Parecer
Processo n. 016503-77.2015.8.26.0000
Suscitante: 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Emenda n. 36 à Lei Orgânica do Município de São Paulo. Guarda Municipal. Competências. Aposentadoria diferenciada de seus integrantes. Procedência. 1. Reserva de lei complementar e de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para requisitos e critérios diferenciados da aposentadoria de servidores públicos (arts. 5º, 24, § 2º, 4 e 126, § 4º, CE/89).
Egrégio Tribunal:
1.
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade
suscitado pela Colenda 1ª Câmara de Direito Público no julgamento de apelação
interposta contra respeitável sentença que julgou mandado de segurança
impetrado por servidor público municipal, ocupante do cargo de Guarda Civil
Metropolitano, que objetiva a concessão de aposentadoria especial, com paridade
e integralidade do último salário que recebeu, tendo como fundamento o inciso
II do § 1° do art. 88, na redação dada pela Emenda n. 36/2013, da Lei Orgânica
do Município de São Paulo (fls. 89/98). O venerando acórdão tem a seguinte
fundamentação (fl. 124):
“(...)
Assim, porque a matéria objeto da
alteração trazida pela Emenda nº 36 trata de assunto relacionado a servidores
públicos (guardas civis metropolitanos) e a sua aposentadoria, sua iniciativa,
nos termos do artigo supracitado, cabia ao Prefeito.
(...)
Há indícios de inconstitucionalidade
formal da Emenda à Lei Orgânica nº 36/2013, o que determina a aplicação, na
hipótese dos autos, das disposições dos artigos 97 da Constituição Federal, 480
do Código de Processo Civil e 193 do regimento Interno do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo.
(...)”
2. É o relatório.
3. A
Emenda n. 36, de 17 de dezembro de 2013, à Lei Orgânica do Município de São
Paulo, deu nova redação a seu art. 88, nos seguintes termos:
“Art. 1º O art. 88 da Lei Orgânica do Município de São Paulo
passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 88. O Município manterá sua Guarda Municipal, a qual
se denomina Guarda Civil Metropolitana, destinada à proteção da população da
cidade, dos bens, serviços e instalações municipais, e para a fiscalização de
posturas municipais e do meio ambiente.
§ 1º Os seus integrantes serão aposentados, de forma
voluntária, nos termos do art. 40, § 4º, II e III, da Constituição da
República, sem limite de idade, com paridade e integralidade do último salário
que receber, desde que comprovem:
I - 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, contando com
pelo menos 15 (quinze) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda
Civil Metropolitano, para mulher;”
II - 30 (trinta) anos de contribuição, contando com pelo
menos 20 (vinte) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda Civil
Metropolitano, para homem.
§ 2º A Guarda Civil Metropolitana poderá exercer dentro de
suas funções a segurança e proteção nas escolas públicas municipais, no âmbito
da cidade de São Paulo.
Art. 2º Esta emenda à Lei Orgânica entra em vigor na data de
sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”
4. Em sua redação originária, dispunha o artigo 88 da LOM:
“Art. 88 - O Município poderá,
mediante lei, manter Guarda Municipal, subordinada ao Prefeito e destinada à
proteção dos bens, serviços e instalações municipais.”
5. Inicialmente,
a Constituição Estadual (art. 126, § 4º) permite à lei complementar instituir
adoção de requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria de
servidores públicos que exerçam atividade de risco ou sob condições especiais
que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
6. Ainda,
não bastasse a emenda constitucional violar a reserva de lei complementar
disposta no art. 126, § 4º, da Constituição Estadual, ela é incompatível com os
arts. 5º e 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual.
7. Neste
sentido, a disciplina do regime jurídico e da aposentadoria dos servidores
públicos é, segundo o art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual - que decorre
do princípio da separação de poderes (art. 5º, Constituição Estadual) - da
iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo.
8. Essa
regra é aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual
e do art. 29 da Constituição Federal, e reproduz os arts. 2º e 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal.
9. As regras do processo legislativo federal
também são de observância compulsória pelos Estados e Municípios como vem
julgando reiteradamente o Supremo Tribunal Federal:
“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).
“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).
“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).
“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal
são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF,
ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ
25-04-2003, p. 33).
10. Por
essa razão, não é lícito à Lei Orgânica tratar de assunto que é da iniciativa
reservada do Chefe do Poder Executivo. Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 77, XVII DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FACULDADE DO SERVIDOR DE TRANSFORMAR EM PECÚNIA INDENIZATÓRIA A LICENÇA ESPECIAL E FÉRIAS NÃO GOZADAS. AFRONTA AOS ARTS. 61, § 1º, II, ‘A’ E 169 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A Constituição Federal, ao conferir aos Estados a capacidade de auto-organização e de autogoverno, impõe a obrigatória observância aos seus princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador constituinte estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. 2. O princípio da iniciativa reservada implica limitação ao poder do Estado-Membro de criar como ao de revisar sua Constituição e, quando no trato da reformulação constitucional local, o legislador não pode se investir da competência para matéria que a Carta da República tenha reservado à exclusiva iniciativa do Governador. 3. Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade do servidor de transformar em pecúnia indenizatória a licença especial e férias não gozadas. Concessão de vantagens. Matéria estranha à Carta Estadual. Conversão que implica aumento de despesa. Inconstitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 227-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 19-11-1997, v.u., DJ 18-05-2001, p. 429).
“CONSTITUCIONAL. LEI ORGÂNICA DO DF QUE VEDA LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZADA OFENSA AOS ARTS. 37, I E 61 § 1º II, ‘C’ DA CF, INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO EM RAZÃO DA MATÉRIA - REGIME JURÍDICO E PROVIMENTO DE CARGOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. EXERCÍCIO DO PODER DERIVADO DO MUNICÍPIO, ESTADO OU DF. CARACTERIZADO O CONFLITO ENTRE A LEI E A CF, OCORRÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. PRECEDENTES. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE” (STF, ADI 1.165-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, 03-10-2001, v.u., DJ 14-06-2002, p. 126).
11. Face
o exposto, opino pelo acolhimento do incidente de inconstitucionalidade para
declarar a inconstitucionalidade da Emenda n. 36/2013 à Lei Orgânica do
Município de São Paulo, por contrastar com os arts. 5º, 24, § 2º, 4 e
126, § 4º, da Constituição do Estado.
São
Paulo, 26 de junho de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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