Parecer em Incidente de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0022347-08.2015.8.26.0000
Suscitante: 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Arts. 18 e 19 da Lei nº 4.831, de 10 de dezembro de 2009, do Município de São Caetano do Sul. Inconstitucionalidade dos dispositivos objurgados. Interpretação conforme a Constituição para declarar incompatível com o texto constitucional óbice legal à distribuição de “panfletos” e “impressos” em espaços públicos da urbe. Procedência. 1. A vedação à distribuição de prospectos, panfletos e impressos em logradouros públicos, prevista no art. 18 da Lei nº 4.831/09, constitui afronta aos arts. 5º, inciso IX, e art. 220, caput, §§ 1º, 2º e 6º, da Constituição Federal, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual, bem como ofende ao princípio da razoabilidade. 2. Inconstitucionalidade do art. 19 da Lei nº 4.831/09, ante sua censura à liberdade de informação jornalística, garantida pelo art. 220, §1º da CF. 3. Incidente de inconstitucionalidade procedente, reclamando-se interpretação conforme a Constituição quanto às expressões “panfletos” e “impressos”, insertas no art. 18 da referida lei.
Douto Relator,
Colendo Órgão Especial:
O (...), pessoa jurídica de direito privado com sede na comarca de São Caetano do Sul, promoveu ação ordinária em face da Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul, pleiteando, em apertada síntese, o resguardo de seu direito constitucional de liberdade de expressão para distribuir livremente em vias públicas e/ou diretamente ao público seus informativos, sem restrição ou imposição de multa, na medida em que tal direito constitucional encontra-se tolhido pelos arts. 18 e 19 da Lei nº 4.831, de 10 de dezembro de 2009, do Município de São Caetano do Sul (fls. 01/15).
Prolatada sentença julgando procedente a demanda (fls. 145/147), fora interposta apelação pelo Município de São Caetano do Sul (fls. 150/162), a qual fora remetida à 2º Câmara de Direito Público deste E. Tribunal de Justiça Bandeirante, que, diante da matéria sub judice, suscitou incidente de inconstitucionalidade a ser apreciado por este Colendo Órgão Especial, por força do art. 97 da CF, conjugado com os arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil (fls. 177/185).
É o relatório.
A
Lei nº 4.831, de 10 de dezembro de 2009, editada pelo Município de São Caetano
do Sul, assim dispõe nos arts. 18 e 19:
“Lei nº 4.831/2009:
(...)
Artigo 18 - Fica expressamente vedada a distribuição de
prospectos, panfletos e impressos em logradouros públicos, exceção feita aos
anúncios de finalidade institucional de interesse público.
§ Único - Não será permitida, ainda, a distribuição de
material publicitário lançados a esmo de veículos, aeronaves, edifícios ou
qualquer outro meio.
Artigo 19 - As solicitações de autorização para distribuição
de material de cunho jornalístico serão analisadas pelo Comitê Técnico
Municipal de Controle da Paisagem Urbana - CTM-CP, criado nos termos do artigo
39 desta Lei, devendo o interessado comprovar, na forma do Decreto
regulamentador, o seguinte:
I - tiragem auditada;
II - circulação em outros municípios;
III - periodicidade;
IV - editorial;
V - caráter laico.”
Na quaestio iuris em apreço, a celeuma reside no conflito entre a eventual
competência constitucional do Município para dispor livremente sobre assuntos
de interesse local e a liberdade de expressão assegurada em diversos dispositivos
da Lei Fundamental de 1988, sendo certo que, no sopesamento de tais valores
constitucionais, há de ser conferida primazia ao segundo, pelos motivos a
seguir perfilados.
Entretanto, antes de
adentrarmos na questão trazida à baila, faz-se necessária uma breve explanação tendente
a demonstrar a viabilidade de emprego de normas previstas na Constituição
Federal para aferição em abstrato da constitucionalidade dos dispositivos
vergastados.
O artigo 144 da Constituição Paulista, ao condicionar a autonomia dos
Municípios à observância dos princípios previstos em seu bojo e na Constituição
Federal, possui caráter de norma remissiva, reproduzindo, aliás, o caput do art. 29 da Carta Magna.
Assim, a
incompatibilidade arguida se dá em face de norma remissiva da Constituição
Estadual, não havendo espaço para se cogitar de contraste direto da lei
municipal com a Constituição Federal.
