Parecer em Incidente de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0016821-60.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça
Agravante: (...).
Agravado: Fazenda Pública do Estado de São Paulo
Objeto: inconstitucionalidade da Lei nº
12.767/12, que incluiu o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97.
Ementa:
1) Incidente de inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12, que abarca entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
2) Mérito. Abuso ao poder de emenda. Desfiguração da proposta inicial por ausência de pertinência temática. Violação dos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II, da Constituição Federal.
3) Parecer pelo conhecimento do incidente e seu acolhimento.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão
Especial:
Trata-se de arguição de
inconstitucionalidade suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito Público do E.
Tribunal de Justiça, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 2219960-36.2014.8.26.0000
(fls. 98/103), interposto contra decisão interlocutória proferida pela 2ª Vara Cível
do Foro de Guararapes, figurando como Relator o Desembargador Décio Notarangeli.
A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12, por existência de vício formal no processo legislativo, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:
“(...)
No caso vertente, em sede de cognição sumária própria dessa fase do procedimento, é de boa aparência o direito invocado, pois as evidências são de que o art. 25 da Lei nº 12.767/12, que deu nova redação ao art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.492/97, para incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa das Fazendas Públicas, se ressente de inconstitucionalidade formal por ofensa ao processo legislativo em razão da falta de relação de pertinência temática com o objeto da proposição legislativa (artigos 59 e 62 CF).
Com efeito, a Lei nº 12.767/12 é fruto de conversão da Medida Provisória nº 577, de 29 de agosto de 2012, que dispunha sobre a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária de serviço, sobre a intervenção para adequação de serviço público de energia elétrica.
No Congresso Nacional foram oferecidas 88 emendas parlamentares ao projeto, nenhuma delas dispondo sobre a inclusão de certidões de dívida ativa como título sujeito a protesto. Nada obstante, quando de sua conversão em lei vários “jabutis” foram inseridos no projeto. Dentre outras matérias estranhas e sem afinidade lógica com a proposição inicial (isenção de Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados para taxistas, adequação de valores de imóveis do programa “Minha Casa, Minha Vida”, etc), incluiu-se no projeto o art. 25 alterando a redação do artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, para incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
(...)
Não é ilimitada a competência do Poder Legislativo para emendar projetos de lei. Concessão de serviço público de energia elétrica este o objeto da Medida Provisória enviada ao Congresso e protesto de títulos são matérias que não guardam entre si qualquer afinidade lógica. Acresce que a questão não foi objeto de emenda parlamentar, mas incluída no parecer do relator da matéria sem a observância do processo legislativo previsto na Constituição Federal.
Conforme já decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal em mais de uma oportunidade, o “Poder Legislativo detém a competência de emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular matéria estranha à versada no projeto de lei (requisito de pertinência temática); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF)” (ADI nº 3.288-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 13/10/10, DJe 24/02/11).
No mesmo sentido: ADI nº 1.050-MC-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 21/09/94, DJU 23/04/04; ADI nº 2.681-MC-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 11/09/02, DJe 25/10/13.
Portanto, ao inserir no projeto de lei dispositivo tratando de questão sem qualquer pertinência temática com a matéria objeto da Medida Provisória editada pelo Chefe do Poder Executivo, o Poder Legislativo exorbitou sua competência e editou uma norma legal inválida, pois contaminada pelo vício da inconstitucionalidade formal.
(...)”
É o relato do essencial.
Verifica-se que a redação do
parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, foi inserida por força do art.
25 da Lei nº 12.767/12, que estabeleceu o seguinte:
“Art.
25. A Lei nº 9.492, de 10 de setembro de
1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.1º
(...)
Parágrafo
único. Incluem-se entre os títulos
sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações
públicas.” (NR)”
Não se discute que a inovação
normativa não guarda pertinência temática com o objeto da Medida Provisória nº 577,
de 29 de agosto de 2012, que deu origem à Lei nº 12.767/12 e tinha por objeto
dispor sobre a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica,
a prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para adequação do
serviço público de energia elétrica.
