Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0044545-73.2014.8.26.0000

Suscitante: 3ª Câmara de Direito Público

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Tributário. Incidente de Inconstitucionalidade. ICMS. Catering. Fornecimento de refeições para Aeronaves brasileiras em voos internacionais. Improcedência. 1. Sendo o Convênio ICM n. 12/75 ato normativo antecedente à Constituição de 1988 a arguição de sua inconstitucionalidade é inadmissível porque este vício é sempre congênito, nunca superveniente, de tal sorte que eventual incompatibilidade com a norma constitucional posterior se resolve sempre pela recepção ou pela revogação no âmbito do direito intertemporal. 2. O art. 7º, V, § 1º, 2, do Decreto n. 45.490, de 2000, do Estado de São Paulo, ao enunciar a não incidência do ICMS na operação de saída de produto industrializado, de origem nacional, destinado a uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira estrangeira, aportada no país, autoriza sua incidência para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira brasileira em viagens internacionais. 3. A alínea a do inciso X do § 2º do art. 155 da Constituição de 1988 que em sua redação originária previa o ICMS não incidiria “sobre operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar”, teve sua alteração modificada substancialmente pela Emenda n. 42, de 2003, para contemplar a não incidência do imposto estadual “sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”. 4. Sendo o decreto cronologicamente anterior ao parâmetro constitucional não se trata de inconstitucionalidade, mas, de conflito de direito intertemporal, pois, como dito acima, a incompatibilidade entre norma infraconstitucional e constitucional a ser solucionada pelo princípio da supremacia da Constituição (que, no fundo, remete à hierarquia normativa) deve ser congênita, nunca superveniente, de tal sorte que eventual incompatibilidade com a norma constitucional posterior se resolve sempre pela recepção ou pela revogação. 5. Improcedência da alegação de tratamento desigual porque o ICMS incide na saída de produto para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira brasileira em viagens nacionais ou internacionais, situações em que há circulação econômica entre contribuintes sediados no país, ao passo que a não incidência tributária sobre a saída de produto nacional para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira estrangeira, aportada no Brasil, é vinculada, entre outros requisitos, ao adquirente que esteja sediado no exterior - porque o convênio interestadual equipara a operação à exportação.

 

 

 

 

 

 

Eminente Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.                No julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença que julgou improcedente ação declaratória de inexistência de relação tributária aforada por (...). em face da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO a colenda 3ª Câmara de Direito Público do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suscita a inconstitucionalidade do Convênio ICM n. 12, de 15 de julho de 1975, e do art. 7º, V, § 1º, 2, do Decreto Estadual n. 45.490, de 2000, à luz do art. 150, II, da Constituição Federal (fls. 319/329, 339/343).

2.                É o relatório.

3.                O Convênio ICM n. 12/75, editado nos termos da Lei Complementar n. 24/75, reconfirmado pelo Convênio ICMS n. 37/90 e prorrogado pelos Convênios ICMS n. 102/90 e n. 80/91 e por prazo indeterminado pelo Convênio ICMS n. 124/93, equipara à exportação o fornecimento de produtos para uso ou consumo de embarcações ou aeronaves de bandeira estrangeira aportadas no país, e assim dispõe:

“Cláusula primeira. Fica equiparada à exportação, para os efeitos fiscais previstos na legislação vigente, a saída de produtos industrializados de origem nacional, destinada ao consumo ou uso de embarcações ou aeronaves, de bandeira estrangeira, aportadas no País, observadas as seguintes condições:

I - operação efetuada ao amparo de guia de exportação, na forma das normas estabelecidas pelo Conselho do Comércio Exterior - CONCEX, devendo constar do documento, como natureza da operação, a indicação: ‘fornecimento para consumo ou uso de embarcações e aeronaves de bandeira estrangeira’;

II - adquirente sediado no exterior;

III - pagamento em moeda estrangeira conversível, através de uma das seguintes formas:

a) pagamento direto, mediante fechamento do câmbio em banco devidamente autorizado;

b) pagamento indireto, a débito da conta de custeio mantida pelo agente ou representante do armador adquirente do produto;

IV - comprovação do embarque pela autoridade competente.

Cláusula segunda. A disposição prevista na cláusula precedente se aplica aos fornecimentos efetuados nas condições ali indicadas, qualquer que seja a finalidade do produto a bordo, podendo este destinar-se ao consumo da tripulação ou passageiros, ao uso ou consumo durável da própria embarcação ou aeronave, bem como à sua conservação ou manutenção”.