Vale ressaltar
que a parametricidade das normas constitucionais estaduais de caráter
remissivo, para fins de controle concentrado de constitucionalidade de leis ou
atos normativos estaduais ou municipais perante o Tribunal de Justiça local
(art. 125, § 2°, CF), constitui questão amplamente discutida e pacificada no E.
Supremo Tribunal Federal, conforme decisões abaixo colacionadas:
“RECLAMAÇÃO -
FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO INSTRUMENTO RECLAMATÓRIO (RTJ 134/1033 - RTJ 166/785)
- COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA PARA EXERCER O CONTROLE ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS E ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS
CONTESTADOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - A “REPRESENTAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE” NO ÂMBITO DOS ESTADOS-MEMBROS (CF, ART. 125, § 2º) - A
QUESTÃO DA PARAMETRICIDADE DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS, DE CARÁTER
REMISSIVO, PARA FINS DE CONTROLE CONCENTRADO DE LEIS E ATOS NORMATIVOS
ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS CONTESTADOS, PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, EM
FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - DOUTRINA - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO. - O único instrumento jurídico revestido de parametricidade, para efeito
de fiscalização concentrada de constitucionalidade de lei ou de atos normativos
estaduais e/ou municipais, é, tão-somente, a Constituição do próprio
Estado-membro (CF, art. 125, § 2º), que se qualifica, para esse fim, como pauta
de referência ou paradigma de confronto, mesmo nos casos em que a Carta
Estadual haja formalmente incorporado, ao seu texto, normas constitucionais
federais que se impõem à observância compulsória das unidades federadas.
Doutrina. Precedentes. - Revela-se legítimo invocar, como referência
paradigmática, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de leis
ou atos normativos estaduais e/ou municipais, cláusula de caráter remissivo,
que, inscrita na Constituição Estadual, remete, diretamente, às regras
normativas constantes da própria Constituição Federal, assim incorporando-as,
formalmente, mediante referida técnica de remissão, ao plano do ordenamento
constitucional do Estado-membro. - Com a técnica de remissão normativa, o
Estado-membro confere parametricidade às normas, que, embora constantes da
Constituição Federal, passam a compor, formalmente, em razão da expressa
referência a elas feita, o “corpus” constitucional dessa unidade política da
Federação, o que torna possível erigir-se, como parâmetro de confronto, para os
fins a que se refere o art. 125, § 2º da Constituição da República, a própria
norma constitucional estadual de conteúdo remissivo. Doutrina. Precedentes.”
(STF; Pleno; AgR Recl. 10.500/SP; Min. Rel.
Celso de Mello; D.J. 26/10/2010). g.n.
“Agravo regimental em reclamação constitucional. 2. Competência dos
tribunais de justiça estaduais para exercer controle abstrato de
constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais
contestados em face de constituição estadual. 3. Legitimidade da invocação,
como referência paradigmática para controle concentrado de constitucionalidade
de leis ou atos normativos municipais/estaduais, de cláusula de caráter
remissivo que, inscrita na Constituição estadual, remete a norma constante da própria Constituição
Federal, incorporando-a, formalmente, ao ordenamento constitucional do
Estado-membro. 4. Invocação de paradigma. Reclamação 7.396. Processo de caráter
subjetivo. Efeitos restritos às partes. 5. Agravo regimental a que se nega
provimento.” (STF; 2ª Turma; AgR Recl. 10406/GO; Min. Rel. Gilmar Mendes; D.J.
26/08/2014). g.n.
Dessa maneira, conforme entendimento firmado
pelo Excelso Pretório, não há usurpação da competência atribuída à Suprema Corte
quando os Tribunais de Justiça locais, no exercício de sua competência prevista
no art. 125, §2° da CF, verificam a compatibilidade de leis municipais com
normas constitucionais estaduais que fazem remissão às disposições da Carta
Magna, sendo viável, portanto, a aferição da constitucionalidade dos art. 18 e
19 da Lei municipal nº 4.831/09 à luz de preceitos plasmado no texto
constitucional de 1988.
Pois bem.
O art. 144 da
Constituição Paulista, repetindo o artigo 29, caput, da CF/88, condiciona a autonomia municipal ao atendimento
dos princípios constitucionais expressos na Carta Magna, dentre eles os
direitos e garantias fundamentais e, mais especificamente, a liberdade de
manifestação do pensamento e de informação assegurada tanto pelo inciso IX do
art. 5º, como pelo art. 220 e seguintes da CF. Vejamos:
“(...)
Art. 5°.
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos seguintes termos:
(...)
IX – é livre
a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
(...)
Art. 220. A manifestação
do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§ 1º -
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade
de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado
o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É
vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
(...)
