Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade
Processo n. 0019071-66.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Ementa:
1. Constitucional e Previdenciário. Contribuição previdenciária. Pensão por morte. Perda da condição de dependente pela irmã. Direito de acrescer. Reversão da quota-parte ao irmão. Admissibilidade.
2. Benefício que deve corresponder à totalidade dos proventos do servidor falecido. Princípios da unicidade (art. 77, § 1º, da Lei nº 8.213/91) e isonomia (CF, art. 5º, caput). Inteligência do art. 40, § 7º, I e II, da CF.
3. Parecer pelo acolhimento da arguição para que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 148, § 5º da Lei Complementar Estadual nº 180/78 com a redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 1.012/07.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão
Especial:
No julgamento de Apelação nº 0015724-29.2009.8.26.0196 da
Comarca de Franca, a C. 9ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo suscitou a instauração de incidente de
inconstitucionalidade, determinando a remessa dos autos ao Excelso Órgão
Especial, para apreciação da inconstitucionalidade incidentalmente suscitada do art. 148, § 5º, da Lei Complementar Estadual nª 180/78, com a redação
dada pelo art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 1.012/07, que
dispõe:
“Artigo 148. Com a morte do servidor a pensão será paga aos
dependentes, mediante rateio, em partes iguais.
(...)
§ 5º. A perda da qualidade de dependente pelo pensionista
implica na extinção de sua quota de pensão, admitida a reversão da respectiva
quota somente de filhos para cônjuge ou companheiro ou companheira e destes
para aqueles."
O v. acórdão está assim ementado (fls. 266/270):
“CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE -
BENEFICIÁRIO - PERDA DA CONDIÇÃO DE DEPENDENTE - QUOTA-PARTE - DIREITO DE
ACRESCER - REVERSÃO - REDUÇÃO DO BENEFÍCIO - ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
- RESERVA DE PLENÁRIO - SÚMULA VINCULANTE Nº 10.
1. Pretensão à reversão de cota-parte de pensão por morte
entre colaterais. Direito de acrescer previsto de filhos para cônjuge ou
companheiro ou companheira e destes para aqueles (art. 148, § 5º, LC nº 180/78,
com a redação dada pela LC nº 1.012/07). Alegação de
inconstitucionalidade. Benefício que deve corresponder ao valor da totalidade
dos proventos do servidor falecido ou da totalidade da remuneração do servidor
no cargo efetivo em que se deu o falecimento (art. 40, § 7º, I e II, CF).
2. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou
dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (art. 97 CF).
Cláusula de reserva de plenário. Súmula Vinculante nº 10 do STF. Suspensão
do julgamento. Suscitação de incidente de inconstitucionalidade. Remessa dos
autos ao E. Órgão Especial do Tribunal de Justiça."
Em primeira instância, o MM. Juiz de Direito da Comarca de Franca julgou procedente a pretensão de reversão da quato-parte da pensão por morte ao irmão, depois da perda desta condição pela irmã (fls. 187/190), embora tivesse deixado de apreciar os pedidos cumulativos, entre os quais o de declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 1.012, de 05 de julho de 2007, e de restituição dos efeitos dos arts. 144 e 147, inciso II, §§ 2º e 3º da Lei Complementar Estadual nº 180/78 (fl. 39), ou seja, da condição de dependente da irmã até o casamento, e do irmão até a conclusão do 3º grau, fato que ensejou a oposição de Embargos de Declaração (fls. 192/197) - improvidos por r. decisão de fl. 213 - e de apelação, em que os Autores-apelantes reiteraram o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 1.012/07, com vistas à repristinação dos efeitos dos artigos revogados da Lei nº 180/78 (fls. 215/221).
A São Paulo Previdência (SPPREV), pela Procuradoria do Estado, alegou que o art. 148, § 5º, da Lei Complementar Estadual nº 180/78, com a redação dada pela Lei Complementar Estadual nº 1.012/07, contempla apenas a reversão da quota de pensão de filhos para cônjuge ou companheiro ou companheira e destes para aqueles, e não entre colaterais. Aduziu que a inconstitucionalidade da regra específica não foi declarada, e que a concessão do pedido feriria a igualdade, "pois existem outros em idêntica posição que não postulam juridicamente em razão da regra acima exposta" (contestação, a fls. 139/142).
O recurso começou a ser analisado, mas a conclusão no sentido da inconstitucionalidade levou à instauração do presente incidente.
É o relatório.
O
incidente e a arguição de inconstitucionalidade comportam acolhida,
para que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 148, § 5º, da Lei Complementar
Estadual nº 180/78 com a redação dada pela Lei nº 1.012/07, nos termos do
v. acórdão da C. 9º Câmara de Direito Público (fls. 265/270).
A
inconstitucionalidade do art. 148, § 5º, da Lei Complementar Estadual nº 180/78
é manifesta.
O art. 148, § 5º, da Lei Complementar Estadual nº
180/78, pela redação dada pela Lei Complementar Estadual nº 1.012/07,
restringiu a possibilidade de reversão da pensão por morte percebida pelo irmão
somente para o cônjuge ou a companheira deste, nada dispondo sobre a possibilidade
de reversão entre irmãos.
