Parecer em
Incidente de Inconstitucionalidade
Processo nº 0036277-93.2015.8.26.0000
Suscitante: 10ª Câmara
de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo
Apelante: Câmara
Municipal de Santa Bárbara d’Oeste
Apelado: Ministério
Público do Estado de São Paulo
Ementa:
1)
Incidente de
inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 58/09, do Município de Santa Bárbara d’Oeste, que cria cargos em comissão de “Assessor Parlamentar” I,
II, III e IV.
2) Cargos de provimento em comissão cujas atividades não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, mas funções meramente técnicas, burocráticas, operacionais ou profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, através de concurso público, de sorte que seu provimento pela via comissionada ofende a Constituição (art. 37, caput, II e V, CF e arts. 111; 115, II e V, CE).
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela Col. 10ª Câmara de Direito
Público, quando do julgamento da apelação nº 0000380-93.2011.8.26.0533, proveniente
da 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Bárbara d’Oeste, figurando como Relatora a
Desembargadora Teresa Ramos Marques.
A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade
da Lei Complementar nº 58/09, do Município de Santa Bárbara d’Oeste, por
violação aos princípios da legalidade, moralidade administrativa, obrigatoriedade
do concurso público e impessoalidade, tendo ficado consignado no acórdão o
seguinte:
“(...)
Na hipótese em julgamento os cargos criados pela Lei Complementar nº 58/09 não pressupõem o vínculo de confiança que legitima o regime de livre nomeação e exoneração.
(...)
Na verdade, a permissão para a contração dirigida, sem submissão do interessado a processo de seleção pública, coloca em risco a Administração municipal, na medida em que afasta a contração de candidato melhor qualificado para o desempenho das funções públicas.
(...)”
É o relato do essencial.
O art. 7º da Lei Complementar nº 58/09
possui a seguinte redação, verbis:
“Art. 7°. Compete aos Assessores Parlamentares:
I – atender e prestar esclarecimentos aos que os procuram;
II – agendar reuniões, audiências e outros compromissos do titular;
III – elaborar e expedir as correspondências próprias;
IV – manter arquivo das correspondências recebidas e expedidas e de outros documentos de interesse deste;
V – efetuar o controle das pautas das sessões e de proposições legislativas de interesse deste;
VI – assessorar o titular no desempenho de suas atribuições;
VII – organizar as reuniões por eles promovidas, providenciando a pauta e os convites aos participantes;
VIII – colaborar na organização e na realização de audiências públicas por eles promovidas a requerimento do titular; e
IX – executar outras tarefas determinadas pelo titular e inerentes às atribuições deste.”
E, os arts. 10 a 12 dispõem que:
“Dos Cargos Em Comissão E Funções De Confiança
Art. 10. Fica criado o Quadro de Cargos em Comissão da Câmara Municipal, com as denominações, quantidades, exigências e salários definidos no Anexo I desta Lei.
§ 1°. As atribuições dos cargos em comissão são definidas pela unidade organizacional em que está lotado, conforme competências definidas nesta Lei.
§ 2°. O empregado concursado nomeado para cargo em comissão perceberá uma gratificação correspondente à diferença entre o salário do seu emprego e o atribuído ao cargo em comissão ocupado, definido no Anexo I desta Lei.
Art. 11. A nomeação para os cargos em comissão e a designação para função de confiança é de competência do presidente da Câmara.
Art. 12. A nomeação para os cargos de assessor parlamentar observará:
I – a indicação do Vereador;
II – o limite de gasto de R$ 5.200,00 com salários de assessores por Vereador, considerando o nível atribuído, conforme Anexo Único;
III – o limite de até 04 (quatro) assessores parlamentares por Vereador.
Parágrafo único. Aplica-se automaticamente o mesmo índice e percentual de alteração dos vencimentos dos servidores municipais decorrente da revisão geral anual prevista no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal ao limite previsto no inciso II, deste artigo. ”
Por fim, consta do Anexo I, mencionado no caput do art. 10 supra transcrito:
ANEXO I |
|||
QUADRO DE CARGOS EM COMISSÃO |
|||
DENOMINAÇÃO |
EXIGÊNCIA |
QUANTIDADE |
SALÁRIO |
Diretor |
Nível
Superior |
4 |
5.000,00 |
Chefe de
Setor |
Nível
Superior |
9 |
3.600,00 |
Assessor
Técnico I |
Nível
Superior |
2 |
4.500,00 |
Assessor
Técnico II |
Nível
Superior |
3 |
6.000,00 |
Assistente
de Direção |
Nível Médio |
7 |
2.900,00 |
Assessor Parlamentar I |
Nível
Fundamental |
84 |
600,00 |
Assessor Parlamentar II |
Nível
Fundamental |
1.300,00 |
|
Assessor Parlamentar III |
Nível
Fundamental |
2.300,00 |
|
Assessor Parlamentar IV |
Nível Médio |
2.900,00 |
Os dispositivos normativos contestados são incompatíveis com art. 37, caput, II e V, da Constituição Federal:
“Artigo 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II - a
investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Da mesma forma, com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, que reproduzem os dispositivos anteriormente citados:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração
pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por
qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes
normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas
e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissões, declarado em lei,
de livre nomeação e exoneração;
(...)
