Parecer

 

Processo n. 0045372-50.2015.8.26.0000

 

Suscitante: 14ª Câmara de Direito Público

 

 

 

 

Ementa: Tributário. ISSQN. Locação de fitas de vídeo e DVD´s. Atividade classificada como “locação de bens móveis”. expressão constante da lista de serviços anexa à lei complementar nº 56/87, declarada, incidentalmente, inconstitucional pelo stf. lei municipal nº 11.110/2001 que repetiu tal expressão. inconstitucionalidade (cf, arts. 150, i, e 156, iii)

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Em ação julgada parcialmente procedente em que (...) pretende a declaração da inexistência de relação jurídico-tributária e da inexigibilidade do ISSQN sobre a atividade de locação de fitas de vídeo e DVD´s, a Colenda 14ª Câmara de Direito Público suscita, no julgamento do reexame necessário e da apelação adesiva interposta pela Municipalidade, incidente de inconstitucionalidade da expressão “locação de bens móveis” inserta no item 79 da lista anexa à Lei Municipal de Campinas nº 11.110/2001, cuja redação redação repetiu o item 79 da lista anexa à Lei Complementar nº 56/87, declarado inconstitucional pelo STF. O venerando acórdão se encontra assim ementado:

“Apelação Cível - Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Tributária c.c. Repetição de Indébito - ISS - Exercícios de 2000 a 2005 - Locação de fitas de vídeo e DVD's - Atividade classificada como "locação de bens móveis" - Expressão constante na lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 56/87, declarada, incidentalmente, inconstitucional pelo STF Lei Municipal nº 11.110/2001 que repetiu tal expressão -  Inconstitucionalidade - Repetição dos valores pagos a tal título nos exercícios de 2002 a 2005 - Correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça, desde cada pagamento indevido e juros conforme o art. 161, § 1º, do CTN, a partir do trânsito em julgado da decisão Sucumbência recíproca, maior da Municipalidade Custas e despesas processuais divididas entre as partes, ficando 70% a cargo da Municipalidade, sucumbente em maior extensão - Honorários advocatícios, fixados em favor da autora, nos termos do § 4º do art. 20 do CPC. Recurso da Municipalidade não provido e recurso da autora, bem como recurso oficial, providos em parte, nos termos do acórdão Suspensão da decisão para remessa dos autos ao Órgão Especial, nos termos do art. 97 da CF e da Súmula Vinculante nº 10 do STF.”

2.                É o relatório.

3.                A Lei n. 11.110/2001, de 26 de dezembro de 2001, do Município de Campinas, que dispôs sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), foi revogada pela Lei nº 11.829 de 19 de dezembro de 2003 (fls. 129/144). Ao relacionar os fatos geradores da obrigação tributária, o art. 2º, item 79, da lei revogada contemplou: “79 Locação de bens móveis, inclusive arrendamento mercantil” (fl. 131).

4.                Em 11/10/2000, no julgamento do RE nº 116.121-3, o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, ao apreciar questão semelhante sobre a incidência do ISS, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão “locação de bens móveis”, constante do item 79 da Lista de Serviços do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, na redação dada pela Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, pronunciando, ainda, a inconstitucionalidade da mesma expressão “locação de bens móveis”, contida no item 78 do § 3º do artigo 50 da Lista de Serviços da Lei nº 3.750, de 20 de dezembro de 1971, do Município de Santos (fls. 63/64), razão pela qual a expressão não foi repetida na “Lista de serviços anexa à Lei Complementar Federal nº 116, de 31 de julho de 2003”, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal (fls. 26/39).

5.                Segundo o colendo órgão fracionário, a expressão “locação de bens móveis” deve ter sua constitucionalidade apreciada à luz dos fundamentos que embasaram sua declaração incidental de inconstitucionalidade pelo Excelso Pretório, em decisão assim ementada:

 

“TRIBUTO - FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso extraordinário pela letra “c”, e, por maioria, em dar-lhe provimento, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão ‘locação de bens móveis’, constante do item 79 da Lista de Serviços a que se refere o Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, na redação dada pela Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, pronunciando, ainda, a inconstitucionalidade da mesma expressão ‘locação de bens móveis’, contida no item 78 do § 3º do artigo 50 da Lista de Serviços da Lei nº 3.750, de 20 de dezembro de 1971, do Município de Santos/SP” (DJ 25.05.2001 – g.n.)

6.                  Ao suscitar o incidente de inconstitucionalidade, a Colenda Câmara trouxe à colação trecho do voto vencedor, proferido pelo eminente Ministro Celso de Mello, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 116.121-3, in verbis:

“(...) Os itens ora questionados na presente sede recursal extraordinária, constantes das Listas de Serviços a que se referem os diplomas legislativos da União Federal e do município de Santos/SP, tornam tributável, mediante incidência do ISS, a ‘locação de bens móveis’.