§ 6º - A
publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de
autoridade.
(...)”.
No que tange à previsão inserida no §
único do art. 18 da Lei nº 4.831/09, não se vislumbra qualquer
inconstitucionalidade no dispositivo analisado, na medida em que a preocupação
externada pelo legislador no aludido comando se compatibiliza com a competência
do Município para dispor sobre assuntos de interesse local, composta em ordenar
e fiscalizar a atuação dos administrados em seus limites territoriais, bem como
encontra guarida nas disposições constitucionais voltadas à proteção no meio
ambiental, no qual se inclui o espaço urbano.
Todavia, em
relação ao art. 18, caput, o mesmo
entendimento não pode ser empregado, haja vista a flagrante ofensa de parcela
do dispositivo a valores basilares do texto constitucional.
Quando o
legislador local vedou qualquer distribuição de material informativo em sua
urbe, exceto os de finalidade institucional de interesse público, o fez em
total afronta aos arts. 5º, inciso IX, e art. 220, caput, §§ 1º, 2º e 6º, da Constituição Federal, aplicáveis aos
Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.
Eventualmente,
o ente federativo em questão poderia até legiferar para controlar a
distribuição de prospectos e outros materiais de cunho comercial em seus
espaços públicos, como assim já o fez outros municípios sem afronta ao texto
constitucional.
Nesse sentido, inclusive,
já se posicionou o Excelso Pretório, quando da análise de lei municipal que estabeleceu
limites à circulação de material estritamente comercial em logradouros pertencentes
ao Município. Vejamos:
“Trata-se de
recurso extraordinário (art. 102, III, a e c, da Constituição) interposto de
acórdão proferido pelo extinto Tribunal de Alçada do Paraná, que reformou
sentença para denegar mandado de segurança. Transcrevo a ementa (157-158):
“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. LEI MUNICIPAL DE CURITIBA QUE
DISPÕE SOBRE A PANFLETAGEM DE PROPAGANDA COMERCIAL. MATÉRIA QUE NÃO INVADE A
COMPETÊNCIA DA UNIÃO, POR NÃO SE INSERIR NA CONCEPÇÃO DE PROPAGANDA COMERCIAL.
ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO (ARTIGO 30, I, DA CF).
AUTOS DE INFRAÇÃO LAVRADOS PELO MUNICÍPIO REVESTIDOS DE LEGALIDADE. MANDADO DE
SEGURANÇA PROCEDENTE EM PARTE. RECURSO VOLUNTÁRIO E REEXAME NECESSÁRIO
CONHECIDOS E PROVIDOS.
1. O Município tem competência para legislar sobre as regras
de distribuição de panfletos de propaganda.
2. Lei municipal que não fere a competência da União para
legislar sobre propaganda comercial.
3. Lei constitucional.
4. Legalidade dos autos de infração lavrados pelos fiscais do
apelante.”
No recurso
extraordinário, alega-se violação dos preceitos constantes dos arts. 1º, IV,
3º, I, III, IV, 5º, IX, XII, 6º, 22, XXIX, 170, 175, 179, 182, 220, §1º, da
Constituição.
O Ministério
Público Federal, em parecer elaborado pelo então Subprocurador-Geral da
República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega, opina pelo desprovimento do recurso
(fls. 221-225)
Decido.
Verifico que
o Tribunal a quo afastou a alegação de inconstitucionalidade da Lei municipal
9.237/1997 sob o fundamento de que o Município apenas regulamentou a
distribuição de panfletos em logradouros públicos, no exercício da competência constitucional
constante do art. 30, I. Transcrevo:
“Todavia,
força convir que a Lei Municipal atacada não legisla sobre propaganda
comercial, mas sim regula a forma como deve qualquer publicidade, em forma de
panfletagem, ser procedida nos logradouros públicos do município de Curitiba,
proibindo-se sua veiculação em determinados pontos da cidade. Da simples
leitura de seu artigo 1º, vê-se que não há regramento a respeito de propaganda
comercial, mas sua veiculação através de panfletos nos locais públicos, bem
como os procedimentos administrativos que o interessado deve obedecer para a
sua distribuição.” (Grifei - fls. 159-160)
Em
contrapartida, a ora recorrente argui que o município “não poderia vedar o
exercício da propaganda panfletária, vez que a legislação ordinária, em tal
termo, somente poderia regular o exercício da atividade, mas não impedi-la”
(fls. 187).
