Parecer em
Incidente de Inconstitucionalidade
Processo nº 0013658-72.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça
Agravante: (...).
Agravado: Fazenda Pública
do Estado de São Paulo
Ementa: 1) Incidente de inconstitucionalidade.
Parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25, da Lei
nº 12.767/12, que incluí, entre os títulos sujeitos a protesto, as certidões de
dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas. 2) Abuso do poder de emendar. Desfiguração
da proposta inicial por ausência de pertinência temática. Violação dos artigos 2°,
61, § 1° e 63, I, da Constituição Federal de 1988. 3) Parecer pela admissão e
acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela Col. 9ª Câmara de Direito
Público, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 2230694-46.2014.8.26.0000,
da Vara da Fazenda Pública de Jundiaí, figurando como Relator o Desembargador Moreira
de Carvalho.
A Col. Câmara argui a
inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 9.492/97,
incluído pelo art. 25, da Lei nº 12.767/12, por existência de vício formal no
processo legislativo, nos seguintes termos:
“(...)
A
supramencionada lei é fruto de conversão da Medida Provisória nº 577, de 29 de
agosto de 2012, que dispunha sobre a extinção das concessões de serviço público
de energia elétrica e a prestação temporária de serviço, sobre a intervenção
para adequação de serviço público de energia elétrica.
Entretanto,
cumpre considerar que, no Congresso Nacional, foram propostas 88 emendas
parlamentares ao projeto, todavia nenhuma delas dispôs sobre a inclusão de
certidões de dívida ativa como título sujeito a protesto.
A
despeito disto, quando da conversão do projeto em lei, várias matérias
estranhas foram inseridas no projeto, dentre as quais o art. 25 alterando a
redação do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de
1997, para incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida
ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas.
Ocorre
que não é ilimitada a competência do Poder Legislativo para emendar projetos de
lei, de modo que a emenda proposta deve cumprir com o requisito de pertinência
temática com o projeto de lei, em conformidade com o que já decidiu o Supremo
Tribunal Federal:
“Poder Legislativo detém a competência de
emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa reservada
ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder
Legislativo conhece, porém, duas limitações: a) a impossibilidade de o
Parlamento veicular matéria estranha à versada no projeto de lei (requisito de
pertinência temática); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos
projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e
4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da
CF)” (ADI nº 3.288-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 13/10/10, DJe
24/02/11).
Portanto,
ao inserir no projeto de lei dispositivo tratando de questão sem qualquer
pertinência temática com a matéria objeto da Medida Provisória editada pelo
Chefe do Poder Executivo, o Poder Legislativo exorbitou sua competência e
editou uma norma legal inválida, pois contaminada pelo vício da
inconstitucionalidade formal.
(...)”
É o relato do essencial.
Verifica-se que a redação do
parágrafo único, do art. 1º, da Lei n° 9.492/97, foi inserida por força do art.
25, da Lei nº 12.767/12, que estabeleceu o seguinte:
Art. 25. A Lei no 9.492, de 10 de setembro de 1997,
passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.1º
......................................................................
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a
protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.”
(NR)
Indiscutível que a inovação
normativa não guarda pertinência temática com o objeto da Medida Provisória nº
577, de 29 de agosto de 2012, que deu origem à Lei nº 12.767/12 e tinha por
objeto dispor sobre “a extinção das concessões de serviço público de energia
elétrica e a prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para
adequação do serviço público de energia elétrica”.
A inconstitucionalidade do ato
normativo impugnado decorre do abuso do poder de emendar, importando em
violação aos arts. 2°, 61, § 1°, 63, I e 166, § 3º, I e II da Constituição
Federal, normas que regulam o processo legislativo federal.
O processo legislativo,
compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto)
realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na
Constituição Federal, a fim de que sejam garantidas a independência e harmonia
dos Poderes.
O desrespeito às normas do processo
legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República,
conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o
controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.
A iniciativa, sendo o ato que
deflagra o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).
A matéria de que trata a lei em
análise – extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a
prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para adequação do serviço
público de energia elétrica – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Chefe do Poder
Executivo. Nesse aspecto, não há qualquer objeção, pois o ato normativo
decorreu de Medida Provisória.
A questão, na verdade, deve ser
analisada sob a ótica dos limites do poder de emendar.
Sabe-se que, apresentado o
projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se
caminho para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e
votação públicas da matéria. Nessa fase, sobressai o poder de emendar,
prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta,
pois se encontra limitada às restrições impostas, em “numerus clausus”, pela Constituição Federal (art. 63, I e 166, §
3º, I e II), reproduzidas pelo art. 24, § 5º, nº 1 e
175, § 1º, 1 e 2, da Constituição Estadual.
Da interpretação das normas que regem o
processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar
projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de
evitar: (a) aumento de despesa não prevista inicialmente; ou então (b) a
desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática, seja,
ainda, pela alteração extrema do texto originário, ensejando a regulação
substancialmente distinta da proposta original.
A este propósito o Supremo
Tribunal Federal consignou que:
“O exercício do poder de emenda,
pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função
legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder
de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa
deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu
exercício, às restrições impostas, em "numerus
clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988,
prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições
que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder
de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao
assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado
(RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso
prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se
plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos
parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de
iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre
essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as
restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II),
bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa
parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição
legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de
Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).
“Incorre em vício de
inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e
"c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em
projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que
resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da
Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia
dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma
impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que
lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício
Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).”
Estabelecidas estas
considerações, tem-se que, no caso em análise, a inovação normativa decorrente
da emenda aditiva implementada, que deu origem ao art. 25, da Lei n° 12.767/12,
incluindo, entre os títulos sujeitos a protesto, as certidões de dívida ativa
da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas
autarquias e fundações públicas, importou em alteração extrema do texto
originário, ensejando a regulação de matéria diversa da que tratava a Medida
Provisória, com ela não tendo pertinência temática.
Entendimento contrário, não seria
razoável e contrariaria toda a lógica do processo legislativo, admitindo-se
oportunismos em prejuízo da transparência, regularidade e ordenação dos atos de
produção normativa.
A alteração legislativa produzida
representa inequívoco abuso do poder de emendar.
Por fim, importante assinalar que
nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 0007415-15.2015.8.26.0000,
0007169-19.2015.8.26.0000, 0008631-11.2015.8.26.0000, 0008701-28.2015.8.26.0000,
0008825-11.2015.8.26.0000, 0008741-10.2015.8.26.0000, 0011402-59.20158.26.0000,
0011903-13.2015.8.26.0000, 0012082-44.2015.8.26.0000, 0012188-06.2015.8.26.0000,
0012190-73.2015.8.26.0000, 0012209-79.2015.8.26.0000, 0012261-75.2015.8.26.0000,
0012219-26.2015.8.26.0000, 0012215-86.2015.8.26.0000 e
0012213-19.2015.8.26.0000 (os quatorze de relatoria de Vossa Excelência) foi
suscitada a inconstitucionalidade do mesmo parágrafo único, do art. 1º, da Lei
nº 9.492/97, incluído pelo art. 25, da Lei nº 12.767/12.
Diante do exposto, opina-se pelo
conhecimento e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade, com a
declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 1º, da lei nº
9.492/97, incluído pelo art. 25, da Lei nº 12.767/12.
São Paulo, 12 de março de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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