Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0039867-15.2014.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelante: Prefeitura Municipal de Jundiaí

Apelada: Claro S/A

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Art. 7º, da Lei nº 430/05 do Município de Jundiaí. Alegação de inconstitucionalidade por afronta aos arts. 21, XI, 22, IV, e 145, II da Constituição Federal.

2)      Previsão de taxa de compensação ambiental. Ofende o artigo 145, II, da Constituição Federal, a criação de taxa desvinculada da contraprestação estatal, consistente no exercício do poder de polícia ou na prestação de um serviço público.

3)      Serviço de telecomunicações. Competência da União para a sua regulamentação e fiscalização. Arts. 21, XI e 22, IV, da Constituição Federal. Inconstitucionalidade da lei municipal.

4)      Parecer pelo conhecimento e acolhimento do incidente.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 18ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível nº 0003250-12.2008.8.26.0309 da Comarca de Jundiaí.

A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade do art. 7º da Lei nº 430/05, do Município de Jundiaí, que institui a “Taxa de Compensação Ambiental, relacionada ao licenciamento da instalação e funcionamento dos sistemas transmissores”.

Em conformidade com o v. acórdão (fls. 274/278), a inconstitucionalidade do referido dispositivo decorre de sua contrariedade aos arts. 21, XI, 22, IV, e 145, II, da Constituição Federal, pois, nos termos do voto do relator:

“(...) evidentemente, a taxa instituída pela legislação municipal não se ampara em um ‘serviço público’ prestado ou posto à disposição dos contribuintes, e nem se poderia considerar que há exercício de ‘poder de polícia’ da Administração, uma vez que, embora o tributo em tela tenha denominação de taxa, sua conotação diz respeito à ‘compensação ambiental’.

(...)

O impacto de uma determinada obra ou atividade somente pode ser apurado mediante competente licenciamento ambiental, por meio de estudos como o EIA/RIMA.

(...)

Pois bem; analisando-se os autos, verifica-se que não há comprovação de que a instalação de Estações Rádio Base agride o meio ambiente; pelo contrário; nenhum prejuízo foi contatado no processo de licenciamento ambiental.

Assim sendo, ao contrário do que afirma a Municipalidade, tal taxa é indevida, pois, como se pode observar, não houve nenhuma contraprestação estatal no estabelecimento da autora.

(...)

Assim, é evidente de que o artigo 7º da Lei Complementar Municipal nº 430/2005 viola o princípio constitucional previsto no artigo 145, II, da Carta Magna.

Acresça-se, ainda, que tratando-se a autora de permissionária de serviço de telecomunicação, a competência para a regulamentação da prestação de tal serviço de telecomunicações é da União (arts. 21, XI, e 22, IV, da CF), com a intervenção da ANATEL (Lei nº 9.472/97), o que, à evidência, obsta a atuação dos municípios (...)”.

É o relato do essencial.

O incidente deve ser conhecido e merece acolhimento ante os seguintes argumentos.

O art. 7º da Lei nº 430, de 24 de outubro de 2.005 tem a seguinte redação:

“Artigo 7° - Fica instituída a Taxa de Compensação Ambiental, relacionada ao licenciamento da instalação e funcionamento dos sistemas transmissores, que será cobrada anualmente e corresponderá ao valor apurado de acordo com a seguinte expressão (...)”

Da leitura do enunciado supra percebe-se que a inconstitucionalidade “taxa” em epígrafe reside na sua instituição desvinculada de qualquer contraprestação estatal, seja calcada no exercício do poder de polícia ou na prestação de um serviço público, conforme reza o art. 160, inciso II da Constituição Bandeirante. In verbis:

“Artigo 160 - Compete ao Estado instituir:

(...)

II - taxas em razão do exercício do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos de sua atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.”

Cumpre mencionar que tal dispositivo, a despeito de ser dirigido prima facie ao Estado-membro, também é extensível aos municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista, que apenas reproduz a arquitetura traçada pelo artigo 145, II, da Constituição Federal.

Pois bem.

De fato, a competência tributária dos municípios - consubstanciada na capacidade de instituir tributos - encontra limite nas normas da Constituição Federal referentes ao Sistema Tributário Nacional (art. 145 e seguintes), que foram reiterados – e nem poderia ser de outro modo, pelo Constituinte estadual, pois a matéria envolve princípios incontornáveis.

Apesar de não ter criado tributos, é certo que, além de discriminar competências, a Constituição Federal traça a “norma padrão de incidência” de cada um dos tributos que podem ser criados pelos entes federativos.

Em outras palavras, a Constituição Federal, no art. 145, ao conferir competência às pessoas políticas para instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria, traça o modelo de cada um deles, vinculando o legislador ordinário.

Sobre o tema, ensina Roque Antonio Carraza: 

“A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador - a norma padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital) enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.” (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 4º ed., pág. 257).

A matriz constitucional das taxas (CF, art. 145, I) fixa como hipótese de incidência uma atuação estatal (poder de polícia ou serviço específico e divisível) direta e imediatamente referida ao obrigado (cf. Geraldo Ataliba, “Hipótese de Incidência Tributária”, 2º ed., pág. 164).

