Parecer
Processo n. 0027469-02.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Emenda n. 36 à Lei Orgânica do Município de São Paulo. Guarda Municipal. Competências. Aposentadoria diferenciada de seus integrantes. Procedência. 1. Reserva de lei complementar e de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para requisitos e critérios diferenciados da aposentadoria de servidores públicos (arts. 5º, 24, § 2º, 4 e 126, § 4º, CE/89).
Egrégio Tribunal:
1.
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade
suscitado pela colenda 9ª Câmara de Direito Público no julgamento de apelação
interposta contra respeitável sentença que denegou mandado de segurança
impetrado por servidora pública municipal, ocupante do cargo de Guarda Civil
Metropolitana, que objetiva a concessão de aposentadoria especial, com paridade
e integralidade do último salário que recebeu, tendo como fundamento o inciso
II do § 1° do art. 88, na redação dada pela Emenda n. 36/2013, da Lei Orgânica
do Município de São Paulo (fls. 89/98). O venerando acórdão tem a seguinte
fundamentação (fl. 146):
“(...)
Diante disso, entendo caracterizada a
inconstitucionalidade formal da Emenda n° 36/2013, em razão do vício de
iniciativa (proposta de Emenda proveniente da Casa legislativa e não do
Prefeito Municipal), por estabelecer regras de aposentadoria especial dos
servidores públicos da Guarda Civil Metropolitana.
(...)”
2. É o relatório.
3. A Emenda n. 36, de 17 de dezembro
de 2013, à Lei Orgânica do Município de São Paulo, deu nova redação a seu art. 88,
nos seguintes termos:
“Art. 1º O art. 88 da Lei Orgânica do
Município de São Paulo passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 88. O Município manterá sua
Guarda Municipal, a qual se denomina Guarda Civil Metropolitana, destinada à
proteção da população da cidade, dos bens, serviços e instalações municipais, e
para a fiscalização de posturas municipais e do meio ambiente.
§ 1º Os seus integrantes serão
aposentados, de forma voluntária, nos termos do art. 40, § 4º, II e III, da
Constituição da República, sem limite de idade, com paridade e integralidade do
último salário que receber, desde que comprovem:
I - 25 (vinte e cinco) anos de
contribuição, contando com pelo menos 15 (quinze) anos de efetivo exercício em
cargo da Carreira de Guarda Civil Metropolitano, para mulher;”
II - 30 (trinta) anos de contribuição,
contando com pelo menos 20 (vinte) anos de efetivo exercício em cargo da
Carreira de Guarda Civil Metropolitano, para homem.
§ 2º A Guarda Civil Metropolitana
poderá exercer dentro de suas funções a segurança e proteção nas escolas
públicas municipais, no âmbito da cidade de São Paulo.
Art. 2º Esta emenda à Lei Orgânica
entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.”
4. Em sua redação originária, dispunha o artigo 88 da LOM:
“Art. 88 - O Município poderá,
mediante lei, manter Guarda Municipal, subordinada ao Prefeito e destinada à
proteção dos bens, serviços e instalações municipais.”
5. Inicialmente, a Constituição
Estadual (art. 126, § 4º) permite à lei complementar instituir adoção de
requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria de servidores
públicos que exerçam atividade de risco ou sob condições especiais que
prejudiquem a saúde ou a integridade física.
6. Ainda, não bastasse a emenda
constitucional violar a reserva de lei complementar disposta no art. 126, § 4º,
da Constituição Estadual, ela é incompatível com os arts. 5º e 24, § 2º, 4, da
Constituição Estadual.
7. Neste sentido, a disciplina do
regime jurídico e da aposentadoria dos servidores públicos é, segundo o art.
24, § 2º, 4, da Constituição Estadual - que decorre do princípio da separação
de poderes (art. 5º, Constituição Estadual) - da iniciativa legislativa
reservada ao Chefe do Poder Executivo.
8. Essa regra é aplicável aos
Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual e do art. 29 da
Constituição Federal, e reproduz os arts. 2º e 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal.
9.
As regras do processo legislativo federal
também são de observância compulsória pelos Estados e Municípios como vem
julgando reiteradamente o Supremo Tribunal Federal:
“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).
“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).
“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).
“(...) I. -
As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória
pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).
10. Por essa razão, não é lícito à Lei
Orgânica tratar de assunto que é da iniciativa reservada do Chefe do Poder
Executivo. Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 77, XVII DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FACULDADE DO SERVIDOR DE TRANSFORMAR EM PECÚNIA INDENIZATÓRIA A LICENÇA ESPECIAL E FÉRIAS NÃO GOZADAS. AFRONTA AOS ARTS. 61, § 1º, II, ‘A’ E 169 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A Constituição Federal, ao conferir aos Estados a capacidade de auto-organização e de autogoverno, impõe a obrigatória observância aos seus princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador constituinte estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. 2. O princípio da iniciativa reservada implica limitação ao poder do Estado-Membro de criar como ao de revisar sua Constituição e, quando no trato da reformulação constitucional local, o legislador não pode se investir da competência para matéria que a Carta da República tenha reservado à exclusiva iniciativa do Governador. 3. Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade do servidor de transformar em pecúnia indenizatória a licença especial e férias não gozadas. Concessão de vantagens. Matéria estranha à Carta Estadual. Conversão que implica aumento de despesa. Inconstitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 227-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 19-11-1997, v.u., DJ 18-05-2001, p. 429).
“CONSTITUCIONAL. LEI ORGÂNICA DO DF QUE VEDA LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZADA OFENSA AOS ARTS. 37, I E 61 § 1º II, ‘C’ DA CF, INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO EM RAZÃO DA MATÉRIA - REGIME JURÍDICO E PROVIMENTO DE CARGOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. EXERCÍCIO DO PODER DERIVADO DO MUNICÍPIO, ESTADO OU DF. CARACTERIZADO O CONFLITO ENTRE A LEI E A CF, OCORRÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. PRECEDENTES. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE” (STF, ADI 1.165-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, 03-10-2001, v.u., DJ 14-06-2002, p. 126).
11. Face o exposto, opino pelo
acolhimento do incidente de inconstitucionalidade para declarar a
inconstitucionalidade da Emenda n. 36/2013 à Lei Orgânica do Município de São
Paulo, por contrastar com os arts. 5º, 24, § 2º, 4 e 126, § 4º, da
Constituição do Estado.
São
Paulo, 25 de maio de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
ms/acssp