Parecer em
Incidente de Inconstitucionalidade
Processo nº 0030563-55.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara
de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo
Apelante: Ministério
Público do Estado de São Paulo
Apelados: Câmara
Municipal de Jandira, Prefeitura Municipal de Jandira, (...)
Objeto: inconstitucionalidade
dos arts. 1º e 2º do Decreto Legislativo nº 01/1996, do Município de Jandira
Ementa:
1)
Incidente de
inconstitucionalidade. Arts. 1º e 2º do Decreto Legislativo nº 01/96, do Município de
Jandira, que fixa remuneração e verbas de
representação ao Prefeito e Vice-Prefeito de Jandira.
2) Valores excessivos, alheados aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e moralidade (art. 37, caput, CF) e 111, CE).
3)
Parecer pela admissão
e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se de arguição de
inconstitucionalidade suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito Público, quando do
julgamento da apelação nº 0000345-45.2000.8.26.0299, proveniente da 1ª Vara de
Jandira, figurando como Relator o Desembargador Décio Notarangeli.
A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade dos arts. 1º e
2º do Decreto Legislativo nº 01/96, do Município de Jandira, por violação aos princípios
da moralidade e razoabilidade, art. 37, caput
da Constituição Federal, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:
“(...)
No entanto, isso não afasta a existência de
ofensa aos princípios constitucionais da Administração (art. 37, caput),
especialmente a moralidade e razoabilidade, como bem sustentou o apelante por
se tratar na espécie de Município notoriamente de pequeno porte, com receita
modesta e grandes carências sociais, daí porque não se pode dar ao luxo de
remunerar seus governantes com subsídios de valores astronômicos, incompatíveis
com a realidade socioeconômica local, sobretudo quando se tem presente que o
referido decreto foi editado no longínquo ano de 1996.
(...)”
É o relato do essencial.
Os arts. 1º e 2º do Decreto
Legislativo nº 01/96 possuem a seguinte redação:
“Art. 1º - Fica fixada a remuneração do Sr. Prefeito para a 8ª Legislatura, a iniciar-se em 01 de janeiro de 1.997 e término aos 31 de dezembro de 2.000, em R$ 14.000,00 (Quatorze mil reais).
Art. 2º - Fica fixada Verba de Representação do Prefeito e do
Vice-Prefeito, para a 8ª Legislatura, a iniciar-se em 01 de janeiro de 1.997 e
término aos 31 de dezembro de 2.000, em R$ 10.500,00 (Dez mil e quinhentos
Reais).”
Os dispositivos normativos contestados são incompatíveis com o art. 37, caput, da Constituição Federal:
“Artigo 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)”
Da mesma forma, com o seguinte preceito da Constituição Estadual, que reproduz o artigo anteriormente citado:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
De fato, os dispositivos
normativos cuja inconstitucionalidade se argui afrontam os princípios da moralidade
e razoabilidade, uma vez que a remuneração e verbas de representação fixadas ao
Prefeito e Vice-Prefeito mostravam-se flagrantemente desproporcionais e
desarrazoadas. Conforme consta dos autos, as remunerações percebidas
ultrapassavam aquelas auferidas pelo Prefeito do Município de São Paulo e do Governador
do Estado de São Paulo e, inclusive, do Presidente da República somada a de um Ministro do Supremo
Tribunal Federal.
Salta aos olhos, pois, que os
critérios para fixação da remuneração não se valeram da necessária sensatez e
destoavam tanto da realidade nacional à época, como especificamente, das
condições socioeconômicas do município de Jandira.
A moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do “bom administrador”. Quando se trata da gestão do patrimônio público, todas as condutas devem concorrer para a criação do bem comum, e, para tanto, devem observar não somente o que é lícito ou ilícito, o justo ou injusto, mas atender a critérios morais que hoje dão valor jurídico à vontade psicológica do administrador. A gestão do dinheiro público exige do administrador prudência muito maior do que aquela que empregamos na gestão dos nossos bens.
Hoje a moralidade administrativa foi erigida em fator de legalidade não só do ato administrativo, mas também da produção normativa.
Não basta, portanto, a conformação do emprego e disponibilidade do dinheiro público à lei, mas também à moral administrativa e ao interesse coletivo.
A fixação de remuneração e verbas de representação em valores estratosféricos não se conforma com a moral administrativa e com o interesse público.
A necessidade de verificar se os valores percebidos pelos Administradores atendem efetivamente ao interesse público está motivada pela sobriedade e prudência que os municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público.
Os dispositivos normativos aqui tratados contrariam o princípio da razoabilidade e moralidade que devem nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 37, caput, da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios face ao art. 144 da mesma Carta.
Por força desse princípio, é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).
A remuneração e verbas de representação fixadas não passam por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) distanciam-se da necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência do Prefeito e Vice-Prefeito, beneficiados; (b) são, por consequência, inadequadas na perspectiva do interesse público; (c) sãos desproporcionais em sentido estrito, pois criam ônus financeiros que naturalmente se mostravam excessivos e inadmissíveis.
A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse C. Órgão Especial, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público. Confira-se: ADI 0136976-34.2011.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, j. 16 de novembro de 2011, ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel; des. Debatin Cardoso.
Diante do exposto, nosso parecer
é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu
acolhimento, declarando inconstitucionais os arts. 1º e 2º do Decreto
legislativo nº 01/96 do Município de Jandira.
São Paulo, 08 de junho
de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
iccb