Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0044076-27.2014.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 13ª Câmara de Direito Público

Apelante: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

Apelada: SECON SERVIÇOS GERAIS LTDA

 

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 2252/79 e Decreto Municipal nº 8559/94, de São José dos Campos, que dispõem sobre a cobrança de Taxa de Fiscalização de Funcionamento.

2)      Não admissão do incidente. Lei questionada anterior à vigente Constituição. Situação de incompatibilidade que se resolve pela revogação tácita, tornando desnecessária a realização do controle de constitucionalidade. Precedentes do Col. STF.

3)      Quanto ao Decreto, posterior à Constituição, caso venha a ser reconhecida a revogação tácita da lei, restará ineficaz, em virtude do seu conteúdo estritamente regulamentar, dispensando-se igualmente a instauração do incidente.

4)      Parecer no sentido da não admissão do incidente de inconstitucionalidade.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 13ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da Apelação nº 0019026-48.2013.8.26.0577, relator o Desembargador Souza Meirelles, na sessão realizada em 14 de maio de 2014 (v. acórdão às fls. 135/146).

A Col. Câmara suscitou a inconstitucionalidade relativamente à Lei Municipal nº 2252/79 e Decreto Municipal nº 8559/94, de São José dos Campos, que dispõem sobre a cobrança de Taxa de Fiscalização de Funcionamento, constando do julgado a seguinte ementa:

 “(...)

Apelação cível – Mandado de segurança preventivo – Insurgência em face de normas municipais que preveem a cobrança de Taxa de Fiscalização de Funcionamento, calculada de acordo com o número de empregados do contribuinte e do segmento no qual atua – Legislação municipal que, ao menos em tese, encerra potencial malferição à Constituição da República Federativa do Brasil – Taxa que, por ser tributo vinculado a serviço específico e divisível ou ao exercício do poder de polícia, deve ser calculada segundo o custo da atividade pública desenvolvida – Critérios previstos em lei que parecem destoar desta orientação, tributando fatores alheios à contraprestação do dever fiscalizatório – Necessidade de análise da questão constitucional pelo C. Órgão Especial – Cláusula de reserva de plenário e inteligência do enunciado da Súmula Vinculante nº 10 - Incidente de inconstitucionalidade suscitado de ofício, sobrestado o julgamento do mérito recursal até final pronunciamento do C. Órgão Especial.

(...)”

Do voto do relator consta a seguinte elucidativa passagem:

“(...)

Tudo para dizer que, em razão de suas características próprias, a taxa, a rigor, não pode possuir base de cálculo própria de imposto, tributo este de caráter genérico e desvinculado de qualquer atividade pública específica, incidindo sobre as manifestações de capacidade contributiva.

(...)

A controvérsia, in casu, situa-se justamente nos critérios adotados pela legislação municipal para estipulação da Taxa de Fiscalização de Funcionamento, havendo dúvida sobre serem eles aptos a mensurar adequadamente o custo do exercício do poder de polícia pela Municipalidade quanto ao desempenho da atividade econômica pelos contribuintes.

É dizer, questiona-se se (i) o número de empregados e (ii) o segmento no qual o contribuinte atua (indústria, comércio ou prestação de serviços) constituem critérios relacionados ao poder de fiscalização exercido pela Municipalidade, caso em que poderiam compor a base de cálculo da taxa, ou, se, ao revés, seriam inadequados a aferir o custo da atividade pública, a ensejar a inconstitucionalidade do critério legal.

Logo, conforme ressoa claramente dos autos, o julgamento da lide passa diretamente pela análise da inconstitucionalidade dos critérios adotados pela legislação municipal de São José dos Campos para a incidência da Taxa de Fiscalização de Funcionamento.

E, ao menos prima facie, verifica-se mesmo cenário de potencial malferição ao art. 145. II e § 2º da CRFB, sobretudo porque, o número de empregados do estabelecimento comercial e o segmento da atividade desenvolvidas parecem não se relacionar diretamente ao custo de fiscalização da Municipalidade quanto às condições de segurança, higiene e regularidade do contribuinte.

