Parecer

 

Processo n. 0016330-53.2015.8.26.0000

Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Servidor público. Adicional Saúde. Extinção (art. 10, Lei Complementar n. 23/2001, do Município de Franco da Rocha). Irredutibilidade da remuneração. Vantagem dependente do exercício. Falta de previsão de incorporação. Improcedência. 1. À míngua de previsão legal expressa não se presume a incorporação de vantagem pecuniária modal que depende do efetivo exercício. 2. Inexistência de dados para se concluir pela sua absorção ou não nos novos padrões remuneratórios. 3. Improcedência da declaração de inconstitucionalidade.

 

 

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                A colenda 8ª Câmara de Direito Público suscitou incidente de inconstitucionalidade do art. 10 da Lei Complementar n. 23/01, do Município de Franco da Rocha, que revogou a Lei Complementar n. 35/93 que instituiu o “adicional saúde”, sob alegação de ofensa ao art. 37, XV, da Constituição Federal, no julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença que julgou improcedente ação declaratória de inconstitucionalidade cumulada com cobrança de diferenças remuneratórias (fls. 157/160).

2.                É o relatório.

3.                O “adicional saúde” criado na Lei Complementar n. 35/93 era devido aos servidores públicos municipais de determinados cargos, inclusive os da área da saúde, lotados no órgão público respectivo e que nele desenvolvessem suas funções, constituindo-se em percentual sobre a remuneração básica.

4.                A Lei Complementar n. 23/01 revogou esse diploma legal (art. 10), mas, também estabeleceu novos padrões vencimentais em seu Anexo VIII, conforme reza seu art. 8º.

5.                A sentença que julgou a lide considerou que se tratava de gratificação propter laborem, cuja extinção é válida porque a lei que a instituiu não previa incorporação.

6.                Realmente, a construção normativa da vantagem pecuniária em foco denota que ela objetivava a efetiva execução do serviço. Trata-se, sem dúvida, de gratificação de serviço, cuja incorporação depende de expressa previsão legal, desde que portadora de razoabilidade, para imunizá-la de futura supressão, como admoesta a doutrina:

“A percepção da vantagem pecuniária reclama a observância dos requisitos legais para sua concessão. As vantagens ex facto temporis se adquirem com a completude do período aquisitivo, enquanto outras se sujeitam a condições (duração, modo e forma de prestação do serviço) – vantagens modais ou condicionais (adicionais de tempo integral, de dedicação plena e de nível universitário; gratificações por risco de vida e saúde). Assim, as primeiras se incorporam aos vencimentos ao passo que as últimas dependem de lei, justificando-se essa distinção em razão daquelas serem pro labore facto e as outras pro labore faciendo como os adicionais de função (ex facto officii), as gratificações de serviço (propter laborem) ou em razão das condições pessoais do servidor (propter personam), encerrando sua fruição quando cessada sua causa.

 Hely Lopes Meirelles menciona a incorporação automática de determinadas vantagens (vantagens pessoais subjetivas, como as decorrentes do tempo de serviço) e sua conversão em proventos na inatividade bem como aquelas que independem do exercício da função porque basta a existência da relação funcional e a subsistência de seu fato gerador (vantagens pessoais objetivas, como o salário-família), e a extinção de outras com a cessação da atividade (vantagens de função ou de serviço). Maria Sylvia Zanella Di Pietro critica, com razão, a idéia de automática incorporação dos adicionais porque ‘nem sempre é o que decorre da lei; esta é que define as hipóteses de incorporação’. A classificação legal da vantagem, via de regra, não obedece ao rigor científico, de modo que, não raro, uma gratificação tem o nomen iuris de adicional e vice-versa. Ademais, como observa a mesma glosa, frequentemente a lei determina a incorporação de gratificações após certo período, e, por isso, no silêncio da lei entende-se que a gratificação de serviço (propter laborem) é devida enquanto perdurarem as condições anormais ou especiais da prestação do serviço, extinguindo-se quando cessada a função e sua causa sem ofensa à irredutibilidade, assim como vantagens legalmente consideradas transitórias.

(...)