A inconstitucionalidade do ato
normativo impugnado decorre do abuso do poder de emendar, importando em
violação aos arts. 63, I, e 166, § 3º, I e II, da Constituição Federal, normas
que regulam o processo legislativo que, nos termos do art. 144 da Constituição
Estadual, devem ser observadas pelos Estados e Municípios.
O processo legislativo,
compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto)
realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na
Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência
e harmonia dos Poderes.
O desrespeito às normas do processo
legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República,
conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o
controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.
A iniciativa, o ato que deflagra
o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).
A matéria de que trata a lei em
análise – extinção das concessões de serviço público de energia elétrica, prestação
temporária do serviço e a intervenção para adequação do serviço público de
energia elétrica – é de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Nesse aspecto,
não há qualquer objeção, pois o ato normativo decorreu de Medida Provisória.
A questão, na verdade, deve ser
analisada sob a ótica dos limites do poder de emendar.
Sabe-se que, apresentado o
projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se
caminho para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e
votação públicas da matéria. Nessa fase, sobressai o poder de emendar,
prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta,
pois se encontra limitada às restrições impostas, em “numerus clausus”, pela Constituição Federal (art. 63, I e 166, §
3º, I e II), reproduzidas pelo art. 24, § 5º, nº 1 e
175, § 1º, 1 e 2, da Constituição Estadual.
Da interpretação das normas que regem o
processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar
projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de
evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a
desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda
pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo à regulação
praticamente e substancialmente distinta da proposta original.
A este propósito o E. Supremo Tribunal Federal consignou que:
“O exercício
do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa
inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não
constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis -
qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no
entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus
clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988,
prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições
que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder
de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao
assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado
(RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso
prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se
plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos
parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de
iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre
essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as
restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II),
bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa
parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição
legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de
Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).
Mas o considera restrito, como se conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante transcrito:
“Incorre em
vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a"
e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em
projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que
resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da
Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia
dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma
impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que
lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel.
Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).”
Estabelecidas estas
considerações, tem-se, no caso em análise, que a inovação normativa decorrente
da emenda aditiva implementada que deu origem ao art. 25 da Lei n° 12.767/12,
incluindo entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas
autarquias e fundações públicas, importou em alteração
extrema do texto originário, rendendo ensejo à regulação de matéria diversa da
que tratava a Medida Provisória, com ela não tendo pertinência temática.
Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios, em face do artigo 144 da Constituição do Estado, tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo estruturador do processo
legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição
da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do
processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de
compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros.
Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar,
relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
A alteração legislativa produzida representa inequívoco abuso do poder de emendar.
Por fim, importante assinalar que nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 0007415-15.2015.8.26.0000, 0007169-19.2015.8.26.0000, 0008631-11.2015.8.26.0000, 0008701-28.2015.8.26.0000, 0008825-11.2015.8.26.0000, 0008741-10.2015.8.26.0000, 0011402-59.20158.26.0000, 0011903-13.2015.8.26.0000, 0012082-44.2015.8.26.0000, 0012188-06.2015.8.26.0000, 0012190-73.2015.8.26.0000, 0012209-79.2015.8.26.0000, 0012261-75.2015.8.26.0000, 0012219-26.2015.8.26.0000, 0012215-86.2015.8.26.0000, 0012213-19.2015.8.26.0000, 0012642-83.2015.8.26.0000, 0012650-60.2015.8.26.0000, 0013771-26.2015.8.26.0000, 0014309-07.2015.8.26.0000, 0014299-60.2015.8.26.0000, 0014268-40.2015.8.26.0000 e 0013778-18.2015.8.26.0000 foi suscitada a inconstitucionalidade do mesmo parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do presente incidente de inconstitucionalidade e seu acolhimento, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
São Paulo, 24 de março de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca/mam