Os critérios, a bem da verdade, não parecem retratar fielmente o custo incorrido pela Municipalidade, pois, conquanto possam, em alguns casos, corresponder a uma maior ou menor complexidade da atividade fiscalizatória, nem sempre o farão.

(...)”

É o relato do essencial.

O incidente não deve ser admitido.

É que a Lei Municipal nº 2252/79, de São José dos Campos, questionada pela Col. 13ª Câmara de Direito Público é anterior à Constituição Federal de 1988. A partir dessa constatação, chega-se à conclusão de que sua compatibilidade ou não com a ordem constitucional vigente resolve-se pela análise da questão da revogação tácita ou recepção, não havendo espaço, nesse quadro, para a inconstitucionalidade.

Em outras palavras, normas anteriores à Constituição, quando são incompatíveis com aquela, são tacitamente revogadas. Não se discute nessa situação existência de inconstitucionalidade. Trata-se de fenômenos normativos distintos.

E a revogação tácita pode ser declarada pelo órgão fracionário do tribunal, não se sujeitando à observância da cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da CF/88.

Esse entendimento já foi, há muito, assentado pelo Col. STF, como se infere dos precedentes exemplificativamente mencionados a seguir:

“(...)

O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. (ADI 2, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 6-2-1992, Plenário, DJ de 21-11-1997.) No mesmo sentido: ADI 4.222-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 8-2-2011, DJE de 14-2-2011; ADI 888 Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, julgamento em 6-6-2005, DJ de 10-6-2005. Vide: ADI 2.158 e ADI 2.189, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 15-9-2010, Plenário, DJE de 16-12-2010. (g.n.)

(...)

A fiscalização concentrada de constitucionalidade supõe a necessária existência de uma relação de contemporaneidade entre o ato estatal impugnado e a Carta Política sob cujo domínio normativo veio ele a ser editado. O entendimento de que leis pré-constitucionais não se predispõem, vigente uma nova Constituição, à tutela jurisdicional de constitucionalidade in abstrato – orientação jurisprudencial já consagrada no regime anterior (RTJ 95/980 – 95/993 – 99/544) – foi reafirmado por esta Corte, em recentes pronunciamentos, na perspectiva da Carta Federal de 1988. A incompatibilidade vertical superveniente de atos do Poder Público, em face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de pura e simples revogação dessas espécies jurídicas, posto que lhe são hierarquicamente inferiores. O exame da revogação de leis ou atos normativos do Poder Público constitui matéria absolutamente estranha à função jurídico-processual da ação direta de inconstitucionalidade. (ADI 74, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-2-1992, Plenário, DJ de 25-9-1992.) No mesmo sentido: ADI 4.222-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 8-2-2011, DJE de 14-2-2011. (g.n.)

(...)

O Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em situação análoga, não admitiu o Incidente de Inconstitucionalidade nº 0029867-24.2012.8.26.0000, relator o Desembargador Correia Viana, julgado em 30 de maio de 2012, constando do julgado a seguinte ementa:

“(...)

Arguição e inconstitucionalidade – Legislação municipal anterior à vigência da atual Carta Magna – Controle de constitucionalidade que não se afigura viável na espécie – Decisão do órgão fracionário que deve, tão somente, decidir sobre a recepção, ou não, daqueles diplomas perante a nova ordem constitucional – Arguição não conhecida.

(...)”

A conclusão não será diversa, a partir da afirmação de que o Decreto nº 8559/94, que regulamentou a Lei nº 2252/79, é anterior à Constituição, e assim, ao menos quanto a ele (Decreto), deveria ser admitido o incidente.

Note-se que o Decreto é simples regulamentação da Lei. Na medida em que vier a ser reconhecida a revogação tácita da Lei 2252/79 pela ordem constitucional superveniente, restará ineficaz o Decreto nº 8559/94, que a regulamentou, o que demonstra a desnecessidade, do mesmo modo, da instauração do incidente.

Por esses motivos, é descabida a instauração do incidente de inconstitucionalidade, não devendo ser conhecida a arguição, restituindo-se os autos à Col. 13º Câmara de Direito Público para a conclusão do julgamento da apelação.

São Paulo, 29 de julho de 2014.

                         Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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