No mesmo sentido, salienta José Afonso da Silva, em “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 11º ed., pág. 645, que “o fato gerador da taxa é uma situação dependente de atividade estatal: o exercício do poder de polícia ou a oferta de serviço público ao contribuinte.”

Todavia, em sentido diametralmente oposto às considerações supramencionadas, a lei em exame criou uma taxa absolutamente desvinculada das balizas constitucionais mencionadas, violando, por conseguinte, o art. 145, II da CF.

Quando o legislador municipal instituiu contraprestação estatal sob a rubrica de “Taxa de Compensação Ambiental” o fez de forma totalmente desprovida da boa técnica jurídica, porquanto o nome in iuris da exigência em tela já revela que sua imposição não decorre de atividade estatal a ser custeada por tributo, mas de eventual degradação ao meio ambiente, que por ser um bem essencial às presentes e futuras gerações deve ser preservado tanto pelo Poder Público como por toda coletividade (art. 225, CF; art. 191, CE).

Ou seja, a contraprestação ora analisada possui contornos de sanção civil por ato ilícito, decorrente de ofensa ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, vez que a própria legislação ambiental impõe ao poluidor a obrigação de reparar os danos causados ao referido objeto (art. 4º, VII, Lei 6.938/81), devendo aquele que o agride, portanto, recuperar as áreas degradadas pelos meios previstos no ordenamento, dentre os quais, pela similitude com o instituto vergastado, destaca-se o instituto da “compensação ambiental” insculpido no art. 36 da Lei Federal 9.985/00 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação):

“Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.”

Conforme se abstrai do dispositivo acostado, diante de eventual constatação significativo impacto ambiental apontado em EIA/RIMA, compete ao órgão responsável pelo licenciamento exigir do administrado contraprestações voltadas a balancear os efeitos negativos de sua atividade, a fim de preservar o equilíbrio ambiental almejado pelo texto constitucional.

Portanto, tal compensação somente poderia ser exigida diante de eventual ofensa ao direito difuso supramencionado, conforme pontuou com precisão a r. decisão a quo, e a título de sanção civil por ato ilícito ao meio ambiente, jamais sob a égide de uma “taxa”, vez que sua exigência decorreria de violação ao ordenamento, não de atividade estatal ofertada pela Administração.

Outrossim, imperioso consignar que a lei municipal viola, ainda, os artigos 21, XI, e 22, IV, da Constituição Federal, que fixam a competência da União para regulamentação da prestação dos serviços de telecomunicações, pelos motivos que se seguem.

Embora instituída pela municipalidade no intento de compensar eventuais danos ambientais causados pelas antenas licenciadas em seus limites territoriais, a taxa vergastada, à luz de seus elementos estruturantes, revela, na verdade, uma natureza de poder de polícia sobre o sistema de transmissão dos aludidos equipamentos, ex vi do disposto no art. 7º da Lei Complementar nº 430, de 24 de outubro de 2005, que para arbitrar o valor da exação tributária em comento utiliza os seguintes critérios:

“Tca = taxa de compensação ambiental em reais;

N = número de empresas que utilizam as instalações;

H = altura total da torre, inclusive para-raios, em metros;

E = densidade total de radiações eletromagnéticas emitidas por todos os transmissores instalados na torre, em mW/cm2.”

Ora, ao estabelecer como critérios da exação a “altura da torre” e “densidade total de radiações eletromagnéticas emitidas por todos os transmissores”, é visível que o ente municipal adentrou em temática cuja competência fora atribuída somente à União, por força do art. 21, XI da CF, a quem cumpre fiscalizar, por meio de sua respectiva Agência Reguladora (Anatel), as atividades concernentes aos serviços de telecomunicações.

Apenas a título de exemplo, colaciona-se a Lei Federal nº 11.934/09, que em seu art. 11 deixa expressa a competência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para fiscalizar os limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação, em semelhança à fiscalização almejada pela municipalidade, que diante dos fatos ofertados revela-se flagrantemente inconstitucional. In verbis:

“Art. 1º Esta Lei estabelece limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação, de terminais de usuário e de sistemas de energia elétrica nas faixas de frequências até 300 GHz (trezentos gigahertz), visando a garantir a proteção da saúde e do meio ambiente.

Parágrafo único. Estão sujeitos às obrigações estabelecidas por esta Lei as prestadoras de serviço que se utilizarem de estações transmissoras de radiocomunicação, os fornecedores de terminais de usuário comercializados no País e as concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços de energia elétrica.

(...)

Art. 11. A fiscalização do atendimento aos limites estabelecidos por esta Lei para exposição humana aos campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por estações transmissoras de radiocomunicação, terminais de usuário e sistemas de energia elétrica será efetuada pelo respectivo órgão regulador federal.”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e do seu acolhimento, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 7º da Lei nº 430, de 24 de outubro de 2.005, do Município de Jundiaí por violação dos arts. 21, XI, 22, IV, e 145, II, todos da Constituição Federal.

 

São Paulo, 16 de julho de 2014.

 

 

Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico em Exercício

 

 

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