4.                O Decreto n. 45.490, de 30 de novembro de 2000 (Regulamento do ICMS), editado pelo Estado de São Paulo, prevê o seguinte:

Art. 7º - O imposto não incide sobre (Lei Complementar federal 87/96, art. 3º, Lei nº 6.374/89, art. 4º, na redação da Lei nº 10.619/00, art. 1º, III; Convênios ICM-12/75, ICMS-37/90, ICMS-124/93, cláusula primeira, V, 1, e ICMS-113/96, cláusula primeira, parágrafo único):

(...)

V - a saída de mercadoria com destino ao exterior e a prestação que destine serviço ao exterior;

(...)

§ 1º - O disposto no inciso V, observadas, no que couber, as disposições dos arts. 439 a 450, aplica-se, também:

(...)

2. à saída de produto industrializado de origem nacional para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira estrangeira, aportada no país, desde que cumulativamente:

a) a operação seja acobertada por comprovante de exportação, na forma estabelecida pelo órgão competente, devendo constar na Nota Fiscal, como natureza da operação, a indicação: ‘Fornecimento para Uso ou Consumo em Embarcação ou Aeronave de Bandeira Estrangeira’;

b) o adquirente esteja sediado no exterior;

c) o pagamento seja efetuado em moeda estrangeira conversível, mediante fechamento de câmbio em banco devidamente autorizado, ou mediante débito em conta de custeio mantida pelo agente ou representante do armador adquirente;

d) o embarque seja comprovado por documento hábil”.

5.                A empresa comerciante pretende o reconhecimento da imunidade tributária com lastro no art. 155, II, § 2º, X, a, da Constituição Federal e no art. 3º, II, da Lei Complementar n. 87/96, assinalando que se no fornecimento de refeições para consumo a bordo de aeronaves em voos domésticos há incidência do ICMS, o imposto não é devido em relação ao suprimento de voos internacionais, pois, as mercadorias e produtos entregues são destinadas ao exterior. E acrescenta:

“Quando estes voos internacionais são operados por aeronaves de bandeira estrangeira, a regulamentação do assunto não oferece maiores problemas. Contudo, quando estas mesmas rotas internacionais são operadas por aeronaves de bandeira nacional, o Convênio Interestadual nº 12/75 (reproduzido pelo art. 7º, V, § 1º, 2, do Decreto nº 45.490/2000 – Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo) acaba extrapolando o sentido da imunidade constitucional, impedindo que a regra de não-incidência alcance o seu objetivo” (fl. 03).

6.                Ao controle de constitucionalidade, mesmo em nível difuso por meio do respectivo incidente instaurado nos termos do art. 97 da Constituição de 1988 e do art. 480 do Código de Processo Civil, é defeso o contraste entre o ato normativo impugnado e o direito infraconstitucional, razão pela qual não merece conhecimento nesta sede alegação de discrepância com a Lei Complementar n. 87/96 ou outros atos normativos de igual ou inferior valor.

7.                Na petição inicial, a empresa alega que o convênio interestadual padece de inconstitucionalidade formal por invadir o campo reservado à lei complementar (art. 146, II, Constituição Federal), e, além disso, ele e o decreto estadual são tisnados por inconstitucionalidade material pelo contraste com os arts. 150, II, 155, § 2º, X, a, e 170, da Carta Magna (fls. 09/14).

8.                A respeitável sentença afastou a violação ao art. 155, § 2º, X, a, da Constituição Federal, assim motivando:

O cerne da controvérsia reside em saber se a autora, empresa fornecedora de refeições para aeronaves de bandeira nacional em vôos internacionais, no Brasil, goza de imunidade ou isenção tributária quanto ao ICMS. Deve-se, então, indagar se há o fato gerador ou imponível para a incidência do tributo.

(...)

A decisão que indeferiu a tutela antecipada foi proferida da seguinte forma:

‘1. Trata-se de pedido de tutela antecipada a fim de que seja suspensa a exigibilidade de crédito tributário decorrente de futuras autuações da Administração referentes à venda de refeições para empresas aéreas de bandeira nacional com rotas internacionais.

2. Em cognição sumária, não estão presentes os requisitos legais para a concessão da tutela antecipada. A tese da autora não leva à verossimilhança do alegado. O fato imponível ou gerador é a venda de mercadoria de empresa nacional (autora), dentro do território nacional, para outra empresa aqui domiciliada (seja de bandeira nacional ou internacional). Ao menos nesta quadra, tal fato gera a obrigação tributária relativa à circulação de mercadoria; ICM.

