligados à conveniência e oportunidade. Os textos dos incisos I e II do artigo 358 da Constituição do Estado não brecam a competência legislativa dos municípios para instituírem, à luz do critério da razoabilidade, feriados. (...) O Município do Rio de Janeiro legislou sobre assunto que pode ser tido como de interesse local, muito embora não se mostre peculiar, específico, exclusivo ao campo de atuação. Esse predicado é dispensável, porquanto não há antinomia entre a noção de interesses locais e interesses gerais. Quanto ao inciso II, já foi dito que a suplementação diz respeito à legitimação concorrente. Em suma, acabou-se por julgar procedente a representação não considerados os parâmetros, em si, da Carta do Estado do Rio de Janeiro, mas os limites da legislação federal. Ao assim se proceder, adotou-se entendimento distanciado das balizas ditadas pelo artigo 125, § 2º, da Constituição Federal, além de invadir-se, no julgamento de fundo, área reservada ao Município.” (RE 251.470-5 RJ, relator Min. Marco Aurélio, j. em 24/5/2000.)

Em julgamentos realizados por esse Egrégio Órgão Especial, em outrasões diretas de inconstitucionalidade versando sobre o tema, foi assinalado:

“A Constituição da República, ademais, não veda aos municípios, desde que respeitados os limites da razoabilidade, fixar datas de feriados segundo as suas próprias tradições (art. 30, I). Diante, pois, da necessidade de análise de legislação infraconstitucional e de ausência, na Constituição do Estado, de dispositivos que impeçam os Municípios de legislar sobre feriados, a lei que se busca impugnar não pode ser tachada de inconstitucional por esta E. Corte de Justiça.” (Adin 99.484.0/7-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, j. em 10/9/2003)

 “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 11.358, de 26 de julho de 2013, do Município de São José do Rio Preto, que instituiu feriado do "Dia Municipal da Consciência Negra". Inexistência de ofensa direta ou oblíqua a dispositivo ou princípio constitucional. Alegação de contrariedade à Lei federal 9.093/95 insusceptível de ser conhecida, eis que no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade pelo Tribunal de Justiça não é admissível o confronto entre leis locais, nem entre lei local e a legislação federal, eis que o parâmetro há de ser necessariamente a Carta estadual. Ação improcedente.” (ADIN nº 0177817-03.2013.8.26.0000, Rel. Des. Arantes Theodoro, j.26/03/2014)

Portanto, a instituição de feriados municipais insere-se no âmbito da competência legislativa municipal, afeta ao interesse local (art. 30, I, da CF), razão pela qual não há afronta ao art. 22, I, da Constituição Federal, e, consequentemente, ao art. 144 da Constituição Estadual, como alegado pelo requerente.

Diante do exposto, opino pelo não conhecimento do incidente de inconstitucionalidade, nos termos do art. 949, parágrafo único, do novo Código de Processo Civil, e, se superada essa preliminar, por sua improcedência, diante da constitucionalidade da Lei Municipal nº 14.485, de 19 de julho de 2007, de São Paulo, no que se refere ao feriado do “Dia da Consciência Negra”.

 

 

São Paulo, 04 de abril de 2016.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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