Parecer

 

Processo n. 0018375-30.2015.8.26.0000

Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público

 

 

 

Ementa: Constitucional. Tributário. Incidente de Inconstitucionalidade. Decreto n. 54.240/09 (art. 2º). Requisição de dados financeiros pela autoridade fazendária. Sigilo bancário e financeiro. Privacidade. Inexigibilidade de autorização judicial. 1. A exigência de intervenção judicial se aplica tão somente para a proteção do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII, CF88), e não para a tutela da privacidade e da intimidade (art. 5º, X, CF/88) cujo tratamento está sujeito à discricionariedade do princípio conformador do legislador. 2. Inexistência de reserva de jurisdição. 3. Desacolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

 

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                A colenda 9ª Câmara de Direito Público suscitou incidente de inconstitucionalidade do art. 2º do Decreto n. 54.240, de 14 de abril de 2009, do Estado de São Paulo, sob a alegação de ofensa ao art. 5º, X e XII, da Constituição Federal, no julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença denegatória de mandado de segurança coletivo (fls. 221/227).

2.                É o relatório.

3.                O Decreto n. 54.240, de 14 de abril de 2009, do Estado de São Paulo, regulamenta a aplicação do art. 6º da Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, de dados e informações referentes a operações de usuários de serviços das instituições financeiras e das entidades a ela equiparadas. Eis sua redação:

“Artigo 1º - Este Decreto regulamenta a requisição, o acesso e o uso, pela Secretaria da Fazenda, de dados e informações referentes a operações de usuários de serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas, nos termos da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, bem como estabelece os procedimentos para preservar o sigilo das informações obtidas.

Artigo 2º - A requisição de informações de que trata o artigo 1º somente poderá ser emitida pela Secretaria da Fazenda quando existir processo administrativo tributário devidamente instaurado ou procedimento de fiscalização em curso.

§ 1º - Considera-se iniciado o procedimento de fiscalização a partir da emissão de Ordem de Fiscalização, de notificação ou de ato administrativo que autorize a execução de qualquer procedimento fiscal, conforme previsto no artigo 9º da Lei Complementar Estadual 939, de 3 de abril de 2003.

§ 2º - A Secretaria da Fazenda poderá requisitar informações relativas ao sujeito passivo da obrigação tributária objeto do processo administrativo tributário ou do procedimento de fiscalização em curso, bem como de seus sócios, administradores e de terceiros ainda que indiretamente vinculados aos fatos ou ao contribuinte, desde que, em qualquer caso, as informações sejam indispensáveis.

Artigo 3º - Para efeito desta lei, será considerada como indispensável a requisição de informações de que trata o artigo 1º nas seguintes situações:

I - fundada suspeita de ocultação ou simulação de fato gerador de tributos estaduais;

II - fundada suspeita de inadimplência fraudulenta, relativa a tributos estaduais, em razão de indícios da existência de recursos não regularmente contabilizados ou de transferência de recursos para empresas coligadas, controladas ou sócios;

III - falta, recusa ou incorreta identificação de sócio, administrador ou beneficiário que figure no quadro societário, contrato social ou estatuto da pessoa jurídica;

IV - subavaliação de valores de operação, inclusive de comércio exterior, de aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes valores de mercado;

V - obtenção ou concessão de empréstimos, quando o sujeito passivo deixar de comprovar a ocorrência da operação;

VI - indício de omissão de receita, rendimento ou recebimento de valores;

VII - realização de gastos, investimentos, despesas ou transferências de valores, em montante incompatível com a disponibilidade financeira comprovada;

VIII - fundada suspeita de fraude à execução fiscal.

Artigo 4º - Compete ao Agente Fiscal de Rendas propor a requisição de informações de que trata o artigo 1º por meio de Ofício com relatório circunstanciado que:

I - comprove a instauração de processo administrativo tributário ou a existência de procedimento de fiscalização em curso;

II - demonstre a ocorrência de alguma das situações prevista no artigo 3º;

III - especifique de forma clara e sucinta as informações a serem requisitadas bem como a identidade de seus titulares;

IV - motive o pedido, justificando a necessidade das informações solicitadas.

Artigo 5º - São competentes para deferir a proposta de requisição de informações de que trata o artigo 4º, o Delegado Regional Tributário e o Diretor-Executivo da Administração Tributária.

Artigo 6º - Desde que não haja prejuízo ao processo administrativo tributário instaurado ou ao procedimento de fiscalização em curso, deferida a expedição da requisição pela autoridade competente, a pessoa relacionada com os dados e informações a serem requisitados será, antes do encaminhamento da requisição às pessoas referidas no artigo 7º, formalmente notificada a apresentá-los espontaneamente no prazo de até 15 (quinze) dias, prorrogável a critério da autoridade competente.

§ 1º - A notificação de que trata o caput somente será considerada atendida mediante a apresentação tempestiva de todas as informações requisitadas.

§ 2º - O destinatário da notificação responde pela veracidade e integridade das informações prestadas, observada a legislação penal aplicável.

§ 3º - As informações prestadas pelo destinatário da notificação poderão ser objeto de confirmação na instituição financeira ou entidade a ela equiparada, inclusive por intermédio do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários.

