Parecer em
Incidente de Inconstitucionalidade
Processo nº 0035134-69.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça
Agravante: (...)
Agravado: Fazenda
Pública do Estado de São Paulo
Ementa:
1)
Incidente de
inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97,
acrescentado pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12, que incluí entre os títulos
sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações
públicas.
2) Questão já enfrentada pelo Órgão Especial, nos autos de Incidente de Inconstitucionalidade nº 0007169-19.2015.8.26.0000, que reconheceu a constitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97.
3) Inviabilidade da arguição (art. 481, parágrafo único, do CPC).
4) Parecer pelo não-conhecimento.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se de arguição de
inconstitucionalidade suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito Público, quando do
julgamento do agravo de instrumento nº 2007814-10.2015.8.26.0000, da Vara da
Fazenda Pública de Vargem Grande do Sul, figurando como Relator o Desembargador
Oswaldo Luiz Palu.
A Col. Câmara argui a
inconstitucionalidade art. 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pela Lei nº
12.767/12, por existência de vício formal no processo legislativo, tendo ficado
consignado no acórdão o seguinte:
“(...)
3. A Lei nº 12.767/2012, em seu artigo 25,
incluiu o parágrafo único ao artigo 1º, da Lei nº 9.492/97, que ‘Define competência,
regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos
de dívida e dá outras providências’.
4. Ocorre que referida Lei nº 12.767/12
advém de projeto de lei de conversão, originariamente uma medida provisória, a
de nº 577, de 29 de agosto de 2012. Pois bem, este ato executivo (medida
provisória) cuidou especificamente sobre a extinção das concessões de serviço
público de energia elétrica e a prestação temporária de serviço 3 sobre a
intervenção para adequação de serviço público. E, com a conversão da medida
provisória na Lei nº 12.767/12, o Congresso Nacional inseriu no texto legal
matérias dissociadas ao tema que ensejou a edição da referida Medida
Provisória, tais como, concessão de isenção de IPI para taxistas e adequação de
valores de imóveis de programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, além da inclusão das
certidões de dívida ativa dos entes políticos ao protesto. No que interessa,
com base na explícita falta de pertinência temática com o tema da Medida
Provisória nº 577/2012 é que a Confederação Nacional da Indústria – CNI aforou
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.135 por entender que o parágrafo
único do artigo 1º, da Lei 9.492/97 acrescido pelo artigo 25 da Lei 12.767/2012
é inconstitucional. Segundo a entidade há vício formal e material eis que há
flagrante ofensa ao processo legislativo (artigos 59 e 62 da Constituição da
República), bem como ao princípio da separação dos poderes (art. 2º) e, ainda,
ofensa aos artigos 5º, incisos XIII e XXXV; 170, inciso III e parágrafo único e
174, todos da Constituição da República.
Prevê o art. 1º, da Lei nº 9.492/97:
‘Art.
1º - Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o
descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Parágrafo
único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida
ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas. (Incluído pela Lei nº
12.767/2012)’
Já de si estranho criar-se um modo de
protesto a um título público, administrativo --- certidão da dívida ativa ---
elaborado unilateralmente pelo credor e que já goza de prerrogativas da certeza
e liquidez. O Estado atribui-se, pois, enorme desigualdade em relação ao
cidadão comum, eis que seus títulos já gozam de privilégios em sua exação
judicial. (...)
5. Ora, a competência deferida ao Poder
Legislativo não é ilimitada e, ainda, conforme já decidido pelo Supremo
Tribunal Federal em ADI nº 3.288-MG: ‘O Poder Legislativo detém a competência
de emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa
reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder
Legislativo conhece, porém, duas limitações: a) a impossibilidade de o
Parlamento veicular matéria estranha à versada no projeto de lei (requisito de
pertinência temática); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos
projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e
4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I, do art. 63 da
CF). Constata-se que ao incluir o parágrafo único no art. 1º, da Lei 9.492/97
versando sobre matéria estranha à medida provisória que tinha seu processo
legislativo em tramitação, o Poder Legislativo atuou ultra vires, ultrapassou
sua competência constitucional’.
5.1. Naturalmente, o poder de modificação dos
projetos de lei é ínsito à função legislativa. É indispensável, entretanto, que
versem sobre a estruturam os princípios e o espírito do projeto original.
