Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0014842-63.2015.8.26.0000

Suscitante: 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Ementa: Constitucional. Penal. Incidente de Inconstitucionalidade. Concessão de indulto aos condenados por crime hediondo ou a ele equiparado (parágrafo único do Art. 8º do Decreto n. 7.873/12). Procedência do incidente. 1. Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 8º do Decreto n. 7.873/12. 2. Preliminar. Questão já enfrentada pelo Órgão Especial, nos autos de Incidente de Inconstitucionalidade nº 0034713-16.2014.8.26.0000, que reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 8º do Decreto n. 7.873/2.012. Parecer pelo não-conhecimento. 3. Mérito. Da competência do Chefe do Poder Executivo para concessão de indulto (art. 84, XII, da Constituição Federal) são subtraídos os crimes referidos no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal. A condenação por tráfico ilícito de entorpecentes não pode ser alcançada pelo indulto. 4. Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

1.                Trata-se de incidente de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 8º, que, combinado com o inciso IX, do art. 1º, do Decreto Federal nº 7.873/2012, possibilita a concessão de indulto aos condenados por crime hediondo ou a ele equiparado, em virtude de ofensa ao art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, suscitado pela colenda 6ª Câmara de Direito Criminal no julgamento de agravo em execução penal (fls. 44/48).

2.               É o relato do essencial.

3.               Preliminarmente, constata-se óbice à instauração do presente incidente.

4.                Isso porque, nos termos do art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil, “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.

5.                No caso, a questão constitucional em exame já foi enfrentada pelo C. Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quando do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n. 0034713-16.2014.8.26.0000, como se observa da seguinte ementa:

 

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - Artigo 8º, parágrafo único, do Decreto Presidencial 7.873/2012 - Violação ao art. 5º, XLIII, da Constituição Federal - Condenação por tráfico ilícito de entorpecentes que não pode ser alcançada pelo indulto concedido pelo Chefe do Poder Executivo (artigo 84, XII, da Constituição Federal), inclusive no que diz respeito à pena pecuniária imposta juntamente à pena privativa de liberdade - Inconstitucionalidade declarada – Arguição de inconstitucionalidade acolhida.”

6.                O C. Órgão Especial já reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo legal em análise, razão pela qual há objeção ao conhecimento deste incidente

7.                Vale dizer, a hipótese dos autos é idêntica ao tema examinado por esse C. Órgão Especial na Arguição de Inconstitucionalidade n. 0034713-16.2014.8.26.0000, como se depreende do trecho abaixo transcrito:

 

“Dispõe o artigo 5º XLIII, da Constituição Federal que ‘a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem’. Vale lembrar que ‘A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o instituto da graça, previsto no art. 5.º, inc. XLIII, da Constituição Federal, engloba o indulto e a comutação da pena, estando a competência privativa do Presidente da República para a concessão desses benefícios limitada pela vedação estabelecida no referido dispositivo constitucional’ (HABEAS CORPUS nº 115.099 SP, 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, v. un., Relª. Minª Cármen Lúcia, em 19/2/13, DJe de 13/3/13).

Diante disso, não há dúvidas de que a condenação por tráfico ilícito por entorpecentes não pode ser alcançada pelo indulto concedido pelo Chefe do Poder Executivo (artigo 84, XII, da Constituição Federal), inclusive no que diz respeito à pena pecuniária imposta juntamente à pena privativa de liberdade.

A esse respeito, assim já se decidiu em precedentes assemelhados:

‘INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE - §1º do art. 8º do Decreto nº 7.648/2001 - Possibilidade da concessão de indulto aos condenados por crimes hediondos ou equiparados, relativamente à pena de multa imposta cumulativamente com a pena privativa de liberdade Afronta ao art. 5º, XLIII, CF - Proibição de concessão de graça ou anistia aos condenados por delito de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e crimes definidos como hediondos - Incidente acolhido, inconstitucionalidade decretada’ (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0180575-52.2013.8.26.0000, Bauru, Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, v. un., Rel. Des. Samuel Júnior, em 2/4/14).

‘Arguição de Inconstitucionalidade - Suscitação pela 4ª Câmara Criminal desta Corte relativamente ao artigo 8º, § 1º do Decreto Presidencial n° 7.420/2010 - Dispositivo que não excluiu da benesse (indulto) o condenado a pena de multa aplicada cumulativamente com a pena corporal em crime hediondo (artigo 33 da Lei n° 11.343/06) - Afronta à Constituição Federal - Arguição procedente’ (Arguição De Inconstitucionalidade n° 0229909-89.2012.8.26.0000, São Paulo, Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, v. un., Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, em 23/1/13)

(...)

Assim sendo, acolhe-se a presente arguição para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade do artigo 8º, parágrafo único, do Decreto Presidencial 7.873/2012”. (grifo nosso)

10.              Dessa forma, deve ser aplicado o parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil, acarretando o não conhecimento do incidente em apreço.  

