Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0037660-43.2014.8.26.0000

Suscitante: 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Ementa:

1.      Constituição Federal. Cumulação de proventos de aposentadoria e pensão por morte do marido. Benefícios independentes, de natureza e fatos geradores distintos. Não incidência do disposto no artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal.

2.      Parecer no sentido de ser proclamada a não aplicabilidade do teto constitucional.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

Inconformada com a respeitável sentença (fls. 366/368) que julgou improcedente a ação que propôs contra o Instituto de Previdência dos Municipiários de Catanduva – IPMC, por meio da qual pretende a cessação de corte que o requerido vem realizando no valor da pensão recebida por morte de seu marido, sob o fundamento de que, somado com o dos proventos de sua aposentadoria, o total superaria o teto previsto no artigo 37, XI, da Constituição Federal, (...) interpôs recurso de apelação, pretendendo a procedência da ação, argumentando, em síntese, violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.

A Colenda 2ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento ao recurso, alterando a sentença para julgar procedente a ação, para que a autora recebesse a integralidade de seus proventos de aposentadoria cumulados com a pensão, condenando a requerida no pagamento das parcelas atrasadas, respeitando-se a prescrição quinquenal, em acórdão assim ementado (fls. 456/464):

“SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL – Cumulação – Proventos de aposentadoria e pensão – Redução – Inadmissibilidade – O pagamento cumulativo de aposentadoria e pensão não pode ser reduzido ao valor do subsídio da remuneração do Prefeito – Inexistência de violação ao art. 37, XI, da Constituição Federal – Espécies remuneratórias distintas – Recurso provido”

O Colendo Supremo Tribunal Federal, todavia, julgando procedente a reclamação proposta pelo apelado, cassou o venerando acórdão, reconhecendo o descumprimento do comando vinculante contido no verbete da Súmula nº 10, e, via de consequência, a violação à cláusula de reserva de plenário (fls. 571/575).

Em vista disso, a Colenda 2ª Câmara de Direito Público suspendeu o julgamento do recurso de apelação e remeteu os autos a esse Colendo Órgão Especial, suscitando o incidente de inconstitucionalidade (fls. 589/599).

É o relatório.

O parecer é no sentido da não incidência, no caso concreto, do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal.

De proêmio - e com a devida vênia -, cumpre observar que a solução da controvérsia não deverá se dar com base nos institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, uma vez que a morte do marido da apelante, fato gerador do direito ao recebimento da pensão, ocorreu em data posterior à promulgação da Emenda nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que deu nova redação ao inciso XI do artigo 37 da Carta da República.

Nesse sentido, portanto, não se vislumbra inconstitucionalidade da Emenda nº 41/2003 por ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, pela singela razão de que a apelante, na data da promulgação da emenda, não tinha direito ao recebimento do benefício.

Não obstante isso, forçoso reconhecer que a limitação contida no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal não deverá ser aplicada ao caso em apreço.

Deveras.

A apelante, funcionária pública municipal, aposentou-se na data de 31 de julho de 1981; era casada com (...), servidor público municipal aposentado em 29 de junho de 1979, morto em 10 de junho de 2004.

Requerida a pensão por morte do marido, o apelado limitou o valor da somatória dos benefícios ao subsídio do Prefeito Municipal de Catanduva, disso surgindo a controvérsia.

Pois bem.

De acordo com o ensinamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro, “Aposentadoria é o direito à inatividade remunerada, assegurado ao servidor público em caso de invalidez, idade ou requisitos conjugados de tempo de exercício no serviço público e no cargo, idade mínima e tempo de contribuição” (Direito Administrativo, 27ª edição, Editora Atlas, p. 641).

Pensão, segundo o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello, “é a importância que, por motivo da morte do servidor, passa a ser mensalmente dispensada a um dependente seu ou, se houver mais de um, dividida entre eles (...) na conformidade dos critérios legais (...)”. Quanto à natureza do benefício, - prossegue o eminente administrativista - “a pensão será vitalícia ou temporária (...) e paga integralmente ao beneficiário quando existir um único (...). A pensão vitalícia dura até a morte do beneficiário e se extingue caso não haja outro beneficiário (...)” (Curso de Direito Administrativo, 31ª edição, Malheiros, pag. 326/327).

Os proventos - designação técnica dos valores pecuniários devidos aos inativos - e a pensão são benefícios independentes e autônomos. O fato gerador da aposentadoria é o exercício do cargo público aliado ao preenchimento de requisitos previstos na Constituição Federal e legislação complementar. O fato gerador da pensão, diferentemente, é a morte do servidor público.

Dessa diversidade de natureza e de fatos geradores decorre que os proventos e a pensão devem ser avaliados separadamente para efeito do cálculo do teto salarial previsto no artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, não sendo permitido que se proceda à somatória dos valores dos benefícios para que o total seja limitado ao teto constitucional.

Mutatis mutandis, assim já decidiu a 3ª Câmara de Direito Público desse Egrégio Tribunal:

“Servidores Públicos Inativos - Pretensão dos autores de afastar a contribuição previdenciária incidente sobre a soma dos valores recebidos a título de aposentadoria e pensão, ultrapassando o limite constitucional do art. 40, §18 - O teto constitucional não pode incidir sobre a soma da aposentadoria e da pensão, por se tratar de institutos de origens diversas, com instituidores diferentes - Conforme se observa da norma constitucional, não há regra que estabeleça o somatório dos valores para fins de incidência da contribuição. Recursos oficial e voluntário da Fazenda do Estado e da São Paulo Previdência não providos”.