Constato,
pois, que a fundamentação do recurso extraordinário destoa dos fundamentos do
acórdão recorrido, ao afirmar que a referida lei municipal impede, em absoluto,
o exercício da propaganda comercial. Aplica-se ao caso, portanto, a Súmula 284
desta Corte. Ademais, esta Corte, em várias ocasiões, entendeu que não ofende a
competência privativa da União, tampouco os princípios da isonomia, livre
iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, liberdade de trabalho e
busca do pleno emprego, o exercício do poder de polícia pela municipalidade,
desde que restrito ao interesse local e à defesa do bem estar de seus
habitantes (arts. 30, I, e 182, caput). Confira-se:
“EMENTA: -
CONSTITUCIONAL. MUNICÍPIO: COMPETÊNCIA: IMPOSIÇÃO DE MULTAS: VEÍCULOS
ESTACIONADOS SOBRE CALÇADAS, MEIOS-FIOS, PASSEIOS, CANTEIROS E ÁREAS
AJARDINADAS. LEI 10.328/87, DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO.
I. -
Competência do Município para proibir o estacionamento de veículos sobre
calçadas, meios-fios, passeios, canteiros e áreas ajardinadas, impondo multas
aos infratores. Lei nº 10.328/87, do Município de São Paulo, SP. Exercício de
competência própria “CF/67, art. 15, II, CF/88, art. 30, I " que reflete
exercício do poder de polícia do Município.
II. - Agravo
não provido”. (Grifei – RE 191.363, rel. min. Carlos Velloso, DJ 03.11.1998).
“EMENTA:
ADMINISTRATIVO. MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. PEDIDO DE LICENÇA DE INSTALAÇÃO DE
POSTO DE REVENDA DE COMBUSTÍVEIS. SUPERVENIÊNCIA DE LEI (LEI Nº 6.978/95, ART.
4º, § 1º) EXIGINDO DISTÂNCIA MÍNIMA DE DUZENTOS METROS DE ESTABELECIMENTOS COMO
ESCOLAS, IGREJAS E SUPERMERCADOS. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, IV; 5º, XIII E
XXXVI; 170, IV E V; 173, § 4º, E 182 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Incisos XXII e
XXIII do artigo 5º não prequestionados. Requerimento de licença que gerou mera
expectativa de direito, insuscetível -- segundo a orientação assentada na
jurisprudência do STF --, de impedir a incidência das novas exigências
instituídas por lei superveniente, inspiradas não no propósito de estabelecer
reserva de mercado, como sustentado, mas na necessidade de ordenação física e
social da ocupação do solo no perímetro urbano e de controle de seu uso em
atividade geradora de risco, atribuição que se insere na legítima competência
constitucional da Municipalidade. Recurso não conhecido.” (Grifei - RE 235.736,
Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ de 26-5-2000.)
“EMENTA:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA.
ATENDIMENTO AO PÚBLICO. FILA. TEMPO DE ESPERA. LEI MUNICIPAL. NORMA DE
INTERESSE LOCAL. LEGITIMIDADE. Lei Municipal n. 4.188/01. Banco. Atendimento ao
público e tempo máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a
atinente às atividades-fim das instituições bancárias. Matéria de interesse
local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município.
Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 432.789, rel. Min. Eros Grau,
Dje 07.10.2005)
No mesmo
sentido: Súmula 645; RE 199.101, rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma,
DJ de 30.09.2005; RE 204.187, rel. min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ de
02.04.2004; RE 274.028, rel. min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 10.08.2001;
RE 203.358-AgR, rel. min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 29.08.1997; RE
566.836-ED, rel. min. Cármen Lúcia, DJe 14.08.2009.
Dessa
orientação não divergiu o acórdão recorrido.
Do exposto,
nego seguimento recurso. (...)” (RE
499.610/PR, Min. Joaquim Barbosa. Decisão Monocrática. Julgamento em
15/09/2011. Publicado no DJe em 22/09/2011)
Ou seja, a
municipalidade até pode regular a atividade panfletária em seu espaço territorial,
desde que tal regramento, evidentemente, possua interesse público e observe direitos
constitucionalmente assegurados.
No entanto, analisando
a situação posta, não há dúvida quanto a inconstitucionalidade da norma
objurgada, pois, ao invés de regulamentar a atividade em comento, traçando limites
razoáveis à sua consecução, o parlamento local simplesmente vedou a circulação
de qualquer espécie de informe impresso na urbe, tolhendo, por óbvio, a
liberdade de expressão, manifestação do pensamento e de informação, assegurada
em inúmeros artigos da Constituição Federal, assim como promoveu censura
manifesta a veículo impresso de comunicação, o qual independe de licença de
autoridade, segundo previsão constitucional (art. 220, § 6º, CF).
