Parecer em Incidente de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0049343-14.2013.8.26.0000
Suscitante: 12ª
Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça
Ementa:
1) Incidente de inconstitucionalidade. Lei Municipal n. 4.036, de 27 de maio de 2008, de iniciativa parlamentar, que estabeleceu no Município de Guaratinguetá, o direito à redução de 50% (cinquenta por cento), no transporte público para os estudantes portadores da carteira estudantil.
2) Alegação de inconstitucionalidade por suposto vício de iniciativa e por criar isenção para um seguimento populacional, sem elevação de tarifa ou sem providenciar fundo de custeio para responder pela redução tarifária e, ainda, pela violação ao art. 195, §5º, da Constituição Federal.
3)
Parecer no sentido do conhecimento e acolhimento
da arguição de inconstitucionalidade, devido à
constatação de inconstitucionalidade, por violação aos arts. 5º,
“caput”, 47, II, 117, 120 e 159, parágrafo único, da Constituição Estadual.
Colendo Órgão
Especial,
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator:
Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 12ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível nº 0008773-73.2011.8.26.0220, cujo relator foi o Desembargador Burza Neto, na sessão de julgamento realizada em 12 de dezembro de 2012.
A Col. Câmara arguiu a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.036, de 27 de maio de 2008, de iniciativa parlamentar, que estabeleceu no Município de Guaratinguetá, o direito à redução de 50% (cinquenta por cento), no transporte público para os estudantes portadores da carteira estudantil, por suposto vício de iniciativa, por criar isenção para um seguimento populacional, sem elevação de tarifa ou sem providenciar fundo de custeio para responder pela redução tarifária e, ainda, pela violação ao art. 195, §5º, da Constituição Federal.
É o relato do essencial.
A arguição de inconstitucionalidade deve ser conhecida e acolhida.
Com efeito, a Lei Municipal n. 4.036, de 27 de maio de 2008, do Município de Guaratinguetá, que “autoriza a criação, pelos estabelecimentos que menciona, da carteira estudantil para os alunos dos cursos pré-vestibulares destinados a afro-descendentes e carentes do Município de Guaratinguetá, e dá outras providências”, apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º - Aos estudantes,
regularmente matriculados em cursinhos pré-vestibulares para afro-descendentes
e carentes, oferecidos por instituições sem fins lucrativos, fica assegurada a
concessão da carteira estudantil que garanta a aquisição de passe escolar e abatimento
de cinquenta por cento na compra de ingressos em casas de exibição
cinematográficas, de teatros, de espetáculos musicais, circenses, eventos
esportivos e ainda em Feiras ou Exposições de qualquer natureza, de caráter
público, não direcionadas a profissionais ou técnicos de áreas específicas,
inclusive na hipótese de prática de preços promocionais em, todo o Município de
Guaratinguetá.
Parágrafo único. Para a concessão do
benefício, os estudantes deverão apresentar no ato da aquisição dos ingressos,
carteirinhas das entidades que oferecem cursinho pré-vestibular para
afro-descendentes e carentes legalmente reconhecidos.
Art. 2º - Poderá o Executivo
Municipal, sem prejuízo da competência dos outros Poderes e órgãos públicos:
I- fiscalizar o cumprimento da
presente lei, autuando as empresas que descumprirem e cominando-lhes as sanções
administrativas cabíveis, inclusive a cassação do alvará de funcionamento,
concessão, permissão ou autorização;
II- expedir os atos regulamentadores
do cumprimento desta lei.
Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na
data de sua publicação.
Art. 4º - Ficam revogadas as
disposições em contrário”.
O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes (cf. Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 675).
O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República (cf. Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 641), conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.
A iniciativa é o ato que deflagra o processo legislativo. Pode ser geral ou reservada (ou privativa). No primeiro caso, vereador, Mesa, comissão da Câmara, prefeito ou a população podem titularizar o projeto. No segundo, há um único titular.
A lei impugnada originou-se de projeto de autoria do
vereador, o que se constitui clara
ofensa à Constituição, pois somente ao
Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso
– obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II, da
Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art.
144 da mesma Carta).
Vão de encontro a esse entendimento os arts. 117, 120 e 159, § único, da Constituição Estadual, cuja redação é a seguinte:
“Art. 117 - Ressalvados os caso
especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Art. 120- os serviços públicos serão
remunerados por tarifa previamente fixada pelo órgão executivo competente, na
forma que a lei estabelecer.
Art. 159.
Parágrafo único- Os preços públicos
serão fixados pelo Executivo, observadas as normas gerais de Direito Financeiro
e as leis atinentes à espécie.”
Desta feita, invadiu-se claramente a seara da Administração Pública,
da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a
conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por
isso, a matéria somente poderia ser objeto de tramitação legislativa por
proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.
Ademais, nos
termos do art. 117 da Constituição Estadual, as propostas que deram origem à
celebração dos contratos realizados entre o Poder Público e as empresas
concessionárias de transporte coletivo de passageiros, devem ser mantidas.
Portanto,
eventual redução de tarifa nos moldes pretendidos pela lei municipal em
questão, acaba causando desiquilíbrio econômico financeiro do contrato
celebrado, justamente por não se tratar de medida inicialmente prevista.
Ofendeu-se,
igualmente, o princípio basilar da separação de poderes. Como já proclamou esse
Sodalício:
“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).
Nesse
panorama, divisa-se como solução deste processo o acolhimento do presente
incidente, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para
esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito
vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por
isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não
pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como
não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes
Meirelles. Direito Municipal Brasileiro,
16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p.
748).
Assim sendo, a lei impugnada não está em
conformidade com a ordem jurídica vigente, não por contrariar o art. 195, §5º,
da Constituição Federal, eis que as isenções concedidas pela legislação em
questão, em nenhuma hipótese se caracterizam, ou mesmo se confundem com
benefício ou serviço da Seguridade Social, por se tratarem de institutos
absolutamente distintos, mas por violar os arts. 5º, “caput”, 47, II, 117, 120
e 159, parágrafo único, da Constituição Estadual.
Por
tais razões, nosso parecer é no sentido do conhecimento e acolhimento do incidente.
São Paulo, 15 de abril de
2013.
Sérgio Turra
Sobrane
Subprocurador-Geral
de Justiça
Jurídico
vlcb