Parecer em
Incidente de Inconstitucionalidade
Processo nº 0020412-30.2015.8.26.0000
Suscitante:
9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça
Agravante: (...)
Agravado: Fazenda Pública do Estado de São Paulo
Ementa:
1) Incidente de inconstitucionalidade.
Parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25, da Lei
nº 12.767/12, que inclui, entre os títulos sujeitos a protesto, as certidões de
dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas.
2) Abuso do
poder de emendar. Desfiguração da proposta inicial por ausência de pertinência
temática. Violação dos artigos 2°, 61, § 1° e 63, I, da Constituição Federal de
1988.
3) Parecer
pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela Col. 9ª Câmara de Direito
Público, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 2226061-89.2014.8.26.0000,
figurando como Relator o Desembargador Oswaldo Luiz Palu.
A Col. Câmara argui a
inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 9.492/97,
incluído pelo art. 25, da Lei nº 12.767/12, por existência de vício formal no
processo legislativo, nos seguintes termos:
“(...)
a competência deferida ao Poder Legislativo não é ilimitada e, ainda, conforme já decidido pelo Supremo
Tribunal Federal em ADI n° 3.288-MG: “O Poder Legislativo detém a competência
de emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa
reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder
Legislativo conhece, porém, duas limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular matéria estranha à versada
no projeto de lei (requisito de pertinência temática); b) a impossibilidade
de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo,
ressalvado o disposto nos §§ 3° e 4° do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I,
do art. 63 da CF). Constata-se que ao incluir o parágrafo único no art. 1º, da
Lei 9.492/97, versando sobre matéria estranha à medida provisória que tinha seu
processo legislativo em tramitação, o Poder Legislativo atuou ultra vires, ultrapassou sua
competência constitucional.
(...)”
É o relato do essencial.
Verifica-se que a redação do
parágrafo único, do art. 1º, da Lei n° 9.492/97, foi inserida por força do art.
25, da Lei nº 12.767/12, que estabeleceu o seguinte:
Art. 25. A Lei no 9.492, de 10 de setembro de 1997,
passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.1º
......................................................................
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a
protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.”
(NR)
Indiscutível que a inovação
normativa não guarda pertinência temática com o objeto da Medida Provisória nº
577, de 29 de agosto de 2012, que deu origem à Lei nº 12.767/12 e tinha por
objeto dispor sobre “a extinção das concessões de serviço público de energia
elétrica e a prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para
adequação do serviço público de energia elétrica”.
A inconstitucionalidade do ato
normativo impugnado decorre do abuso do poder de emendar, importando em
violação aos arts. 2°, 61, § 1°, 63, I e 166, § 3º, I e II da Constituição
Federal, normas que regulam o processo legislativo federal.
O processo legislativo,
compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto)
realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na
Constituição Federal, a fim de que sejam garantidas a independência e harmonia
dos Poderes.
O desrespeito às normas do processo
legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República,
conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o
controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.
A iniciativa, sendo o ato que
deflagra o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).
A matéria de que trata a lei em
análise – extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a
prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para adequação do serviço
público de energia elétrica – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Chefe do Poder
Executivo. Nesse aspecto, não há qualquer objeção, pois o ato normativo
decorreu de Medida Provisória.
A questão, na verdade, deve ser
analisada sob a ótica dos limites do poder de emendar.
Sabe-se que, apresentado o
projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se
caminho para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e
votação públicas da matéria. Nessa fase, sobressai o poder de emendar,
prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta,
pois se encontra limitada às restrições impostas, em “numerus clausus”, pela Constituição Federal (art. 63, I e 166, §
3º, I e II), reproduzidas pelo art. 24, § 5º, nº 1 e
175, § 1º, 1 e 2, da Constituição Estadual.
Da interpretação das normas que regem o
processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar
projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de
evitar: (a) aumento de despesa não prevista inicialmente; ou então (b) a
desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática, seja,
ainda, pela alteração extrema do texto originário, ensejando a regulação substancialmente
distinta da proposta original.
A este propósito o Supremo
Tribunal Federal consignou que:
“O exercício do poder de emenda,
pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função
legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do
poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como
prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao
seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição
Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas
das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional
anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O
legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a
concepção legalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ
40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do
Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder
de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei
sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado,
incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à
atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto
constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de
que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência
com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida
cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).
“Incorre em vício de
inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e
"c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em
projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que
resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da
Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia
dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma
impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que
lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel.
Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).”
Estabelecidas estas
considerações, tem-se que, no caso em análise, a inovação normativa decorrente
da emenda aditiva implementada, que deu origem ao art. 25, da Lei n° 12.767/12,
incluindo, entre os títulos sujeitos a protesto, as certidões de dívida ativa
da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas
autarquias e fundações públicas, importou em alteração extrema do texto originário,
ensejando a regulação de matéria diversa da que tratava a Medida Provisória,
com ela não tendo pertinência temática.
Entendimento contrário, não seria
razoável e contrariaria toda a lógica do processo legislativo, admitindo-se
oportunismos em prejuízo da transparência, regularidade e ordenação dos atos de
produção normativa.
A alteração legislativa produzida
representa inequívoco abuso do poder de emendar.
Por fim, importante assinalar que
nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 0007415-15.2015.8.26.0000,
0007169-19.2015.8.26.0000, 0008631-11.2015.8.26.0000,
0008701-28.2015.8.26.0000, 0008825-11.2015.8.26.0000,
0008741-10.2015.8.26.0000, 0011402-59.20158.26.0000, 0011903-13.2015.8.26.0000,
0012082-44.2015.8.26.0000, 0012188-06.2015.8.26.0000,
0012190-73.2015.8.26.0000, 0012209-79.2015.8.26.0000,
0012261-75.2015.8.26.0000, 0012219-26.2015.8.26.0000, 0012215-86.2015.8.26.0000
e 0012213-19.2015.8.26.0000 foi suscitada a inconstitucionalidade do mesmo
parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25, da Lei
nº 12.767/12.
Diante do exposto, opina-se pelo
conhecimento e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade, com a
declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 1º, da lei nº
9.492/97, incluído pelo art. 25, da Lei nº 12.767/12.
São Paulo, 06 de abril de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca/ts