É nesse específico ponto, portanto, que reside a controvérsia suscitada na presente causa, cuja discussão torna necessário indagar se se revela juridicamente lícita, para efeito tributário, a qualificação normativa das obrigações fundadas no negócio contratual da locação de bens como atividade caracterizadora de prestação de serviços, para fins de incidência do ISS.

Tenho para mim, na mesma linha de entendimento exposta por AIRES FERNANDINO BARRETO (Revista de Direito Tributário, vol. 38/192) e por CLÉEBER GIARDINO (Revista de Direito Tributário, vol. 38/196), que a qualificação da ‘locação de bens móveis’, como serviço, para efeito de tributação municipal mediante incidência do ISS, nada mais significa do que a inadmissível e arbitrária manipulação, por lei complementar, da repartição constitucional de competências impositivas, eis que o ISS somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis.

Cabe advertir, neste ponto, que a locação de bens móveis não se identifica nem se qualifica, para efeitos constitucionais, como serviço, pois esse negócio jurídico – considerados os elementos essenciais que lhe compõem a estrutura material – não envolve a prática de atos que consubstanciam um praestare ou um faecere.

Na realidade, a locação de bens móveis configura verdadeira obrigação de dar, como resulta claro do art. 1.188 do Código Civil: ‘Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo indeterminado, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição’ (grifei). (...)”

7.                  Ao suscitar o incidente de inconstitucionalidade, o v. acórdão já bem colocou a questão, cingindo-a nos seguintes termos:

“É incontroverso o reconhecimento da inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, da expressão “locação de bens móveis”, contida no já referido item 79 da lista anexa ao Decreto-Lei nº 406/68, com a redação que lhe deu a Lei Complementar nº 56/87, repetida pela Lei Municipal de Campinas nº 11.110/2001.

Referida decisão, entretanto, apenas gerou efeitos entre as partes envolvidas naquela lide, posto que tal declaração deu-se em controle difuso de constitucionalidade.

O inciso III do artigo 156 da Constituição Federal, conferiu aos Municípios a instituição de impostos sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”.

8.                  Repise-se que a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Plenário do Excelso Pretório em controle difuso de constitucionalidade não alcança, à evidência, o presente caso, até porque os objetos são diversos, mas serve evidentemente de paradigma.

9.                  Sem embargo, as razões que lastrearam o voto vencedor do eminente Ministro Marco Aurélio, secundadas pelo v. acórdão que suscitou o incidente, têm realmente plena aplicação à hipótese.

10.               Com efeito, a locação de fitas de vídeo e DVD’s não configura obrigação de fazer, mas sim obrigação de dar, nos termos do art. 565 do Código Civil:

Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.”

11.               A possibilidade de orientação (por atendentes sobre o conteúdo das fitas) e a possibilidade de se fazer reservas não desnatura a espécie de obrigação, inclusive porque podem estar presentes em qualquer locação.

12.               O art. 156, III, da Constituição Federal, prescreve a competência dos Municípios para instituir impostos sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

13.               A locação de bens móveis não é serviço, sinteticamente definido por Pontes de Miranda como “prestação de fazer” (Tratado de Direito Privado, vol. XLVII, 1958, 9).

14.               Mesmo que assim não fosse, não caberia ao legislador municipal ampliar as hipóteses de incidência tributária. Sobre esse aspecto, bem escreveu a ilustre Desembargadora relatora: “Caso a Lei Complementar trate de matéria diferente destas, deverá ser declarada inconstitucional, posto que, ao restringir o exercício da competência para a instituição do ISS, estará agredindo o princípio da autonomia dos Municípios e, ao contrário, se ampliar o conceito de serviços, estará violando o direito do contribuinte de pagar apenas o tributo legalmente instituído” (fl. 232).

15.               Em suma, a expressão “locação de bens móveis” contida no item 79 da Lista de Serviços anexa à Lei nº 11.110/2001, do Município de Campinas, que repetiu a redação do mesmo item 79 da lista anexa ao Decreto-Lei nº 406/68 conferida pela Lei Complementar nº 56/87, é inconstitucional, por ofensa aos arts. 150, I, e 156, III, da Constituição Federal.

16.               Tal convicção é reforçada pela Súmula Vinculante nº 31 do STF, que dispõe:

É inconstitucional a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis."

17.               Verifica-se, assim, o acerto do v. acórdão ao timbrar que “tendo em vista que a atividade exercida pela autora classifica-se como “locação de bens móveis”; que referida expressão foi declarada, incidentalmente, inconstitucional e excluída da Lei Complementar nº 56/87, no qual se baseou a municipalidade de Campinas ao editar a Lei Municipal nº 11.110/2001, entendo que esta também está eivada de inconstitucionalidade, não podendo ser aplicada.” (fl. 233)

18.               Ante o exposto, opino pela procedência da declaração de inconstitucionalidade.

 

                    São Paulo, 22 de julho de 2015.

 

 

Wallace Paiva Martins Junior

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

- em exercício -

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