Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

 

Processo n. 0031424-41.2015.8.26.0000

Suscitante: 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. § 1° do art. 1° da Lei n. 1.315/11, do Município de Paulo de Faria. Proteção do meio ambiente e defesa da saúde. Não acolhimento. 1. Detém o Município competência para defesa do meio ambiente e da saúde da população. 2. Norma referente a interesse predominantemente local. 3. Não acolhimento.

 

 

 

Egrégio Tribunal:

1.                                Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela colenda 2ª Câmara de Direito Público no julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença que denegou mandado de segurança o qual objetivava a permissão para a cultura de seringueira e cana-de-açúcar na propriedade do impetrante (fls. 2/18). O venerando acórdão tem a seguinte fundamentação (fl. 212):

“(...)

Conclusivamente, o § 1°, do art. 1°, da Lei Municipal n° 1.315/2011 padece de inconstitucionalidade, dispondo sobre direito civil e agrário, invadindo competência legislativa privativa da União, não se tratando de norma que versa sobre assunto de interesse local.

(...)”

 

2.                É o relatório.

3.                O incidente não merece acolhimento.

4.                De proêmio, a análise sobre a constitucionalidade da limitação prevista no § 1° do art. 1 deve considerar o contexto no qual ela está inserida, para isto vejamos:

“Art. 1° Fica expressamente proibido novos plantios de cana–de–açúcar, eucalipto, seringueiras e citriculturas dentro do perímetro urbano deste Município, exceto nas áreas destinadas à pesquisa e viveiros de mudas das espécies vegetais retro mencionadas, bem como em pequenas áreas destinadas ao consumo próprio da propriedade, devidamente comprovadas.

§ 1º Fica, também, proibidos novos plantios das culturas referidos no caput deste artigo até um raio de 500m (quinhentos metros) do perímetro urbano deste Municipio.

§ 2º Ficam ainda, expressamente proibidos novos plantios de cana – de – açúcar, eucalipto, seringueiras e citriculturas no Municipio até distância de;

I – 50 m (cinqüenta metros) das reservas nativas localizadas na área rural;

II – 100 m (cem metros) das margem do Rio Grande;

III – 80 m (oitenta metros) das margens do córrego de onde é realizado o abastecimento de água.

IV – 50 m (cinqüenta metros) das margens dos demais córregos e nascentes.

 

Art. 2° Qualquer cultura, a ser desenvolvida no Município, terá que obedecer aos critérios de prevenção ambiental, estabelecidos em Leis, cabendo aos que agridem ou degradem o meio ambiente a obrigação de recuperá – lo, inclusive as matas ciliares das margens dos mananciais que banham as receptivas propriedades rurais e ainda as reservas legais.

 

Art. 3° Para celebração de qualquer ajuste agrário, firmado por proprietário, arrendatário ou quem de direito, que vise o plantio e/ou cultivo de outras culturas dentro do perímetro urbano deste Município de Paulo de Faria/ será obrigatória a obtenção de alvará junto à Prefeitura, o qual será expedido sem ônus para o interessado, visando o cumprimento das Leis Ambientais, tanto nas esferas municipal, estadual e federal.

 

Art. 4º Fica terminantemente proibida a aplicação de inseticidas e outros insumos de natureza tóxica em lavouras localizadas dentro do perímetro urbano desta cidade.

 

Parágrafo único. As lavouras plantadas dentro do perímetro urbano só poderão ser pulverizadas com inseticidas biológicos, seguindo orientação contida em receituários técnicos agrônomos.

 

Art. 5º A Prefeitura Municipal de Paulo de Faria/SP, por meio do órgão competente, deverá veicular uma campanha de conscientização dirigida aos proprietários de terras dentro do perímetro urbano , com o objetivo de esclarecer os meios de utilização racional do solo sem aplicação de produtos tóxicos.

 

Art. 6º As instituições financeiras sediadas neste Município de Paulo de Faria/SP ficam impedidas de financiarem lavouras localizadas dentro da área prevista nesta Lei que estejam em desacordo com as determinações nela contidas ou que utilizem substancias tóxicas no controle de pragas.

