Parecer em
Incidente de Inconstitucionalidade
Processo nº 0013506-24.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça
Agravante:
(...) (em recuperação judicial)
Agravado: Fazenda
Pública do Estado de São Paulo
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei nº 12.767/12, que incluiu o parágrafo único do art. 1º da lei nº
9.492/97
Ementa:
1)
Incidente de
inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído
pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12, que incluí entre os títulos sujeitos a
protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
2)
Abuso ao poder de
emenda. Desfiguração da proposta inicial por ausência de pertinência temática.
Violação dos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II da Constituição Federal.
3)
Parecer pela admissão
e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito
Público, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 2210622-38.2014.8.26.0000,
da 1ª. Vara da Fazenda Pública de São Paulo, figurando como Relator o
Desembargador Carlos Eduardo Pachi.
A Col. Câmara argui a
inconstitucionalidade art. 1º da lei nº 9.492/97, incluído pela Lei nº
12.767/12, por existência de vício formal no processo legislativo, tendo ficado
consignado no acórdão o seguinte:
“(...)
Com
efeito, a possibilidade do protesto das certidões de dívida ativa da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, foi estabelecida no parágrafo único do
artigo 1º, da Lei nº 9.492/1997, cuja redação foi incluída pelo artigo 25, da
Lei nº 12.767/2012.
Neste
ponto, em sede de análise perfunctória, vislumbra-se a inconstitucionalidade
formal do citado art. 25 por ofensa ao processo legislativo, dada a ausência de
pertinência temática com o objeto da proposição legislativa (artigos 59 e 62,
da Carta Magna).
Cumpre
mencionar que a Lei nº 12.767/12 é resultado da conversão da Medida Provisória
nº 577, de 29 de agosto de 2012, que dispunha sobre a extinção das concessões
de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária de serviço,
sobre a intervenção para adequação de serviço público de energia elétrica.
Observa-se
que no Congresso Nacional foram oferecidas 88 emendas parlamentares ao projeto,
mas nenhuma delas dispôs sobre a inclusão de certidões de dívida ativa como
título sujeito a protesto.
Ocorre
que, no momento da conversão em Lei, houve a inserção de matérias estranhas e
sem afinidade lógica com a proposição inicial (isenção de Imposto de
Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados para taxistas, adequação de
valores de imóveis do programa “Minha Casa, Minha Vida”, entre outros), incluindo-se
no projeto o art. 25, alterando a redação do artigo 1º, parágrafo único, da Lei
nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, para estabelecer entre os títulos sujeitos
a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
(...)
Observe-se
que não é ilimitada a competência do Poder Legislativo para emendar projetos de
lei. Concessão de serviço público de energia elétrica este o objeto da Medida
Provisória enviada ao Congresso e protesto de títulos são matérias que não
guardam entre si qualquer afinidade lógica. Acresce que a questão não foi
objeto de emenda parlamentar, mas incluída no parecer do relator da matéria sem
a observância do processo legislativo previsto na Constituição Federal.
Conforme
já decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal em mais de uma oportunidade, o
“Poder Legislativo detém a competência de emendar todo e qualquer projeto de
lei, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art.
48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas
limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular matéria estranha à
versada no projeto de lei (requisito de pertinência temática); b) a
impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa
do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem
aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF)” (ADI nº 3.288-MG,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 13/10/10, DJe 24/02/11).
No
mesmo sentido: ADI nº 1.050-MC-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j.
21/09/94, DJU 23/04/04; ADI nº 2.681-MC-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de
Mello, j. 11/09/02, DJe 25/10/13.
Portanto,
ao inserir no projeto de lei dispositivo tratando de questão sem qualquer
pertinência temática com a matéria objeto da Medida Provisória editada pelo
Chefe do Poder Executivo, o Poder Legislativo exorbitou sua competência e
editou uma norma legal inválida, pois contaminada pelo vício da inconstitucionalidade
formal.
(...)”
É o relato do essencial.
Verifica-se que a redação do
parágrafo único do art. 1º da 9.492/97, foi inserido por força do art. 25 da
Lei nº 12.767/12, que estabeleceu o seguinte:
“(...)
Art. 25. A Lei no 9.492, de 10 de setembro de 1997,
passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art.1º
......................................................................
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a
protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.’ (NR)
(...)”
Não se discute que a inovação
normativa, não guarda pertinência temática com o objeto da Medida Provisória nº
577, de 29 de agosto de 2012, que deu origem a Lei nº 12.767/12 e tinha por
objeto dispor sobre a extinção das concessões de serviço público de energia
elétrica e a prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para
adequação do serviço público de energia elétrica.