Essa operação não se relaciona ou mesmo corresponde à exportação ou algo parelho. Daí, a tese da imunidade fica prejudicada. O que ocorre, no fundo, é apenas venda de mercadoria da autora para a empresa aérea. Se a empresa aérea viaja para rota internacional ou não, tal fato é irrelevante para a ocorrência do fato imponível. Além disso, isenção de tributo é política extrafiscal do Administrador; interpreta-se, portanto, de forma restritiva. Por fim, há controvérsia fática sobre a matéria, pois, em princípio, exige-se, no caso, a prova do não repasse. Por tais fundamentos, INDEFIRO a tutela antecipada.

3. Cite-se’.

No caso concreto, a autora fornece refeições para empresa aéreas de bandeira nacional - catering - dentro do estado de São Paulo. A tese da autora é baseada em analogia para alargar hipótese de imunidade ou isenção tributária. A tese não é acolhida.

Com efeito, o fato imponível consiste em a autora, empresa nacional (sujeito passivo tributário), fornecer refeições (mercadoria) a outra empresa aérea de bandeira nacional (e não para empresa no exterior), dentro do estado de São Paulo (requisito espacial), em determinado período de tempo (requisito temporal).

Ou seja, a mercadoria não é destinada ao exterior. Bem ao contrário, é destinada à empresa de bandeira nacional, adquirente das refeições. Esta é a operação na qual incide o ICMS.

É ela (empresa aérea de bandeira nacional) quem fará o vôo, nacional ou internacional. O que importa é o fato imponível do tributo, que ocorreu. Portanto, o ICMS incide sobre a operação.

O fato de o vôo ser nacional ou internacional não importa para afastar ou tipificar o ICMS. Quem fará o transporte (de passageiros) - e não das mercadorias (refeições) -, será a empresa adquirente das mercadorias.

A imunidade prevista na Constituição é aplicável apenas em hipótese em que a mercadoria seja enviada diretamente ao exterior. Isto não ocorre no caso concreto. Ao contrário, será a empresa de transporte aéreo, então, quem realizará a viagem ao exterior. Ademais, isenção é política extrafiscal do Administrador e deve ser interpretada de forma restritiva. Assim, o Convênio ICM n. 12/75 não se aplica ao caso concreto; veda-se ampliação de hipótese de isenção, interpretada de forma restritiva. Na medida em que o fato gerador ou imponível ocorreu, eventual aplicação da isonomia, portanto, implicaria na não recepção do convênio administrativo pela Constituição Federal” (fls. 232/234). 

9.               O venerando acórdão deu diversa interpretação, estando assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL. I.C.M.S. SERVICOS DE CATERING. FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES PARA VOO INTERNACIONAL. Restrição contida no Convênio SEFAZ nº 12/75 e artigo 7º, inciso V, § 1º, 2, do Decreto nº 45.490/2000 (RICMS/SP) que prevê isenção somente para as empresas que realizam operações de saída de produtos industrializados de origem nacional, destinada ao consumo ou uso de embarcações ou aeronaves, de bandeira estrangeira, aportadas no País. Regra que fere o princípio da igualdade tributária insculpida no artigo 150, inciso I, da CF. Isenção, portanto, em hipótese semelhante, às empresas nacionais concedida às empresas aéreas estrangeiras, por meio do Convênio 12/75. Entendimento oriundo do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn 160-8, Relator Ministro Sydney Sanches, no sentido de ser ilegal a exigência da tributação do ICMS na prestação de serviço de transporte aéreo internacional de cargas pelas empresas aéreas nacionais, enquanto persistirem os convênios de isenção favoráveis à empresas estrangeiras. (...)”.

10.              No julgamento dos embargos declaratórios, o dispositivo do venerando acórdão foi alterado para suscitar o presente incidente (fls. 339/343), cuja fundamentação se ocupa exclusivamente da contrariedade ao art. 150, II, da Constituição Federal (fls. 324/328).

11.               No ponto, observo que a referência ao art. 196, II, da Constituição, contida no venerando acórdão (fl. 328), se liga à Constituição do Estado do Rio de Janeiro pela incorporação de precedente do egrégio Tribunal de Justiça daquela unidade federativa (fls. 326/328).

12.              O fundamento nuclear do venerando acórdão do colendo órgão fracionário consiste na violação do princípio da isonomia tributária (art. 150, II, Constituição da República), como exposto no respectivo decisório:

“De outro giro, se verifica que o Convênio de ICMS, que afastou a incidência do ICMS, sobre serviços de catering - fornecimento de gêneros alimentícios -, a bordo de aeronaves, restringiu aquela, para aeronaves de bandeira estrangeira, excluídas as de bandeira nacional.