Artigo 7º - A requisição de informações de que trata o artigo 1º será dirigida, conforme o caso, às pessoas adiante indicadas ou a seus prepostos:

I - o presidente do Banco Central do Brasil;

II - o presidente da Comissão de Valores Mobiliários;

III - presidente de instituição financeira ou de entidade a ela equiparada;

IV - gerente de agência de instituição financeira ou de entidade a ela equiparada.

§ 1º - Deverão constar na requisição, no mínimo, as seguintes informações:

1 - nome ou razão social da pessoa titular da conta, endereço e número de inscrição no CPF ou no CNPJ;

2 - as informações requisitadas e o período a que se refere a requisição;

3 - identificação e assinatura da autoridade que a deferiu;

4 - identificação do Agente Fiscal de Renda responsável pela proposição da requisição;

5 - forma, prazo de apresentação e endereço para entrega.

§ 2º - Quando requisitados em meio digital, os dados apresentados seguirão o formato descrito na requisição, de forma a possibilitar a imediata análise e tratamento das informações recebidas.

§ 3º - Os dados e informações requisitados compreenderão os dados cadastrais da pessoa titular da conta e os valores, individualizados, dos débitos e créditos efetuados no período objeto de verificação, relativos a operações financeiras de qualquer natureza, podendo solicitar-se suas cópias impressas.

§ 4º - A prestação de informações individualizadas dos documentos relativos aos débitos e aos créditos referidos no § 3º poderá ser complementada por pedido de esclarecimento a respeito das operações efetuadas, inclusive quanto à nomenclatura, codificação ou classificação utilizadas pelas pessoas requisitadas.

§ 5º - Aquele que omitir, retardar de forma injustificada ou prestar falsamente as informações a que se refere este artigo sujeitar-se-á às sanções de que trata o artigo 10 da Lei Complementar federal no 105, de 10 de janeiro de 2001, sem prejuízo das demais penalidades cabíveis.

Artigo 8º - A requisição de informações e as informações prestadas formarão processo autônomo e apartado, que seguirá apensado ao processo administrativo instaurado ou ao procedimento de fiscalização em curso, sendo mantidos sob sigilo, nos termos do artigo 198 do Código Tributário Nacional e do inciso XVIII do artigo 4º da Lei Complementar Estadual 939, de 03 de abril de 2003, conforme disciplina expedida pela Secretaria da Fazenda.

§ 1º - Inscrito o crédito tributário em dívida ativa, o processo administrativo de que trata o caput será arquivado juntamente com o processo administrativo que constituiu o crédito tributário.

§ 2º - Cancelado o crédito tributário ou liquidado pelo sujeito passivo antes de sua inscrição em dívida ativa, os documentos com as informações prestadas serão destruídos ou inutilizados.

§ 3º - A responsabilidade administrativa por descumprimento de dever funcional, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis, será exigida de todo aquele que, no exercício de função pública:

1 - utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer dado obtido nos termos deste decreto, em finalidade ou hipótese diversa da prevista pela legislação;

2 - divulgar, revelar ou facilitar a divulgação ou revelação, indevidamente e por qualquer meio, das informações de que trata este decreto.

§ 4º - A Secretaria da Fazenda deverá manter, a par do protocolo, controle adicional de acesso ao processo administrativo autônomo, registrando-se o responsável por sua posse, quando houver movimentação, conforme disciplina expedida pela Secretaria da Fazenda.

Artigo 9º - A Secretaria da Fazenda editará as instruções complementares necessárias à execução do disposto neste decreto.

Artigo 10 - Este decreto entra em vigor na data de sua publicação”.

4.                O acórdão suscita a inconstitucionalidade do art. 2º do Decreto Estadual n. 54.240/09 gizando que:

“não resta dúvida de que a previsão de requisição, pelas atividades fazendárias, de dados bancários independentemente de ordem judicial fere de morte as garantias constitucionais invocadas pela apelante” (fl. 224).

5.                A Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001, dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando seu art. 6º o seguinte:

As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”.

6.                Embora o Supremo Tribunal Federal tenha julgado que “conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte” (RTJ 220/540), a exigência de intervenção judicial se aplica tão somente para a proteção do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII, Constituição Federal), e não para a tutela da privacidade e da intimidade cujo tratamento está sujeito à discricionariedade do princípio conformador do legislador.

7.                Em síntese, não há reserva de jurisdição para esse objeto.

8.                Ademais, o decreto estadual apenas regulamentou a lei. Se eventual inconstitucionalidade existe, ela é da lei que autoriza a quebra do sigilo bancário, dispensando autorização judicial.

9.                O colendo órgão fracionário não suscitou o incidente de inconstitucionalidade por conta da expressão contida no § 2º do art. 2º do decreto estadual – “bem como de seus sócios, administradores e de terceiros ainda que indiretamente vinculados aos fatos ou ao contribuinte” – a partir de seu cotejo com o art. 6º da Lei Complementar n. 105/01, o que não autorizaria, de qualquer modo, a arguição de inconstitucionalidade porque, em tese, haveria crise de legalidade entre o decreto e a lei.

10.              Face ao exposto, opino pelo desacolhimento do incidente.

         São Paulo, 30 de março de 2015.

 

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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