Cumpre analisar se a perda da qualidade de
beneficiária da irmã-pensionista determina a extinção de sua quota ou a sua
reversão em favor do irmão-beneficiário.
A Magna Carta prescreve que a pensão por morte deve
corresponder ao valor da totalidade
dos proventos do falecido (CF, art. 40, § 7º, I e II), nos seguintes termos:
"Art. 40
(...)
§ 7º. Lei disporá sobre
a concessão do benefício de pensão por morte, que será igual:
I - ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido,
até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de
previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da
parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou
II - ao valor da totalidade da remuneração do servidor
no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido
para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art.
201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso em
atividade na data do óbito." [negritou-se]
Como se vê, verte da Constituição Federal a unicidade do benefício - também prevista
no art. 77, § 1º, da Lei nº 8.213/91 - e, pois, a impossibilidade de sua
extinção parcial pela perda da qualidade de um dos beneficiários.
Nesse sentido, o ilustre Desembargador Relator Décio
Notarangeli bem reconheceu que "essa redução no valor do benefício
defendida pela Instituição Previdenciária é abusiva e atenta contra a
Constituição Federal, segundo a qual a pensão por morte será igual ao valor da
totalidade dos proventos do servidor falecido ou ao valor da totalidade da
remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento (art. 40,
§ 7º, I e II). Aliás, não por outra razão que se tem aplicado o princípio da
unicidade da pensão, com base no art. 77, § 1º, da Lei nº 8.213/91" (fls.
268/269).
É oportuno observar que a contribuição previdenciária
é recolhida com vistas ao pagamento da integralidade do benefício, de modo que
o reconhecimento do direito de reversão de quota-parte não acarreta desequilibrio na equação
econômico-financeira.
Sobre ofender o princípio
da unicidade, a exclusão de beneficiários ligados entre si pelo vínculo
fraterno também vulnera o princípio da
isonomia, porque inexiste qualquer justificativa plausível para que o
legislador infraconstitucional tenha reconhecido o direito de reversão somente
entre beneficiários e seus cônjuges ou companheiros.
Em caso análogo, o eminente Desembargador Marcelo L.
Theodósio averbou assertivamente que "O princípio constitucional da isonomia
impõe que seja assim, pois não se justifica que sendo um só beneficiário
inicial, recebe sozinho a totalidade do benefício até a sua extinção, mas que
se tornando beneficiário único posteriormente, pela perda do direito de outros
beneficiários, tenha que permanecer apenas com a sua fração originária até a
extinção do benefício" (Apelação nº 1013428-82.2014.8.26.0053,
11ª Câmara de Direito Público, j. em 03/03/2015).
Sobre a possibilidade de reversão da pensão aos
demais beneficiários já dispunha a Súmula 57 do antigo Tribunal Federal de
Recursos[1].
No E. Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo também se formou jurisprudência favorável ao
direito de acrescer entre irmãos (Apelação nº 0015592-94.2010.8.26.0047, 11ª
Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ricardo Dip, j. em 03/12/12; Apelação nº
0700190-48.2011.8.26.0579, 2ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Vera
Angrisani, j. em 29/01/13; Apelação nº 0002429-53.2010.8.26.0627,
11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Oscild de Lima Júnior, j. em
26/11/12; Reexame Necessário nº 0600804-76.2008.8.26.0053, 9ª Câmara de
Direito Público, Rel. Des. Rebouças de Carvalho, j. em 01/02/12; Apelação nº
0014635-75.2010.8.26.0053, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Moreira de
Carvalho, j. em 29/08/12; Apelação nº 1013428-82.2014.8.26.0053,
11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Marcelo L. Theodósio, j. em
03/03/15, ).
Mais recentemente a mesma C. 9ª Câmara de Direito
Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo voltou a
reconhecer o direito de acrescer entre irmãos, como se infere da seguinte
ementa:
"SERVIDOR PÚBLICO.
PENSÃO POR MORTE. UNICIDADE DO BENEFÍCIO. DIREITO DE ACRESCER ENTRE IRMÃOS.
Possibilidade de reversão da quota parte entre irmãos. Interpretação
sistemática que determina a prevalência do princípio da unidade do benefício.
Caráter contributivo do benefício. O tolhimento do direito de reversão aos
beneficiários vinculados entre si pelo vínculo fraterno vulnera o Princípio da
Isonomia. Precedentes deste Tribunal de Justiça." (Apelação nº
1006337-38.2014.8.26.0053, 9ª Câmara de Direito Público, j. em 18/03/15, Rel.
Des. José Maria Câmara Júnior).
Portanto, a inconstitucionalidade do art. 148, § 5º, da
Lei Complementar Estadual nº 180/78 há que ser declarada.
Ante o exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente e de seu acolhimento, para declarar a inconstitucionalidade do art. 148, § 5º da Lei Complementar Estadual nº 180/78 com a redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 1.012/2007.
São Paulo, 15 de abril de 2015.
NILO SPINOLA SALGADO FILHO
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
lfmm
[1] "Cabível a reversão da pensão previdenciária e daquela decorrente de ato ilícito aos demais beneficiários, em caso de morte do respectivo titular ou a sua perda por impedimento legal."