Diante do verificado, se conclui que tal discrímen não se justifica, porquanto, como já mencionado, dispensa tratamento desigual a contribuintes em situações jurídicas idênticas, a malferir o princípio da igualdade na tributação, consagrado nos artigos 150, I e 196, I, da Constituição.

Portanto, de se concluir que o fornecimento das refeições para voos destinados ao exterior, equipara-se a operação de exportação, uma vez que existe a saída de produtos industrializados de origem nacional, destinada ao consumo em voos internacionais, isenta da tributação a teor do Convênio 12/75, cláusula primeira e incisos e cláusulas segunda e terceira.

Dessa forma, no meu entender deve ser reconhecido o caráter imune das operações de catering que é realizada para voos internacionais operados por aeronaves de bandeira brasileira, bem como reconheço a ilegalidade e inconstitucionalidade das limitações e requisitos à fruição dessa imunidade, estabelecidos pela norma do Convênio Interestadual nº 12/75 e do artigo 7º, inciso V, § 1º, 2, do Decreto nº 45.490/200 (RICMS/SP)” (fl. 328).

13.              A alegação de inconstitucionalidade formal do Convênio ICM n. 12/75 não merece amparo à vista do que dispõe o § 8º do art. 34 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988. De qualquer maneira, o Supremo Tribunal Federal também já assentou que a superveniência de lei complementar implica derrogação do convênio e impede a pronúncia de inconstitucionalidade:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO PROVISÓRIO: CONVÊNIO ICMS 66/88: DERROGAÇÃO SUPERVENIENTE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 87/96. 1. Disposição do Convênio CONFAZ ICM 66/88, que ‘Fixa normas para regular provisoriamente o ICMS e dá outras providências’, cujo ato normativo veio a ser derrogado pela Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, que ‘Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências’. 2. Se a norma inquinada de inconstitucionalidade em sede do controle abstrato deixa de integrar o ordenamento jurídico, torna-se insubsistente o interesse de agir, o que implica prejudicialidade, por perda do objeto. 3. Pedido julgado prejudicado” (STF, ADI 715-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 03-02-1997, v.u., DJ 21-03-1997, p. 8.504).

14.              Ademais, sendo ato normativo antecedente à Constituição de 1988 a arguição de sua inconstitucionalidade é inadmissível porque este vício é sempre congênito, nunca superveniente, de tal sorte que eventual incompatibilidade com a norma constitucional posterior se resolve sempre pela recepção ou pela revogação no âmbito do direito intertemporal, ainda que atos de idêntica espécie tenham prorrogado sua eficácia.

15.              Portanto, a análise restringe-se ao art. 7º, V, § 1º, 2, do Decreto Estadual n. 45.490, de 2000, do Estado de São Paulo.

16.              Não se empolga com a alegação de ofensa ao princípio da liberdade de iniciativa econômica, consistente no argumento de que a legislação tributária estadual “ao privilegiar as companhias aéreas internacionais, que não sofrem o repasse do ICMS, cria a bem da verdade uma concorrência desleal”, o que repercute no preço do contrato de transporte aéreo internacional (fl. 14). Além de constituir política fiscal, a discussão demandaria a análise da legislação tributária federal porque, em linha de princípio, seria incidente o imposto sobre exportação (art. 153, II, Constituição Federal), já que propositalmente não incide o imposto sobre circulação de mercadorias (art. 155, § 2º, X, a, Constituição Federal).

17.              A norma estadual ao preceituar a não incidência do ICMS na operação de “saída de produto industrializado de origem nacional para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira estrangeira, aportada no país”, obviamente permite a sua incidência para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira brasileira em viagens internacionais.

18.              A alínea a do inciso X do § 2º do art. 155 da Constituição de 1988 em sua redação originária previa o ICMS não incidiria “sobre operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar”. Foi a Emenda n. 42, de 2003, que lhe deu a redação vigente para contemplar a não incidência do imposto estadual:

“sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”.

19.              Destarte, sendo o decreto cronologicamente anterior ao parâmetro constitucional não se trata de inconstitucionalidade, mas, de conflito de direito intertemporal, pois, como dito acima, a incompatibilidade entre norma infraconstitucional e constitucional a ser solucionada pelo princípio da supremacia da Constituição (que, no fundo, remete à hierarquia normativa) deve ser congênita, nunca superveniente, de tal sorte que eventual incompatibilidade com a norma constitucional posterior se resolve sempre pela recepção ou pela revogação. Neste sentido, já se decidiu:

“I. Ação direta de inconstitucionalidade e emenda constitucional superveniente: critério jurisprudencial. Julga-se prejudicada a ação direta quando, de emenda superveniente à sua propositura, resultou inovação substancial da norma constitucional que - invocada ou não pelo requerente - compunha necessariamente o parâmetro de aferição da inconstitucionalidade do ato normativo questionado: precedentes” (RTJ 178/686).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALDIADE. COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE INATIVOS E PENSIONISTAS. LEI ORDINÁRIA ESTADUAL EDITADA EM DATA ANTERIOR À EC 20/98. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO SISTEMA PÚBLICO DE PREVIDÊNCIA. PREJUDICIALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE ISOLADA DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. 1. Lei ordinária que admite a incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores inativos e pensionistas do Estado da Bahia, editada em data anterior ao advento da EC 20/98. Incompatibilidade da norma com o Texto Constitucional vigente, que se resolve no campo da revogação. 2. Pretensão de que o exame da constitucionalidade da lei se dê somente em face de dispositivos da Carta da República não alterados por emenda superveniente. Impossibilidade. Inviável o cotejo do ato normativo apenas com parte do sistema constitucional em vigor. 3. Prejudicialidade da ação direta quando se verifica inovação substancial no parâmetro constitucional de aferição da regra legal impugnada. Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida” (STF, ADI 2.475-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 15-05-2002, v.u., DJ 02-08-2002, p. 57).

“CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. 3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido” (STF, ADI 2-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 06-02-1992, m.v., DJ 21-11-1997, p. 60.585).

20.              Resta o exame do decreto estadual em face do art. 150, II, da Constituição da República, na perspectiva de que a norma ao preceituar a não incidência do ICMS na operação de saída de produto industrializado de origem nacional para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira estrangeira, aportada no país, permite a sua incidência para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira brasileira em viagens internacionais, e, assim sendo, institui tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.

21.              Nesse ponto, invocou o venerando acórdão do colendo órgão fracionário o seguinte precedente da Suprema Corte:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI COMPLEMENTAR 87/96. ICMS E SUA INSTITUIÇÃO. ARTS. 150, II; 155, § 2º, VII 'A', E INCISO VIII, CF. CONCEITOS DE PASSAGEIRO E DE DESTINATÁRIO DO SERVIÇO. FATO GERADOR. OCORRÊNCIA. ALÍQUOTAS PARA OPERAÇÕES INTERESTADUAIS E PARA AS OPERAÇÕES INTERNAS. INAPLICABILIDADE DA FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE PARTIÇÃO DA RECEITA DO ICMS ENTRE OS ESTADOS. OMISSÃO QUANTO A ELEMENTOS NECESSÁRIOS À INSTITUIÇÃO DO ICMS SOBRE NAVEGAÇÃO AÉREA. OPERAÇÕES DE TRÁFEGO AÉREO INTERNACIONAL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGAS. TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS NACIONAIS. QUANTO ÀS EMPRESAS ESTRANGEIRAS, VALEM OS ACORDOS INTERNACIONAIS - RECIPROCIDADE. VIAGENS NACIONAL OU INTERNACIONAL - DIFERENÇA DE TRATAMENTO. AUSÊNCIA DE NORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE COMPETÊNCIA ENTRE AS UNIDADES FEDERADAS. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ART. 151, CF É O DAS RELAÇÕES DAS ENTIDADES FEDERADAS ENTRE SI. NÃO TEM POR OBJETO A UNIÃO QUANDO ESTA SE APRESENTA NA ORDEM EXTERNA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AÉREO, DE PASSAGEIROS - INTERMUNICIPAL, INTERESTADUAL E INTERNACIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DO ICMS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGAS PELAS EMPRESAS AÉREAS NACIONAIS, ENQUANTO PERSISTIREM OS CONVÊNIOS DE ISENÇÃO DE EMPRESAS ESTRANGEIRAS. AÇÃO JULGADA, PARCIALMENTE PROCEDENTE” (STF, ADI 1.600, Tribunal Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, 26-11-2011, v.u., DJ 20-06-2003, p. 56).

22.              Não se está a exigir o imposto sobre a operação de transporte, mas, sobre a saída de produto para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira brasileira em viagens internacionais, assim como incide em viagens nacionais. Em ambas as situações há, de fato, circulação econômica entre empresas e contribuintes sediados no país, ao passo que a não incidência tributária sobre a saída de produto nacional para uso ou consumo em embarcação ou aeronave de bandeira estrangeira, aportada no Brasil, é vinculada, entre outros requisitos, ao adquirente que esteja sediado no exterior porque o convênio interestadual equipara a operação à exportação. Portanto, não se visualiza tratamento desigualitário.

23.              Face ao exposto, opina-se pela rejeição da declaração de inconstitucionalidade.

                   São Paulo, 29 de julho de 2014.

 

 

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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