Parecer em
Incidente de Inconstitucionalidade
Processo nº 0022342-83.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça
Apelante:
(...)
Apelado: Secretário
da Fazenda Pública do Estado de São Paulo
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei nº 12.767/12, que incluiu o parágrafo único do art. 1º da Lei nº
9.492/97
Ementa:
1)
Incidente de
inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492, de 10 de
setembro de 1997, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de
2012, que acrescentou entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de
dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas.
2)
Abuso ao poder de
emenda. Desfiguração da proposta inicial por ausência de pertinência temática.
Violação dos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II, da Constituição Federal.
3)
Parecer pela admissão
e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito Público,
quando do julgamento da Apelação nº 1043993-29.2014.8.26.0053, da 11ª Vara da
Fazenda Pública de São Paulo, figurando como Relator o Desembargador Jeferson
Moreira de Carvalho.
A Col. Câmara argui a
inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997,
incluído pela Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012, por existência de vício
formal no processo legislativo, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:
“(...)
A
supramencionada lei é fruto de conversão da Medida Provisória nº 577, de 29 de
agosto de 2012, que dispunha sobre a extinção das concessões de serviço público
de energia elétrica e a prestação temporária de serviço, sobre a intervenção
para adequação de serviço público de energia elétrica.
Propuseram
no Congresso Nacional 88 emendas parlamentares ao projeto, todavia nenhuma
delas dispôs sobre a inclusão de certidões de dívida ativa como título sujeito
a protesto. Quando de sua conversão em lei, várias matérias estranhas foram
inseridas no projeto, as quais não tem relação com a proposição inicial e
incluiu-se no projeto o art. 25 alterando a redação do art. 1º, parágrafo
único, da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, para incluir entre os
títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações
públicas.
(...)
Importante
ressaltar que não é ilimitada a competência do Poder Legislativo para emendar
projetos de lei. A concessão de serviço público de energia elétrica, objeto da
Medida Provisória enviada ao Congresso, e protesto de títulos são matérias que
não preservam entre si qualquer pertinência lógica. Aduz que a questão não foi
objeto de emenda parlamentar, mas incluída no parecer do relator da matéria sem
a observância do processo legislativo previsto na Constituição Federal.
(...)
Portanto,
ao inserir no projeto de lei dispositivo tratando de questão sem qualquer pertinência
temática com a matéria objeto da Medida Provisória editada pelo Chefe do Poder
Executivo, o Poder Legislativo exorbitou sua competência e editou uma norma
legal inválida, pois contaminada pelo vício da inconstitucionalidade formal.
Entretanto
o juízo de constitucionalidade sobre a norma legal em questão não compete a
esta Egrégia Câmara. Assim, imperioso para o correto deslinde do feito
perquirir se o Estado detém competência legislativa para disciplinar referida
matéria.
Ante o exposto, suspende-se o
julgamento do recurso e, ex officio,
suscita-se incidente de inconstitucionalidade do art. 1º, parágrafo único, da
Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1.997, com a redação dada pelo art. 25 da
Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012, nos termos do art. 193 do RITJESP,
determinando-se a remessa dos autos ao Colendo Órgão Especial, retornando a
seguir para prosseguimento do julgamento, em atendimento ao disposto no art.
194, § 1º, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo.”
É o relato do essencial.
Verifica-se que a redação do
parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97 foi inserida por força do art. 25
da Lei nº 12.767/12, que estabeleceu o seguinte:
“Art. 25. A Lei nº 9.492, de 10 de
setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art.1º
(...)
Parágrafo
único. Incluem-se entre os títulos
sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações
públicas.’ (NR)”
Não se discute que a inovação
normativa não guarda pertinência temática com o objeto da Medida Provisória nº
577, de 29 de agosto de 2012, que deu origem à Lei nº 12.767/12 e tinha por
objeto dispor sobre a extinção das concessões de serviço público de energia
elétrica, a prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para
adequação do referido serviço público.
A inconstitucionalidade do ato
normativo impugnado decorre do abuso do poder de emendar, importando em
violação aos arts. 63, I e 166, § 3º, I e II, da Constituição Federal, normas
que regulam o processo legislativo e que, nos termos do art. 144 da
Constituição Estadual, devem ser observadas pelos Estados e Municípios.
O processo legislativo,
compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto)
realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na
Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência
e harmonia dos Poderes.
O desrespeito às normas do processo
legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República,
conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o
controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.
A iniciativa, o ato que deflagra
o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).
