Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade
Processo n. 0013754-53.2016.8.26.0000
Suscitante: 9° Câmara
de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo
Ementa:
Constitucional. Administrativo. Processual
civil. Incidente de inconstitucionalidade. Art. 8º, LC n. 842/98, do Estado de
São Paulo. Remuneração de servidores públicos. “Gratificação” por comando de
unidade prisional. restrição aos parâmetros para incorporação. Princípio da
isonomia. 1. Viola o princípio da isonomia lei estadual que limita o
direito do servidor à incorporação de diferenças remuneratórias,
condicionando-a à percepção em período imediatamente anterior à aposentadoria
(arts. 124, § 1º e 133, CE). 2. Inconstitucionalidade
reconhecida.
Colendo Órgão Especial:
Trata-se de arguição de inconstitucionalidade
suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da Apelação
nº 4028567-68.2013.8.26.0114, relator o Desembargador Décio Notarangeli, na
sessão de julgamento realizada em 11 de novembro de 2015 (v. acórdão às fls.
145/150).
A Col. Câmara suscitou a inconstitucionalidade do art. 8º, caput e parágrafos da Lei
Complementar nº 842/98, do Estado de São Paulo, constando do julgado a
seguinte ementa:
“(...)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – SERVDIOR PÚBLICO – GRATIFICAÇÃO
POR COMANDO DE UNIDADE PRISIONAL – INCORPORAÇÃO DE DIFERENÇA REMUNERATÓRIA –
ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – DIREITO SUBJETIVO – RESTRIÇÕES IMPOSTAS
PELA LCE Nº 842/98 – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL – RESERVA DE PLENÁRIO.
1. O
servidor, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou
venha a exercer cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior à do
cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um
décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez décimos (art. 133 da
Constituição Estadual).
2.
Legislação infraconstitucional que limita o direito do servidor à incorporação
de diferenças remuneratórias. Inconstitucionalidade aparente. Somente pelo voto
da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial
poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
do Poder Público (art. 97 CF). Cláusula de reserva de plenário. Súmula
Vinculante nº 17 do STF. Suspensão do julgamento. Suscitação de Incidente de
inconstitucionalidade. Remessa dos autos do E. órgão Especial do Tribunal de
Justiça.
(...)”
É o relatório.
O incidente merece acolhimento.
A Lei Complementar Estadual
nº 842/98, “Institui Gratificação por
Comando de Unidade Prisional aos integrantes das classes que especifica e dá
providências correlatas”, e dispõe em seu art. 8º, o seguinte:
“(...)
Artigo 8º - O servidor
que ao passar à inatividade estiver percebendo a Gratificação por Comando de
Unidade Prisional terá esta vantagem computada no cálculo de seus proventos, na
base de 1/60 (um sessenta avos) do respectivo valor para cada mês em que, no
período dos 60 (sessenta) meses imediatamente anteriores à aposentadoria, tenha
percebido a referida vantagem.
§ 1º - Na hipótese
de aposentadoria por invalidez, fica assegurado ao servidor que, na data do
evento, esteja percebendo a Gratificação por Comando de Unidade Prisional o
direito de computar integralmente, no cálculo dos proventos, a mencionada
vantagem, na base de 1/x (um xis avos) do respectivo valor para cada mês em
que, em um dado período imediatamente anterior, tenha percebido a mencionada
gratificação.
§ 2º - Para efeito
do cálculo de que trata o parágrafo anterior, a quantidade "xis"
corresponderá à soma dos meses durante os quais o servidor tenha percebido a
gratificação de que trata esta lei complementar.
(...)"
A discussão envolve o âmbito de
incidência do art. 133 da Constituição Estadual.
O dispositivo constitucional, com
redação alterada pela Resolução nº 51/05 do Senado Federal, após julgamento do Recurso
Extraordinário nº 219.934, pelo Supremo Tribunal Federal, determina que:
“Artigo 133 - O servidor, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez”.
Logo, o art. 8º da Lei Complementar nº 842/98, ao determinar que a incorporação terá lugar tão somente na hipótese do exercício ser imediatamente anterior à aposentadoria, destoa da diretriz estabelecida pelo art. 133 da CE.
A operação de construção
normativa sobre incorporação de vantagens pecuniárias aos vencimentos dos
servidores públicos demanda orientação por critérios munidos de objetividade, neutralidade,
imparcialidade, igualdade e impessoalidade.
Na compreensão deste último, por sinal, está a matriz
da igualdade que repudia tratamentos discriminatórios desprovidos de relação
lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a sua finalidade.
Não são admitidos tratamentos desigualitários, imorais,
desarrazoados, e, sobretudo, distantes do interesse público primário.
De fato, se o desiderato é a remuneração condigna e
diferenciada àqueles servidores públicos que, pela natureza de suas funções,
estão no comando de unidades prisionais (justificando-se essa discriminação em
seu favor e em detrimento dos demais) não há motivo plausível, racional,
proporcional, ético, funcional e objetivo a sustentar tratamento diferenciado
entre os servidores que desempenharam a função, somente beneficiando aqueles
que perceberem a vantagem no período imediatamente antecedente à aposentadoria.
Fere a isonomia a instituição de vantagem a somente alguns
servidores públicos, que incorporarão a vantagem pecuniária em detrimento de
outros, mercê da identidade objetiva de situações jurídicas.
Destaque-se, por relevante, que nos Embargos de Declaração oferecidos contra o citado acórdão do STF, que reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “a qualquer título”, contida no art. 133 da CE (RE 219.934-ED, Rel. Min. Ellen Gracie), ficou estabelecido que a finalidade da incorporação é garantir estabilidade financeira “que decorre da situação perfeitamente regular de um funcionário efetivo exercer um cargo em comissão e dar-se estabilidade financeira em virtude dessa legítima razão” (fls. 442 daqueles autos).
Qual a razão, então, de se admitir que somente os servidores que desempenharam a função especial no período imediatamente anterior às aposentadorias façam jus à incorporação?
Portanto, soa agressiva ao princípio da isonomia
inscrito no §1º do art. 124 da Constituição Estadual a disposição do art. 8º da Lei Complementar n. 842/98,
que nega a incorporação aos servidores que tenham percebido a vantagem em
período outro que não seja imediatamente anterior à aposentadoria.
Estabelece o § 1º do art. 124 da Constituição Estadual
que a lei deve assegurar aos servidores da Administração direta isonomia de
vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder,
ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao
local de trabalho.
Considerando que a “gratificação” por comando de
unidade prisional é uma vantagem de caráter pessoal, outorgada pelo desempenho
de funções especiais (ex fato officii),
não se questiona que sua incorporação depende de lei que assim discipline.
Porém, a lei que estabelece a incorporação da vantagem
ora questionada não pode beneficiar somente parte dos servidores que a perceberam.
Daí porque se afigura
inconstitucional, por violação ao art. 124, § 1º, da Constituição Estadual, o
art. 8º da Lei Complementar nº 842/98, do Estado de São Paulo.
Face ao exposto, opino pelo
acolhimento do incidente.
São Paulo, 20 de abril de 2016.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de
Justiça
Jurídico
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