Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

Processo nº 0020993-16.2013.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelantes: (...) e outros

Apelado: Prefeitura Municipal de Carapicuíba

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Adicional de insalubridade com percentual previsto na Lei Orgânica. Inconstitucionalidade.

2)      Matéria pertinente ao regime jurídico do funcionalismo público municipal. Iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo. Inviabilidade de fixação em Lei Orgânica.

3)      Parecer no sentido do conhecimento e acolhimento da arguição de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 13ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível nº 003564-19.2008.8.26.0127, cujo relator foi o Desembargador Borelli Thomaz, na sessão de julgamento realizada em 19 de dezembro de 2012.

A Col. Câmara arguiu a inconstitucionalidade do art. 131 da Lei Orgânica do Município de Carapicuíba, em v. acórdão do qual consta a seguinte ementa:

“(...)

Servidor público. Município de Carapicuíba. Adicional de insalubridade com percentual previsto na Lei Orgânica. Dispositivo declarado inconstitucional no I. Juízo de origem. Matéria de suporte para a decisão. Incidente de inconstitucionalidade que se impõe, nos termos do art. 97 da Constituição Federal e Súmula Vinculante 10 do E. Supremo Tribunal Federal. Remessa dos autos ao C. Órgão Especial.

 (...)”

É o relato do essencial.

A arguição de inconstitucionalidade deve ser conhecida e acolhida.

O dispositivo da Lei Orgânica do Município de Carapicuíba, glosado pela Col. 13ª Câmara de Direito Público tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 131. O servidor público que exercer função, em setor considerado nocivo à saúde terá direito ao adicional de 25% (vinte e cinco por cento) a título de adicional de insalubridade sobre o respectivo salário.

 (...)”

Ao suscitar o incidente, consignou o relator que:

“(...)

Os apelantes, funcionários da apelada, ajuizaram esta ação para receber adicional de insalubridade no importe de 25%, como a Lei Orgânica de Carapicuíba prevê expressamente em seu art. 131, não no de 20% como lhes é pago.

A disputa, deveras, não é pelo an debeatur senão pelo valor, pois os pagamentos sempre foram feitos, mas a menor do previsto na Lei Orgânica, pretensão rejeitada no I. Juízo de origem sob forte fundamento de ser inconstitucional a regra daquele artigo: o servidor público que exercer função, em setor considerado nocivo à saúde terá direito ao adicional de 25% a título de insalubridade sobre o respectivo salário.

Observo cuidar-se de dispositivo da Lei Orgânica, não Estatuto dos Funcionários daquele município, a resultar, com a devida vênia, em ser mesmo inconstitucional.

 (...)”

E como acertadamente ponderou a Col. 13ª Câmara de Direito Público ao suscitar o incidente, sem dúvida compete ao município legislar sobre adicionais, gratificações e outros benefícios; contudo, não em sua Lei Orgânica.

A questão foi percebida pelo juízo monocrático quando assentou que “a disposição que a prevê é inconstitucional, pois fere a separação dos poderes e avança sobre matéria de iniciativa reservada ao Poder Executivo, ao estabelecerem direitos e vantagens aos servidores públicos” (fl. 176). Conclui, com acerto, o magistrado:

“A Lei Orgânica do Município, como se sabe, é elaborada sem a participação do Poder Executivo, e, assim, não atende à exigência de iniciativa do Prefeito Municipal, não podendo, por isso, prever direitos e vantagens aos servidores públicos”(fl. 177).

Deveras, a matéria pertinente ao regime jurídico do funcionalismo público municipal é de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo, existindo, assim, óbice intransponível a que seja disciplinada por lei de origem parlamentar.

Como se sabe, as matérias de iniciativa reservada ao Executivo são apenas aquelas expressamente previstas nos arts. 24, § 2.º, 1 a 6, e 174, I a III, da Constituição do Estado de São Paulo, dentre as quais se identifica aquela pertinente ao regime jurídico do funcionalismo público municipal.

No seu art. 24, § 2.º, 4, a Constituição do Estado de São Paulo reza que:

“Art. 24 -

(...)

 § 2.º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...).

4 – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade”.

A expressão “regime jurídico”, acima destacada em negrito, corresponde “ao conjunto de regras que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. Tal expressão, que é ampla, abrange todas as normas relativas: a) às formas de provimento; b) às formas de nomeação; c) à realização do concurso; d) à posse; e) ao exercício, inclusive hipótese de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de serviço; f) às hipóteses de vacância; g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação fina (cursos, títulos, interstícios mínimos); h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; i) às reposições salariais e de vencimentos; j) ao horário de trabalho e ponto, inclusive regimes especiais de trabalho; k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo e acumulações remuneradas; l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; m) aos deveres e proibições; n) às penalidades e sua aplicação; o) ao processo administrativo.” (Cf. José Celso de Mello Filho, “Constituição Federal Anotada”, Saraiva, 1986, 2.ª edição, comentário ao art. 57, p. 220.)

A regra da iniciativa reservada deriva do processo legislativo federal e sua observância é obrigatória por Estados e Municípios, ante sua implicação direta com a independência e harmonia entre os Poderes, consoante a jurisprudência assente no Supremo Tribunal Federal, verbis:

"As regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estados-membros em tudo aquilo que diga respeito – como ocorre às que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada – ao princípio fundamental de independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República (...)." (ADI 1.434/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção, I, 3 de fevereiro de 2000, p. 3)

         Conclui-se, daí, que o art. 131 da Lei Orgânica do Município de Carapicuíba padece do vício de inconstitucionalidade porque desrespeitou a regra da iniciativa reservada e, consequentemente, violou o princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

Por tais razões, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente, e da declaração da inconstitucionalidade do art. 131 da Lei Orgânica do Município de Carapicuíba.

São Paulo, 18 de março de 2013.

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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