11.              Todavia, na hipótese de afastamento da preliminar, atenta-se ao mérito.

12.              O parágrafo único do art. 8º do Decreto nº 7.873/12 permite a concessão do indulto aos condenados por crimes hediondos e a eles equiparados. Senão vejamos:

“Art. 8o O disposto neste Decreto não alcança as pessoas condenadas por:

I - crime de tortura ou terrorismo;

II - crime de tráfico ilícito de droga, nos termos do caput e § 1º do art. 33 e dos arts. 34 a 37 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006;

III - crime hediondo, praticado após a publicação das Leis no 8.072, de 25 de julho de 1990; no 8.930, de 6 de setembro de 1994; no 9.695, de 20 de agosto de 1998; no 11.464, de 28 de março de 2007; e no 12.015, de 7 de agosto de 2009, observadas, ainda, as alterações posteriores; ou

IV - crimes definidos no Código Penal Militar que correspondam aos delitos previstos nos incisos I e II, exceto quando configurada situação do uso de drogas disposto no art. 290 do Código Penal Militar.

Parágrafo único. As restrições deste artigo e dos incisos I e II do caput do art. 1o não se aplicam às hipóteses previstas nos incisos IX, X, XI e XII do caput do art. 1o.”

13.              O art. 1º, IX, do mesmo Decreto, prevê o seguinte:

“Art. 1º É concedido o indulto coletivo às pessoas, nacionais e estrangeiras:

(...)

IX - condenadas a pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou juízo em que se encontre, aplicada cumulativamente com pena privativa de liberdade cumprida até 25 de dezembro de 2012;”

14.              Tal previsão é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, pois, da competência do Chefe do Poder Executivo para concessão de indulto (art. 84, XII, Constituição Federal), são subtraídos os crimes referidos no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, verbis:

“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

15.              Ou seja, a condenação por tráfico ilícito de entorpecentes não pode ser alcançada pelo indulto.

16.              Neste sentido, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. INDULTO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DECRETO PRESIDENCIAL 3.226/99. I. - Impossibilidade de comutação da pena, dado que o paciente foi condenado pela prática de crime hediondo, sendo irrelevante que a vedação tenha sido omitida no Decreto presidencial 3226/99. Precedentes. II. - H.C. indeferido” (RTJ 195/234).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO FEDERAL. INDULTO. LIMITES. CONDENADOS PELOS CRIMES PREVISTOS NO INCISO XLIII DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME. REFERENDO DE MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. 1. A concessão de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade insere-se no exercício do poder discricionário do Presidente da República, limitado à vedação prevista no inciso XLIII do artigo 5º da Carta da República. A outorga do benefício, precedido das cautelas devidas, não pode ser obstado por hipotética alegação de ameaça à segurança social, que tem como parâmetro simplesmente o montante da pena aplicada. 2. Revela-se inconstitucional a possibilidade de que o indulto seja concedido aos condenados por crimes hediondos, de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independentemente do lapso temporal da condenação. Interpretação conforme a Constituição dada ao § 2º do artigo 7º do Decreto 4495/02 para fixar os limites de sua aplicação, assegurando-se legitimidade à indulgencia principis. Referendada a cautelar deferida pelo Ministro Vice-Presidente no período de férias forenses” (STF, ADI-MC 2.795-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 08-05-2003, v.u., DJ 20-06-2003, p. 56).

“HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA (L. 6.368/76, ART. 18, III). INDULTO. IMPOSSIBILIDADE. A Constituição Federal determinou que a Lei Ordinária considerasse o crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins como insuscetível de graça ou anistia (art. 5º, XLIII). A L. 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos, atendeu ao comando constitucional. Considerou o tráfico ilícito de entorpecentes como insuscetível dos benefícios da anistia, graça e indulto (art. 2º, I). E, ainda, não possibilitou a concessão de fiança ou liberdade provisória (art. 2º, II). A jurisprudência do Tribunal reconhece a constitucionalidade desse artigo. Por seu turno, o Decreto Presidencial, que concede o indulto, veda a concessão do benefício aos condenados por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (D. 3.226/86, art. 7º, I). Falta respaldo legal à pretensão do paciente. HABEAS indeferido” (STF, HC 80.886-RJ, 2ª Turma, 22-05-2001, v.u., DJ 14-06-2002, p. 157).

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. DECRETO Nº 7.420/2010. INDULTO. IMPOSSIBILIDADE. CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. O tráfico de drogas, encontrando-se no rol dos crimes hediondos, é insuscetível de indulto, conforme o disposto no artigo 5º, XLIII, da Constituição da República. A matéria foi apreciada na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.795/DF, na qual o Plenário proclamou a inconstitucionalidade da concessão de tal benefício nas mencionadas circunstâncias. Precedentes: RE 735.849, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 19/3/2013, RE 722.880, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 28/11/2012.

2. In casu, o acórdão recorrido assentou: ‘AGRAVO EM EXECUÇÃO – Indulto de multa concedido – Decreto 7.420/10 – Recurso da Justiça Pública afirmando ser impossível o deferimento da benesse ao condenado pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes – Decisão reformada face ao disposto pelo artigo 5º, inciso XLIII da Constituição Federal – Recurso Provido.’

3. Agravo DESPROVIDO” (STF, RE 753.700-SP, Rel.  Min. Luiz Fux, 23-05-2014, DJe 29-05-2014).

 

17.              Diante do exposto, opino no sentido do não conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e, caso superada a preliminar, pela declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 8º do Decreto nº 7.873/12.

 

                      São Paulo, 25 de março de 2015.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

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