 

Art. 7º Para aplicação e efeito desta lei, constitui infração toda ação e omissão na inobservância dos preceitos nela estabelecidos ou na desobediência às determinações de caráter normativo dos órgãos ou das autoridades da administração componentes.

 

Art. 8º O descumprimento de qualquer dispositivo presente Lei acarretará ao infrator, pessoa física ou jurídica, o pagamento de multa no valor de 10.000 UFM’s (Dez Mil Unidades Fiscais do Municipio) por alqueire plantado irregular e ilegalmente, obedecidas as seguintes condições:

I – Nos casos em que não for possíveis apurar o infrator, poderão ser responsabilizados solidariamente pelo pagamento da multa o proprietário do imóvel, o proprietário da lavoura cultivada e a instituição que financiar as lavouras.

II – Em caso de reincidência o valor da multa será aplicado em dobro, sendo triplicado em caso de nova reincidência.

 

Art. 9º Todos os valores referidos no artigo anterior, oriundos do descumprimento da presente Lei, serão destacadas ao fundo Municipal do Meio Ambiente para a preservação, recuperação e fiscalização do Meio Ambiente.

 

Art. 10 Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” (sic)

5.                Não há qualquer espaço para dúvida quanto ao Município deter competência administrativa e legislativa para fins de promover a defesa do meio ambiente, bem como zelar pela saúde dos munícipes.

6.                Nesse sentido dispõe o art. 23, II, VI, VII, da Constituição de 1988, que atribui competência concorrente à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (c) preservar as florestas, a fauna e a flora.

7.                Ademais, ensina a doutrina:

“Existem matérias sobre as quais tanto a União, quanto os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem legislar, sendo os poderes compartilhados entre as unidades federativas. Podemos ditar, como exemplos, a proteção e defesa da saúde, a proteção do meio ambiente e controle da poluição. Nesses casos, diz-se que a legislação é concorrente, no sentido de que cada ente federativo possui um quinhão do poder legislativo, nessa partilha de competências. A matéria não é exclusiva e nem privativa de ninguém, podendo, pois, ser objeto de legislação federal, estadual, distrital ou municipal” (Joaquim Castro Aguiar. Competência e Autonomia Dos Municípios na Nova Constituição, Forense: Rio de Janeiro, 1995, p. 24).

8.                Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente, pode ser extraída da previsão contida no art. 30, I e II da Constituição Federal, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

9.                Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º, da Constituição de 1988 impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

10.           A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa, que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe como princípios gerais a serem obsequiados, a defesa do consumidor e do meio ambiente.

11.           Ainda, a restrição imposta não incide em todo território municipal, mas somente em uma pequena faixa contígua ao perímetro urbano, o que afasta por completo qualquer alegação de eventual ofensa ao princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade.

12.           Feitas essas considerações, extrai-se da leitura da lei municipal, anteriormente transcrita, na qual está inserido o objeto de análise deste incidente, que o intuito do legislador municipal, principalmente pelo disposto no art. 2° e 4°, foi de proteger o meio ambiente, como também a saúde dos munícipes.

13.           Por esta perspectiva, fixou o legislador a distância prevista no § 1° do art. 1° – de 500 metros do perímetro urbano.

14.           Os munícipes, com efeito, ficaram resguardados dos malefícios advindos dos agrotóxicos comumente utilizados nas plantações.

15.           Além disto, a distância estabelecida mostra-se razoável e adequada, pois, como é sabido, a prática de queimada utilizada na colheita da cana-de-açúcar é extremamente prejudicial para a saúde humana.

16.           Não há que se falar, contudo, de qualquer inconstitucionalidade do § 1° do art. 1° da Lei n. 1.315/11, do Município de Paulo de Faria.

17.           Face o exposto, opino pelo não acolhimento do incidente.  

                    

                  São Paulo, 29 de junho de 2015.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

ef/acssp