Parecer em
Incidente de Inconstitucionalidade
Processo nº 0040983-22.2015.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara
de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo
Apelante: (...)
Apelado: Município de
Cruzeiro
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei nº 4.169, de 4 de março de 2013, do Município
de Cruzeiro
Ementa:
1. Incidente de inconstitucionalidade. Lei nº 4.169, de 4 de março de 2013, do Município de Cruzeiro, que “altera disposições da Lei Municipal nº 3.967, de 19 de fevereiro de 2010, na forma que menciona”, instituindo a gratuidade da passagem nos veículos de transporte coletivo municipal de Cruzeiro para as pessoas que tenham idade igual ou superior a 60 anos, entre outras providências.
2. A concessão de isenção ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é matéria reservada ao Poder Executivo (art. 120, caput, c.c. art. 159, parágrafo único, da Constituição Estadual).
3. O parâmetro constitucional ao prever a competência do órgão executivo competente para fixação da tarifa (preço público) inclui alterações, isenções etc., e, portanto, a outorga de isenção por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição Estadual. Procedência da ação. Quebra das condições efetivas da proposta, afetando o equilíbrio econômico financeiro do contrato (art. 117, da Constituição Estadual)
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito
Público, quando do julgamento da apelação nº 0002534-80.2013.8.26.0156, proveniente
da 1ª Vara Cível de Cruzeiro, figurando como Relator o Desembargador Moreira de
Carvalho.
A Col. Câmara argui a
inconstitucionalidade da Lei nº 4.169, de 4 de março de 2013, do
Município de Cruzeiro por violação aos artigos 5º, 47, XVIII
e 144 da Constituição Estaduoal, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:
“(...)
Tem-se, assim, que, versando sobre concessão
ou permissão de serviço público, necessariamente a lei é de iniciativa
exclusiva do Chefe do Executivo, inclusive no âmbito municipal, também em
consideração ao disposto no artigo 144 da Carta do Estado de São Paulo.
Desta forma, verifica-se no caso a ocorrência
de inconstitucionalidade formal da lei, que teve o processo legislativo
iniciado por quem não ostenta condição de fazê-lo.
(...)”
É o relato do essencial.
A Lei nº 4.169, de 4
de março de 2013, do Município de Cruzeiro
possui a seguinte redação:
“Artigo 1°- O artigo 4°, da Lei
Municipal n° 3.967, de 19 de fevereiro de 2010, e seus parágrafos, passam a ter
a seguinte redação:
“Artigo 4°- Fica instituída a gratuidade da passagem nos
veículos de transporte coletivo municipal de Cruzeiro para as pessoas
portadoras de deficiência e que tenham idade igual ou superior a 60 (sessenta)
anos.
§1°.
O cidadão portador de deficiência que atenda aos requisitos
desta Lei deverá cadastrar-se junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social, que fornecerá a Carteira de Identificação a ser apresentada ao
motorista ou cobrador.
§ 2.º - Para o
cidadão com idade superior ou igual a 60 (sessenta) anos, basta a apresentação ao motorista ou cobrador de qualquer
documento pessoal oficial, que faça prova de sua idade e que contenha
fotografia.”
Artigo 2.º - Fica revogado, em todos os seus termos, o artigo 5.º da Lei Municipal
n.° 3.967, de 19 de fevereiro de 2010.
Artigo 3.º - O inciso III do
artigo 31 da Lei Municipal
n.° 3.967, de 19 de fevereiro de 2010
passa a ter a seguinte redação:
“Artigo 31 - ..............
I - ..................
II - ................
III – Passe
Social para portadores de deficiência física com dificuldade total ou parcial
de locomoção e deficiência mental, obedecidos os
critérios estabelecidos nesta Lei.”
Artigo 4.º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário.”
A
concessão de isenção ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de
serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é
matéria reservada ao Poder Executivo, nos termos dos artigos 120, caput, e 159, parágrafo único, da
Constituição Estadual, e 30, V, e 175, da Constituição Federal.
Com
efeito, os artigos 120, caput, e 159,
parágrafo único, da Carta Paulista, preveem a competência do Poder Executivo
para fixação da política tarifária na prestação dos serviços comerciais e
industriais, o que inclui alterações e isenções.
Dessa forma, a outorga de isenção, por meio de
lei de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes
constante nos artigos 5º, da Constituição Estadual, e 2º, da Constituição
Federal.
O diploma
impugnado invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder
Executivo, pois envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução
de atos de governo, no caso em análise, representados pela concessão de isenção
tarifária nos serviços de transporte urbano coletivo. A atuação legislativa
impugnada equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a
garantia constitucional da separação dos poderes.
Assim, quando o Poder Legislativo edita lei estabelecendo hipóteses de isenção tarifária no transporte urbano coletivo, como ocorre no caso em exame, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do administrador público, violando o princípio da separação de poderes.
Cumpre
recordar o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo
pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio
constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da
Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza, ademais, que “todo ato do
Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da
Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo,
por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local
(CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada
por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006,
p. 708 e 712).
A importância da reserva da Administração é bem aquilatada pelo Supremo Tribunal Federal:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
Diante do exposto, nosso parecer
é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu
acolhimento.
São
Paulo, 20 de julho de 2015.
Wallace Paiva Martins Júnior
Subprocurador-Geral de Justiça Jurídico
em exercício
iccb