Parecer

 

Processo n. 0025339-39.2015.8.26.0000

Suscitante: 13ª Câmara de Direito Público

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 620, de 2001, do Município de Pirapora do Bom Jesus. Criação de cargos de provimento em comissão. Atribuições técnicas e profissionais. Necessidade de descrição de atribuições de assessoramento, chefia e direção. Inconstitucionalidade. Assim como há incompatibilidade de lei com a Constituição ao criar cargos de provimento em comissão para atribuições que não são de assessoramento, chefia e direção, esse vício também se manifesta quando a lei, ao criar esses postos, não descreve suas atribuições (art. 37, II e V, CF/88).

 

 

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

                   A colenda 13ª Câmara de Direito Público suscitou incidente de inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 620, de 2001, do Município de Pirapora do Bom Jesus, no julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença que julgou procedente ação civil pública de responsabilidade por ato de improbidade administrativa condenando (...) à suspensão dos direitos políticos por quatro anos, ao pagamento de multa civil consistente no valor da última remuneração percebida corrigida monetariamente e acrescida de juros moratórios, e à proibição de contratação com o poder público ou de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios por três anos.

                   Segundo o órgão fracionário o Anexo II do art. 2º da Lei Complementar n. 620/01 é incompatível com o art. 37, V, da Constituição Federal:

“O anexo II trata do provimento dos cargos e funções em comissão e dentre eles estão os seguintes cargos: Assessor Técnico; Assistente de Diretor de Escola; Assistente de Diretoria; Assistente de Divisão; Assistente de Procuradoria Jurídica; Assistente de Secretaria; Chefe de Divisão; Coordenador; Diretor de Departamento; Diretor de Escola; Engenheiro Chefe; Procurador Jurídico.

Considerando que estas funções são inerentes a cargos de caráter estritamente profissional ou burocrático, não exigindo dos agentes nenhum vínculo de especial confiança ou fidelidade, em burla à exigência constitucional de acesso aos cargos públicos mediante concurso público, o Ministério Público ajuizou a presente ação, sustentando que os cargos representam estrutura descompassada com o porte da cidade, sendo, em consequência, inconstitucional a referida lei, por conter ofensas aos princípios da razoabilidade e impessoalidade. Requereu a condenação do ex-Prefeito ao ressarcimento integral do dano, suspensão dos direitos políticos, pagamento da multa civil e proibição de contratar com o Poder Público.

A r. sentença reconheceu incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei Municipal no tocante aos cargos em comissão.

(...)

É sabido que a admissão de funcionários sem concurso público é cabível somente nos casos de cargos em comissão expressamente previstos em lei e naqueles que exijam capacidade técnica incomum ou excepcional interesse público, conforme prescreve o artigo 37, inciso V, da Constituição Federal:

‘V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento’;

Diz o inciso IX que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

Como se vê, a contratação ocorreu sem concurso público obrigatório. Houve a contratação de servidor para exercer a função de assessor técnico, assistente de diretor de escola, assistente de diretoria e outros, sem qualquer seleção e sem oportunizar a todos os interessados a ampla participação.

As hipóteses dispostas de forma genérica na Lei Municipal 620/2001, não permitem concluir que as contratações atenderão as exigências constitucionais” (fls. 754/755, 758/759 - sic).

                   É o relatório.

                   A Lei n. 620, de 16 de janeiro de 2001 (fls. 417/425), estabelece no art. 2º que:

“A evolução funcional dos servidores do Município de Pirapora do Bom Jesus, bem como a escala de vencimentos e cargos, passam a vigorar conforme o estabelecidos nos anexos I, II, III, IV, V e VI, que integram essa Lei”.

                  A censura do órgão fracionário é relativamente aos cargos comissionados, cujo rol foi alterado posteriormente pela Lei n. 659, de 08 de novembro de 2001 (fls. 427/431), não obstante a revogação ulterior da Lei n. 620/01 pelo art. 49 da Lei Complementar n. 112, de 23 de março de 2010 (fl. 495).

                   Não há dúvida sobre a inconstitucionalidade da norma no tocante à criação de cargos de provimento em comissão na medida em que desalinha do art. 37, II e V, da Constituição Federal.

                   Assim como há incompatibilidade de lei com a Constituição ao criar cargos de provimento em comissão para atribuições que não são de assessoramento, chefia e direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012), esse vício também se manifesta quando a lei, ao criar esses postos, não descreve suas atribuições (STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011), como gizado em decisão da Suprema Corte:

“7. Como alegado pelo Recorrente, ‘a ausência de previsão das atribuições dos servidores impede que o real objetivo dos cargos seja compreendido. Não se sabe se tais vagas poderiam ser preenchidas pela livre nomeação ou se trata de manobra para burlar a regra geral de provimento por concurso público’. 8. Ao manifestar-se, a Procuradoria-Geral da República afirmou: ‘a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal marca-se pela especial cautela ao lidar com leis que criam cargos comissionados, atenta à necessidade de se prevenirem deliberações legislativas que desvirtuem a primazia da regra do concurso público (…), [motivo pelo qual] a descrição das atribuições dos cargos comissionados pela própria lei é imprescindível para a aferição da sua legitimidade’.” (STF, RE 707.202-SC, Rel. Min. Cármen Lúcia, 02-12-2014, DJe 11-12-2014).

                   No caso, além de não haver na lei indicação alguma de atribuições de assessoramento, chefia e direção para qualquer dos cargos de provimento comissionado (Assessor Técnico; Assistente de Diretor de Escola; Assistente de Diretoria; Assistente de Divisão; Assistente de Procuradoria Jurídica; Assistente de Secretaria; Chefe de Divisão; Coordenador; Diretor de Departamento; Diretor de Escola; Engenheiro Chefe; Procurador Jurídico) não se verifica, nem implicitamente, função a comportar a liberdade de provimento e exoneração no desempenho de cargos como Assistente de Diretor de Escola, Diretor de Escola, Engenheiro, Procurador Jurídico, que são burocráticos, técnicos e profissionais e devem ser providos de modo efetivo a partir de pessoal selecionado em concurso público.

                   Opino pela declaração de inconstitucionalidade.

         São Paulo, 30 de abril de 2015.

 

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

wpmj