Por outro lado,
a mesma norma não é compatível, outrossim, com o postulado da razoabilidade,
ante a extensão da mencionada restrição a toda e qualquer distribuição de
panfletos, prospectos e impressos em logradouros públicos, independentemente de
haver na municipalidade “interesse
público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina
da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou aos
respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos” (art. 78, CTN),
sob pena de esvaziar a garantia constitucional de livre manifestação do
pensamento e informação, a qual, diga-se, veda a exigência de prévia licença.
Ora, ausente a potencialidade de lesão ao interesse coletivo
da atividade, ilegítima e desarrazoada a imposição de condicionamentos ao seu
exercício pelo legislador.
Com efeito, o postulado da razoabilidade como componente do
devido processo legal “exige a
harmonização das normas com suas condições externas de aplicação (...) a
recorrência a um suporte empírico existente” (cf. Ávila, Humberto; Teoria dos Princípios: da definição à
aplicação dos princípios jurídicos; 8ª edição; Ed. Malheiros: São Paulo,
2008; pp.155).
Nesse sentido, destituída de causa a generalização da
imposição legal, violado está o devido processo legal (art. 5°, inc. LIV, da
CF/88), porquanto carente de razoabilidade a exigência.
Por derradeiro, sobre o conteúdo do princípio da
razoabilidade, nota essencial do devido processo legal, vale destacar primoroso
trecho do voto da lavra do Ministro Celso de Mello, no julgamento do RE 635023 ED/DF (D.J. 13/12/11), in
verbis:
“(...) Impende advertir, neste ponto, que o Poder Público, especialmente
em sede de legislação restritiva
de direitos e liberdades, não
pode agir imoderadamente, pois a
atividade estatal acha-se essencialmente
condicionada pelo princípio da razoabilidade.
Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação
normativa do Poder Legislativo.
O exame da
adequação de determinado ato estatal ao princípio da
proporcionalidade, exatamente por
viabilizar o controle de sua razoabilidade,
com fundamento no art. 5º, LIV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no
âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições
normativas emanadas do Poder Público.
Esse entendimento é
prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que
o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais
cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de
razoabilidade.
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao
princípio da proporcionalidade, que se qualifica – enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos
estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”,
p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,
“Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros)
- como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.
A validade das
manifestações do Estado, analisadas estas em função de seu conteúdo intrínseco
- especialmente naquelas hipóteses de
imposições restritivas ou supressivas incidentes sobre determinados
valores básicos (como a liberdade) -, passa a depender, essencialmente, da
observância de determinados requisitos que atuam como expressivas limitações
materiais à ação normativa do Poder Legislativo, como enfatiza, de maneira bastante clara, o
magistério da doutrina (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no
Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado
Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p.
111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito
Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).
Isso significa, portanto, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder
ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de
competência para legislar ilimitadamente,
de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu
comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que
regem o desempenho da função estatal.
Daí
a advertência de CAIO TÁCITO (RDP
100/11-12), que, ao relembrar a lição pioneira de SANTI ROMANO, destaca que a
figura do desvio de poder legislativo impõe
o reconhecimento de que a atividade legislativa deve desenvolver-se em estrita
relação de harmonia com padrões de razoabilidade.
Essa cláusula tutelar dos
direitos, garantias e liberdades, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes
do abuso de poder legislativo,
enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado
constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de
abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou
discricionário do legislador, como esta Corte tem reiteradamente proclamado
(RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) (...).”
Por fim, o art.
19 da Lei nº 4.831/09 se reveste de inconstitucionalidade assaz gritante que se
torna despiciendo tecer maiores comentários sobre a norma, pois da sua simples
leitura identifica-se censura perniciosa à liberdade de informação
jornalística, garantida pelo art. 220, §1º da CF.
Isto posto, opino
pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 19 da Lei nº 4.831, de 10
de dezembro de 2009, do Município de São Caetano do Sul, bem como da
inconstitucionalidade das expressões “panfletos” e “impressos” aduzidas no art.
18 da referida lei, reclamando, quanto a estas, interpretação conforme a
Constituição para declarar incompatível com o texto constitucional óbice legal
à distribuição de materiais desse jaez.
São Paulo, 24 de abril de 2015.
Nilo Spinola
Salgado Filho
Subprocurador-Geral
de Justiça
Jurídico
ef
bfs