V – as funções de confiança, exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção,
chefia e assessoramento.”
De fato, não
se nega ao Município, no exercício da autonomia que lhe é peculiar, a
possibilidade de estruturar a organização burocrática com cargos de provimento
comissionado, mas, nessa empreitada, deve manter respeito às normas constitucionais,
que apontam no quadro de pessoal da Administração Pública o provimento efetivo
como regra e o provimento em comissão como exceção, destinada às funções de
assessoramento, chefia e direção em que desponte como essencial a relação de
confiança.
Além disso, é indispensável que a lei criadora
do cargo comissionado descreva suas respectivas atribuições que só podem ser de
assessoramento, chefia e direção.
A jurisprudência proclama a
inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que
possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas
demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia
ou direção (STF,
ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u.,
DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux,
26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli,
Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux,
11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão
Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).
“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).
Da leitura do disposto no art. 7º da Lei Complementar nº 58/09,
percebe-se a tentativa do legislador municipal de discriminar as atribuições
dos cargos comissionados de “Assessor Parlamentar”, criados no modelo de livre
nomeação, em virtude da suposta natureza fiduciária exigida dos ocupantes de
cargos desse jaez.
No entanto, embora a edição dos referidos cargos tenha se
alicerçado na forma de provimento em comissão, cujo plexo de atribuições
reclama atribuições de direção, chefia e assessoramento, fácil concluir que os
referidos cargos revelam plexo de caráter estritamente ordinário, de sorte a
restar patente a inconstitucionalidade da edição dos aludidos postos nos moldes
em que foram editados.
A instituição de cargos em comissão, à luz da Carta
Republicana de 1988, não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou
desproporcional.
Em respeito ao art. 37, II e V, da
Constituição Federal de 1988, reproduzido no art. 115, II e V, da Constituição
Estadual, sua edição impõe a presença das atribuições de assessoramento, chefia
e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo defesa,
portanto, ao exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é
reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em certame de provas ou
de provas e títulos (art. 115, II e V, CE).
Conforme
balizada jurisprudência, não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento
de qualquer cargo ou emprego público, mas tão somente àqueles que requeiram
relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento,
chefia e direção.
Ou seja, a instituição de cargos
desse jaez somente encontra fundamento legítimo quando alicerçada em
atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e direção em nível
superior), às quais se exige relação de confiança, pouco importando a
denominação ou forma de provimento atribuídas, pois,
Destarte, em obediência aos imperativos
da Carta Maior, na edição de cargos comissionados se faz necessária a
perquirição de sua natureza excepcional amparada no elemento fiduciário, não
satisfeito pela mera declaração do legislador quando da atribuição do nome in iuris ao cargo, sendo assaz relevante
uma análise do plexo de atribuições das funções públicas, que reclama as
conhecidas atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior,
nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes
políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão
e controle de diretrizes político-governamentais.
Entretanto,
na contramão dos entendimentos perfilhados no curso desta inicial, a Lei nº
598/04 editou os cargos vergastados (Assessor Parlamentar I, II, III e IV) em
contrariedade aos mandamentos constitucionais incidentes sobre a temática.
A
partir da análise das funções desempenhadas pelos ocupantes dos referidos
postos, é cristalino o vício na forma elegida pelo legislador para a
instituição dos cargos em epígrafe, posto que suas atribuições arroladas no
art. 7º do aludido diploma evidenciam funções meramente burocráticas e
ordinárias, a ponto de não se permitir a excepcional via do provimento em
comissão.
Ora,
as atividades descritas neste dispositivo legal não exigem de seu ocupante
especial relação de confiança para com o agente político que o nomeou,
porquanto não se encontram em espectro voltado à articulação, à coordenação, à supervisão
e ao controle de diretrizes político-governamentais.
Em
verdade, as funções descritas no acostado dispositivo revelam, isso sim, o
caráter ordinário dos cargos de “Assessor Parlamentar”,
vez que podem ser desempenhadas por qualquer agente, não se fazendo razoável,
portanto, a burla à regra de provimento erigida pelo Constituinte
Originário, que se funda na escolha via concurso público, sob pena de afronta
direta ao texto constitucional.
Diante do exposto, nosso parecer
é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu
acolhimento, declarando inconstitucionais os arts. 7º e 10 a 12, no tocante aos
cargos de “Assessor Parlamentar” I, II, III e IV, constantes do Anexo I, todos
da Lei Complementar nº 58/09, do Município de Santa Bárbara d’Oeste.
São Paulo, 18 de junho de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
iccb