A matéria de que trata a lei em
análise – extinção das concessões de serviço público de energia elétrica, prestação
temporária do serviço e a intervenção para adequação do serviço público de
energia elétrica – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Chefe do Poder Executivo.
Nesse aspecto, não há qualquer objeção, pois o ato normativo decorreu de Medida
Provisória.
A questão, na verdade, deve ser
analisada sob a ótica dos limites do poder de emendar.
Sabe-se que, apresentado o
projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se
caminho para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e
votação públicas da matéria. Nessa fase, sobressai o poder de emendar,
prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta,
pois se encontra limitada às restrições impostas, em “numerus clausus”, pela Constituição Federal (art. 63, I e 166, §
3º, I e II), reproduzidas pelo art. 24, § 5º, nº 1 e
175, § 1º, 1 e 2, da Constituição Estadual.
Da interpretação das normas que regem o
processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar
projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de
evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a
desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda
pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação
praticamente e substancialmente distinta da proposta original.
A este propósito, o Supremo
Tribunal Federal consignou que:
“O exercício do poder de emenda,
pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função
legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do
poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como
prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao
seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela
Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o
exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam,
especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda
reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim
proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado (RTJ
32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso
prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se
plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos
parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de
iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre
essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as
restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II),
bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa
parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição
legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de
Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).
Mas o considera restrito, como se
conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante
transcrito:
“Incorre em vício de inconstitucionalidade
formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e "c" e 63, I) a
norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa
reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro
de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da
simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o
pagamento do benefício instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169
da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda
Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente
(ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement.
Vol. 2156-01, p. 73).”
Estabelecidas estas
considerações, tem-se, no caso em análise, que a inovação normativa decorrente
da emenda aditiva implementada, a qual deu origem ao art. 25 da Lei n°
12.767/12, incluindo entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de
dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas, importou em alteração extrema do
texto originário, rendendo ensejo a regulação de matéria diversa da que tratava
a Medida Provisória, com ela não tendo pertinência temática.
Trata-se de questão relativa ao
processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos
Estados e Municípios, em face do artigo 144 da Constituição do Estado, tal como
tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo estruturador do
processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela
Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de
iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão
normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos
Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0,
medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
Ainda que a pertinência temática seja
requisito exigível nas hipóteses em que emendas parlamentares digam respeito a
projetos de lei de iniciativa privativa, que desnaturem o texto originário ou
resultem em aumento de despesa, como sustentado na manifestação da
Procuradoria-Geral da República nos autos da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 5.135/DF, promovida perante o Supremo Tribunal Federal,
em face do dispositivo legal em análise, a emenda aditiva foi apresentada em
projeto que tratava de matéria de iniciativa exclusiva do Presidente da
República, e não poderia aproveitá-lo para tratar de questão a ele não
pertinente.
Entendimento contrário não seria
razoável e contraria toda a lógica do processo legislativo, admitindo-se
oportunismos em prejuízo da transparência, regularidade e ordenação dos atos de
produção normativa.
A alteração legislativa produzida
representa inequívoco abuso do poder de emendar.
Por fim, importante assinalar que,
nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 0007415-15.2015.8.26.0000, nº
0007169-19.2015.8.26.0000, nº 0008631-11.2015.8.26.0000, nº 0008701-28.2015.8.26.0000,
nº 0008825-11.2015.8.26.0000, nº 0008741-10.2015.8.26.0000, nº
0011402-59.20158.26.0000, nº 0011903-13.2015.8.26.0000, nº 0012082-44.2015.8.26.0000,
nº 0012188-06.2015.8.26.0000, nº 0012190-73.2015.8.26.0000, nº 0012209-79.2015.8.26.0000,
nº 0012261-75.2015.8.26.0000, nº 0012219-26.2015.8.26.0000, nº 0012215-86.2015.8.26.0000,
nº 0012213-19.2015.8.26.0000, nº 0012642-83.2015.8.26.0000, nº 0012650-60.2015.8.26.0000,
nº 0013771-26.2015.8.26.0000, nº 0014309-07.2015.8.26.0000, nº
0014299-60.2015.8.26.0000 e nº 0014268-40.2015.8.26.0000 (os vinte últimos de
relatoria de Vossa Excelência), foi suscitada a inconstitucionalidade do mesmo
parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº
12.767/12.
Diante do exposto, nosso parecer
é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu
acolhimento, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º
da Lei nº 9.492/97, incluído pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
São Paulo, 24 de abril
de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca/mjap