É ainda de Hely Lopes Meirelles a advertência denotando a existência de ‘vantagens irretiráveis’ (que assumem especial relevância para o debate sobre a irredutibilidade e o teto) adquiridas pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto) ou pelo transcurso do tempo (ex facto temporis) em cujo núcleo se excluem as dependentes de trabalho a ser feito (pro labore faciendo), de um serviço a ser prestado em determinadas condições (ex facto officci) ou de sua anormalidade (propter laborem) ou em razão das condições individuais do servidor (propter personam)” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 86-87, n. 10).

7.                Deve-se atenção à mutabilidade do regime jurídico administrativo e, sobretudo, a inopobilidade de direito adquirido do servidor a regime jurídico, salvo quando se tratar de vantagens que, por sua natureza, se incorporam à remuneração do agente público e que, em razão da irredutibilidade, podem ser extintas desde que preservado o recebimento a seu valor, pela proibição da redução do valor da totalidade da remuneração. Em outras palavras, o servidor público tem direito adquirido ao quantum remuneratório, mas, não ao regime jurídico da composição dos vencimentos, possibilitando lei posterior extinguindo a vantagem com incorporação ou absorção desse respectivo valor aos vencimentos.

7.                De qualquer modo, a condição necessária para incidência da irredutibilidade de vencimentos depende da aferição da natureza da vantagem pecuniária, sendo irrelevante seu nomen iuris. Neste sentido:

“Direito adquirido. Gratificação extraordinária. Incorporação. Servidora estatutária. 1. Cessada a atividade que deu origem à gratificação extraordinária, cessa igualmente a gratificação, não havendo falar em direito adquirido, tampouco, em princípio da irredutibilidade dos vencimentos. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento” (RTJ 209/858).

8.                A Lei Complementar n. 35/93 a concedeu a todos os servidores públicos que atuassem no serviço municipal de saúde. Tem natureza contingente, dependendo do efetivo exercício, de tal sorte que o servidor público que cessasse ou interrompesse a prestação do serviço nessa condição, não faria jus à percepção da vantagem pecuniária que é, segundo o contorno legal, pro labore faciendo e propter laborem.

9.                Com efeito, enuncia a jurisprudência que:

“As verbas de natureza pro labore faciendo somente se justificam quando o servidor se encontrar no efetivo exercício da atividade remunerada pela gratificação” (STJ, AgRg-REsp 1.140.674-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, 13-05-2014, v.u., DJe 26-05-2014).

10.              É bem verdade que “o STF firmou entendimento no sentido de que se deve estender aos inativos gratificação de natureza geral paga de maneira indistinta a todos os servidores em atividade” (STF, AgR-AR 1.688-SE, Tribunal Pleno, Rel.  Min. Ricardo Lewandowski,
14-05-2014, v.u., DJe 05-06-2014). Ou seja, a Suprema Corte resume que:

“(...) aos servidores inativos é indevida a manutenção do mesmo percentual das gratificações concedidas aos servidores em atividade, após a implementação dos critérios de avaliação de desempenho” (STF, AgR-ARE 764.810-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, 02-12-2014, v.u., DJe 17-12-2014).

11.              Com a adoção de requisitos para mensuração do desempenho, “a gratificação perde sua natureza geral e adquire o caráter pro labore faciendo” (STF, AgR-RE 786.848-PR, 2ª Turma, Rel.  Min. Teori Zavascki, 30-09-2014, v.u., DJe 14-10-2014) porque somente “os benefícios ou vantagens de caráter geral, concedidos aos servidores da ativa, são extensíveis aos inativos e pensionistas, nos termos do artigo 40, § 8º, da CF” (STF, AgR-ARE 754.580-BA, 1ª Turma, Rel.  Min. Luiz Fux, 26-08-2014, v.u., DJe 11-09-2014).

12.              Se há indícios nos autos de que a vantagem em exame é modal, é certo que não prevista a incorporação em texto legal e não há elementos que permitam aferir se houve ou não preservação de seu quantum na extinção, porque a juntada de cópia da lei não foi integral, já que faltam os anexos, o que era indispensável porque, como dito acima, o art. 8º da Lei Complementar n. 23/01 dispôs sobre a remuneração básica dos servidores municipais.

13.              Face ao exposto, opino pela improcedência da declaração de inconstitucionalidade.

         São Paulo, 18 de março de 2015.

 

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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