Esse Colendo Órgão Especial, aliás, na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0197956-73.2013.8.26.0000, suscitada pela 7ª Câmara de Direito Público, reconheceu a impossibilidade de se somar os valores da aposentadoria e da pensão para efeito do cálculo do teto remuneratório. Confira-se:

“(...)

E, de fato, como a Constituição da República não determinou nem autorizou a soma desses benefícios (aposentadoria e pensão) para efeito do cálculo do teto de imunidade da contribuição previdenciária, não poderia o Estado inovar nessa área, para estabelecer, com apoio no resultado daquela soma de valores, uma modalidade de incidência tributária não prevista no texto constitucional.

Não há falar-se, nesse caso, na existência de norma constitucional implícita, porque quando a Constituição quer se referir à necessidade ou possibilidade de soma de valores ou benefícios para determinado fim ou efeito, sempre o faz de forma expressa, como ocorre, por exemplo, nas hipóteses do art. 29-A e do artigo 97, § 3º, e principalmente do art. 40, § 11, este referente à soma dos proventos de inatividade para cálculo do teto salarial previsto no artigo 37, inciso XI.

No que se refere a este último exemplo, relativo ao teto salarial dos servidores, é importante considerar que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que aquela soma (embora expressamente prevista) não pode abranger benefícios de natureza diversa (STA nº 371/SP, Rel. Ministro Gilmar Mentes, DJ. 10.11.09), o que aliás, confere respaldo de juridicidade à sustentação da C. Câmara suscitante, no que diz respeito ao questionamento da constitucionalidade da norma aqui impugnada (art. 9º, parágrafo único, da Lei Complementar nº 1.012, de 05 de julho de 2007), uma vez que os dois casos envolvem situações semelhantes.

(...)

Conforme lição de Hely Lopes Meirelles, ‘a aposentadoria é a garantia de inatividade remunerada reconhecida aos servidores que já prestaram longos anos de serviço, ou se tornaram incapacitados para suas funções’ (‘Direito Administrativo Brasileiro’, 33ª edição, página 458). A pensão, por sua vez, constitui benefício pago aos dependentes, tanto que o contribuinte, na hipótese de pensão por morte, ao contrário do que ocorre na aposentadoria, não é o beneficiário, e sim o segurado.

Não custa lembrar que o fato gerador da contribuição dos inativos é a percepção de ‘proventos de aposentadorias e pensões que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201’, como está expressamente previsto no art. 40, § 18, da Constituição Federal, sem alguma consideração, entretanto, a respeito da possibilidade de soma de benefícios diferentes para que o resultado dessa soma possa integrar a base de cálculo.

O Supremo Tribunal Federal, a respeito de tema semelhante, referente à soma de benefícios para alcançar o teto salarial previsto no art. 37, inciso XI, da Constituição da República (STA nº 371/SP, Rel. Min. Gilmar Mentes, Dj. 10.11.09), decidiu que ‘não pode o poder público, e não podem as requeridas, unificar aposentadoria e pensão, para depois descontar a título do subteto, devendo cada verba ser considerada isoladamente. Assim, desde logo afirma-se o direito à percepção integral da aposentadoria, que não alcança o subteto.’

Interpretação semelhante consta do Parecer TC-009.585/2004-9, emitido pelo Tribunal de Contas da União, que, em resposta a consulta do Tribunal Superior do Trabalho, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 1º, inciso XVII, da Lei Federal nº 8443/1992, também se posicionou, em caráter normativo, no sentido de que não incide o teto constitucional sobre o montante resultante da acumulação do benefício de pensão com proventos da inatividade, com apoio na seguinte conclusão:

‘... Retomando as considerações acerca dos fatos geradores das parcelas a serem acumuladas, nos termos da Consulta do Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, cabe mencionar que os benefícios decorrentes da seguridade social do servidor, na forma definida pela Constituição Federal e pela Lei nº 8.112/90, aposentadoria e pensão, observam a lógica do regime contributivo. Cada servidor, mediante desconto mensal para a seguridade social, conforme parâmetros fixados em lei, contribui para o fundo, genericamente falando, que, no futuro, arcará com os desembolsos decorrentes do pagamento de sua aposentadoria ou da pensão de seus beneficiários. O fato gerador do direito à pensão é a morte do segurado. Já no caso da remuneração e da aposentadoria é o exercício do cargo público e o preenchimento dos requisitos definidos para a inatividade. Nesse sentido, a cada servidor são assegurados esses benefícios. Não há, portanto, que se confundir servidores distintos, detentores de direitos distintos, constitucional e legalmente garantidos. A cada um, individualmente, aplicam-se todos os dispositivos relacionados à acumulação de cargos e ao teto de remuneração, em especial quando se fala daqueles de natureza restritiva. Todavia, não é plausível querer extrapolar essas restrições para o somatório dos direitos individuais. A prevalecer essa tese, estaríamos restringindo direitos que a Constituição Federal não restringiu” (grifamos).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente, e por seu acolhimento, declarando-se a não aplicação do teto previsto no artigo, 37, inciso XI, da Constituição Federal.

       

São Paulo, 28 de julho de 2014.

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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