Afinal, a emenda tem por objeto a proposta formulada e se insere no
procedimento legislativo ativado pelo titular da iniciativa. A este cabe
escolher a matéria para a lei e à emenda é defeso modifica-la (Cf. Serio
Galeotti, Contribuindo as una teoria del procedimento legislativo, Milano,
Giuffrè, 1957, pág. 254; Enrico Spagna Musso, Emendamento, Enciclopedia del
Diritto, XIV, 1965, pág. 829 e L’iniziativa nella formazione dele leggi, págs.
183 ss.).
Em suma: na hipótese em exame só é
admissível a emenda em que guarde pertinência com o objeto da proposta. Nesse
sentido sempre houve convergência entre a jurisprudência (v.g., Cf. STF, Pleno,
ADI 546-RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 13.8.98; ADIMC 1.834-SC, rel.
Min. Maurício Corrêa, j. em 8.6.98) e a doutrina (Cf., v.g., Caio Tácito,
‘Poder de iniciativa e poder de emenda’, RDA 28/51; José Afonso da Silva,
Princípios do processo de formação das leis no Direito Constitucional, São
Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1964, n. 78, pág. 173).
Em verdade, emendas que propõem
regulamentação legislativa substancialmente diversa não são, propriamente,
emendas, mas verdadeiros atos de iniciativa legislativa concorrentes ao projeto
de lei ao qual se opõem (Cf. Enrico Spagna Musso, idem). E se um projeto é
totalmente emendado, o que houve, verdadeiramente, foi a rejeição da
regulamentação proposta e a concretização de outra completamente diversa (Cf.
Enrico Spagna Musso, cit. Pág. 832).
5.2. Também viola o dispositivo em questão o
princípio da livre iniciativa do artigo 170 da Constituição, sendo ser vedado
ao Estado criar embaraços à atividade econômica, especialmente utilizando
método que anula, completamente, eventual direito de contrapor-se o cidadão ao
ato estatal. Falta-lhe razoabilidade.
(...)
6. Desta forma, suspendo o julgamento e,
pelo meu voto, submeto a questão a este C. Órgão Especial do Tribunal de
Justiça, a quem compete, se e quando for o caso, a declaração incidental de
inconstitucionalidade de lei, consubstanciado na norma do artigo 481, do CPC,
artigo 97 da Constituição da República e Súmula Vinculante nº 10 do STF, que
assim prescreve: ‘viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a
decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente
a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua
incidência no todo ou em parte.’ No mesmo sentido o artigo 193, do RITJSP:
‘Art. 193. O incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público
será suscitado pelo órgão julgador fracionário do Tribunal, de ofício ou a
requerimento do interessado, para apreciação do Órgão Especial, nos termos da
Constituição Federal e da lei processual civil.’
(...)”
(fls. 79/84 e 87)
É o relato do essencial.
No caso em análise, todavia, existe óbice à instauração do incidente.
É que, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC, “os órgãos fracionários dos tribunais não
submeterão ao plenário ou ao órgão especial, a arguição de
inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do
Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.
A questão constitucional em análise já foi enfrentada pelo C. Órgão Especial no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0007169-19.2015.8.26.0000, como demonstra a seguinte ementa:
“Arguição de inconstitucionalidade. Lei 12.767/2012, que acrescentou dispositivo à Lei nº 9.492/97 de modo a admitir extração de protesto de certidões de dívida ativa. Alegação de falta de pertinência temática entre a emenda legislativa que acrescentou aquela disposição e o teor da Medida Provisória submetida a exame. Irrelevância. Pertinência temática que a Constituição da República só reclama nos casos nela indicados em ‘numerus clausus’, rol que não compreende o tema em questão. Sanção presidencial que, ademais, validou o acréscimo feito pelo Legislativo, perdendo sentido, destarte, discussão sobre a regularidade formal daquela modificação. Inconstitucionalidade não reconhecida.”
O pronunciamento anterior do C. Órgão Especial já reconheceu a constitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, acrescentado pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12, constituindo-se em óbice ao conhecimento deste incidente.
Diante do exposto, nosso
parecer é no sentido do não conhecimento do incidente de inconstitucionalidade
do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97,
acrescentado pelo art. 25 da Lei nº 12.767/12.
São Paulo, 08 de junho de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca/dcm