A inconstitucionalidade do ato
normativo impugnado decorre do abuso do poder de emendar, importando em
violação aos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II da Constituição Federal, normas
que regulam o processo legislativo que nos termos do art. 144 da Constituição
Estadual devem ser observadas pelos Estados e Municípios.
O processo legislativo,
compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto)
realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na
Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência
e harmonia dos Poderes.
O desrespeito às normas do processo
legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República,
conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o
controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.
A iniciativa, o ato que deflagra
o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).
A matéria de que trata a lei em
análise – extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a
prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para adequação do serviço
público de energia elétrica – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Chefe do Poder
Executivo. Nesse aspecto, não há qualquer objeção, pois o ato normativo
decorreu de Medida Provisória.
A questão na verdade deve ser
analisada sob a ótica dos limites do poder de emendar.
Sabe-se que apresentado o projeto
pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se caminho
para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação
públicas da matéria. Nessa fase sobressai o poder de emendar, prerrogativa
inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta, pois se encontra
limitada às restrições impostas, em “numerus
clausus”, pela Constituição Federal (art. 63, I e 166, § 3º, I e II),
reproduzidas pelo art. 24, § 5º, nº 1 e 175, §
1º, 1 e 2, da Constituição Estadual.
Da interpretação das normas que regem o
processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar
projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de
evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a
desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda
pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação
praticamente e substancialmente distinta da proposta original.
A este propósito o Supremo
Tribunal Federal consignou que:
“O exercício do poder de emenda,
pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função
legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do
poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como
prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao
seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela
Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o
exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam,
especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda
reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim
proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado (RTJ
32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso
prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se
plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos
parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de
iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre
essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as
restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II),
bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa
parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição
legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de
Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 – g.n.).
Mas o considera restrito, como se
conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante
transcrito:
“Incorre em vício de
inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e
"c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em
projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que
resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da
Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia
dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma
impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que
lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel.
Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).”
Estabelecidas estas
considerações, tem-se, no caso em análise, que a inovação normativa decorrente
da emenda aditiva implementada que deu origem ao art. 25 da Lei n° 12.767/12,
incluindo entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas
autarquias e fundações públicas, importou em alteração extrema do texto
originário, rendendo ensejo a regulação de matéria diversa da que tratava a
Medida Provisória, com ela não tendo pertinência temática.
Trata-se de questão relativa ao
processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos
Estados e Municípios, em face do artigo 144 da Constituição do Estado, tal como
tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo estruturador do
processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela
Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de
iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão
normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos
Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0,
medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
Ainda que a pertinência temática seja
requisito exigível nas hipóteses em que emendas parlamentares digam respeito a
projetos de lei de iniciativa privativa, que desnaturem o texto originário ou
resultem em aumento de despesa, como sustentado na manifestação da Procuradoria
Geral da República nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
5.135/DF, promovida perante o Supremo Tribunal Federal, em face do dispositivo
legal em análise, a emenda aditiva foi apresentada em projeto que tratava de
matéria de iniciativa exclusiva do Presidente da República, e não poderia
aproveitá-lo para tratar de questão a ele não pertinente.
Entendimento contrário, não seria
razoável e contraria toda a lógica do processo legislativo, admitindo-se
oportunismos em prejuízo da transparência, regularidade e ordenação dos atos de
produção normativa.
A alteração legislativa produzida
representa inequívoco abuso do poder de emendar.
Por fim, importante assinalar que
nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 0007415-15.2015.8.26.0000,
0007169-19.2015.8.26.0000, 0008631-11.2015.8.26.0000,
0008701-28.2015.8.26.0000, 0008825-11.2015.8.26.0000,
0008741-10.2015.8.26.0000, 0011402-59.20158.26.0000, 0011903-13.2015.8.26.0000,
0012082-44.2015.8.26.0000, 0012188-06.2015.8.26.0000,
0012190-73.2015.8.26.0000, 0012209-79.2015.8.26.0000,
0012261-75.2015.8.26.0000, 0012219-26.2015.8.26.0000,
0012215-86.2015.8.26.0000, 0012213-19.2015.8.26.0000,
0012642-83.2015.8.26.0000, 0012650-60.2015.8.26.0000, 0013771-26.2015.8.26.0000,
0014309-07.2015.8.26.0000, 0014299-60.2015.8.26.0000,
0014268-40.2015.8.26.0000, 0013778-18.2015.8.26.0000, 0014295-23.2015.8.26.0000, 0013779-03.2015.8.26.0000 e
0013129-53.2015.8.26.0000 (os vinte e quatro últimos de relatoria de Vossa
Excelência), foi suscitada a inconstitucionalidade do mesmo parágrafo único do
art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
Diante do exposto, nosso parecer
é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu
acolhimento, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º
da lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
São Paulo, 11 de março de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca