PARECER EM INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Autos nº: 0050680-67.2015.8.26.0000

Suscitante: 3ª Câmara Extraordinária de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 1.845, de 09 de junho de 1989, do Município de Jaboticabal

 

 

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade da Lei nº 1.845, de 09 de junho de 1989, do Município de Jaboticabal, que dispõe sobre horário de funcionamento de estabelecimentos farmacêuticos e institui o regime de plantões.

2)      Inexistência de ofensa ao direito à saúde, à livre iniciativa e à livre concorrência.

3)      Conformidade com o disposto nos arts. 111 e 144 da Constituição Estadual.

4)      Parecer pela declaração da constitucionalidade da lei questionada.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

A sociedade empresária (...), pessoa jurídica de direito privado, com sede na capital do Estado de São Paulo, impetrou mandado de segurança contra ato do Senhor Prefeito Municipal, Sr. José Carlos Hori, pleiteando a concessão de autorização para funcionamento diário e ininterrupto do estabelecimento impetrante, inclusive aos sábados, domingos e feriados.

Pela r. Sentença de fls. 110/116, a pretensão foi acolhida, de cuja decisão adveio apelação (fls. 122/136).

O recurso foi regularmente processado. Oportunamente, foram juntadas as contrarrazões do Prefeito Municipal a fls. 138/142 e do Ministério Público a fls. 144/154.

Após distribuição à Colenda 4ª Câmara de Direito Público, a Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou (fls. 158/159).

Redistribuídos à 3ª Câmara Extraordinária de Direito Público, o v. acórdão de fls. 170/174 determinou a suspensão do julgamento da apelação, para que, em atenção à cláusula da reserva de Plenário (Súmula vinculante nº 10), o E. Órgão Especial se pronuncie sobre a constitucionalidade da Lei nº 1.845, de 09 de junho de 1989, do Município de Jaboticabal.

Este é resumo do que consta dos autos.

Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, é no sentido da constitucionalidade do diploma normativo impugnado.

         De proêmio, cumpre esclarecer que a autonomia municipal é regulamentada no art. 29 da Constituição da República, o qual estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual. Tal disposição, por sua vez, foi reproduzida pelo art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, como denota-se de sua transcrição:

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

         Por sua vez, o art. 30, I, da Constituição Federal, considerando que cada Município apresenta características próprias, lhe assegurou a competência para tratar dos assuntos de interesse local.

         Em especial, o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais - tema objeto do diploma normativo objurgado - diz respeito predominantemente à urbe, e deve ser regulamentado de modo a atender às respectivas peculiaridades.

         Ressalta-se que, em se tratando de análise abstrata de constitucionalidade da Lei nº 1.845, de 09 de junho de 1989, do Município de Jaboticabal, é inadequada a discussão a respeito da conveniência e oportunidade das restrições nela disciplinadas.

         Posta essa premissa, verifica-se que a Lei nº 1.845, de 09 de junho de 1989, do Município de Jaboticabal, não apresenta vício de inconstitucionalidade, pois o legislador, ao fixar o horário de funcionamento de farmácias e drogarias e estipular o regime de plantão, notadamente disciplinou assunto de importância particular, nos termos do citado art. 30, I, da Constituição Federal.  

         Nesse sentido, posicionou-se este E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em recente decisão:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Mandado de Segurança. Liminar objetivando o funcionamento de farmácia aos domingos e feriados independentemente de escala de plantão. Liminar indeferida. Lei Municipal nº 2.198/2008 que regulamenta a matéria. Ausentes os requisitos autorizadores da medida. Decisão mantida. Recurso improvido. (...) Outrossim, por uma análise perfunctória e sem adentrar no mérito da questão verifica-se que a impetrante tem autorização para funcionar de segunda feira à sábado das 07:00 às 23:00 horas, e a autuação foi lavrada porque funcionou em dia não autorizado, ou seja, domingo 7.6.2015 (fls. 71), em desrespeito à escala de plantão estabelecida (fls. 81 e 84). Portanto, a princípio, não há qualquer indicativo de ilegalidade da autuação feita pela Municipalidade, especialmente face ao disposto no inciso I do artigo 30 da Constituição Federal que prevê a competência do Município para legislar sobre assuntos de interesse local, sendo necessário a instauração do contraditório para melhor analisar a questão. (...)” (AgI nº 126663-38.2015.8.26.0000, Rel. Min. Maria Laura de Assis Moura Tavares, 24/08/2015, VU). (grifo nosso)

         Tal qual esse entendimento, há jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal, segundo a qual compete aos Municípios a regulamentação de horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, entre eles, drogarias e farmácias:

“EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. LIMITAÇÃO DO HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DAS FARMÁCIAS: COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (...) 4. Ademais, a fundamentação da decisão que não admitiu o recurso extraordinário foi superada, uma vez que o Supremo Tribunal Federal tem entendimento pacificado sobre a matéria objeto do recurso extraordinário do acórdão recorrido. 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que compete aos municípios fixar os horários de funcionamento das farmácias, o que não contraria os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa. (...)” (Emb. Decl. no AgI nº 729.307, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, 27.10.2009). (grifo nosso)

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FARMÁCIA. FIXAÇÃO DE HORÁRIO D FUNCIONAMENTO. ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL. A fixação de horário de funcionamento para o comércio dentro da área municipal pode ser feita por lei local, visando o interesse do consumidor e evitando a dominação do mercado por oligopólio. Precedentes. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE nº 89.170, Rel. Min. Maurício Corrêa, Plenário, 08/08/2003). (grifo nosso)

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. FARMÁCIA: HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA MUNICIPAL. PRECEDENTE DO PLENÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. AGRAVO. 1. Como salientado na decisão agravada, “o Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu, por unanimidade, no julgamento do RE 237.965-SP, publicado no DJ, 31.03.00, Rel. Ministro MOREIRA ALVES, que a fixação de horário de funcionamento para farmácias é matéria de competência municipal, não procedendo, portanto, as alegações de violação aos princípio constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência, da liberdade de trabalho, da busca do pleno emprego e ao direito do consumidor”. 2. Os fundamentos desse precedente foram resumidos na decisão agravada, que mencionou outros, e não infirmados pela agravante. 3. Agravo improvido” (RE 321.796 – AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, Primeira Turma, 09.11.2002). (grifo nosso)

         Segundo a Corte Constitucional, sendo assunto de interesse local, a normatização quanto ao horário de funcionamento de drogarias e farmácias pelos Municípios não ofende os princípios que regem a atividade econômica, especificamente a livre iniciativa e a livre concorrência (art. 170, caput, IV, CR).

         Assim, conclui-se que o Município tem a prerrogativa de, ao legislar, encontrar soluções que melhor se ajustem aos interesses próprios, nos termos da competência que lhe foi conferida pela Constituição Federal.

Após inúmeros questionamentos a esse respeito, a corroborar o entendimento reiterado da Suprema Corte, foi editada a Súmula nº 645 em 24 de setembro de 2003:

“É competente o Município para fixar o horário de funcionamento do estabelecimento comercial.”

Já havia, inclusive, um enunciado nesse sentido, publicado sob a égide da Constituição Federal de 1946, segundo o qual “os Municípios têm competência par regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas” (Súmula 419 – STF, de 01/06/1964).

Por derradeiro, a fim de reforçar a tese ora sustentada, foi editada a Súmula Vinculante nº 38, a seguir transcrita:

“É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais.”

Como ensina Alexandre de Morais:

“As súmulas vinculantes surgem a partir da necessidade de reforço à ideia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica e o princípio da igualdade pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos as casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.

(...)

A EC nº 45/04 não adotou o clássico stare decisis, nem tampouco transformou nosso sistema de civil law em common law, porém permitiu ao Supremo Tribunal Federal de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”(Direito Constitucional. 28º ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 828).

  Um dos precedentes que motivaram a criação da Súmula Vinculante acima mencionada foi justamente o tema objeto da Lei nº 1.845, de 09 de junho de 1989, do Município de Jaboticabal, como consta no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=38.NUME. E S.FLSV.&base=baseSumulasVinculantes) e cuja ementa segue abaixo transcrita:

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Farmácia. Horário de funcionamento. Competência municipal. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que os Município são competentes para fixar o horário de funcionamento de farmácias e drogarias, o que não implica em violação aos princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência e da defesa do consumidor. 2. Agravo regimental não provido.” (Ag. Reg. no AgI nº 629.125, Min. Rel. Dias Toffoli, 30/08/2011).  

Não se nega, nesta oportunidade, que a atividade relacionada ao fornecimento de medicamentos e correlatos por farmácias e drogarias consiste em serviço essencial e de utilidade pública, relacionado à preservação da vida e da saúde.

Entretanto, considerando que todos os estabelecimentos comerciais deste ramo de atividade têm tratamento isonômico perante a lei municipal, bem como que o horário de funcionamento se trata de aspecto inerente ao interesse local, não há que se falar em sua inconstitucionalidade, pois materializou a opção adotada pelo Município. 

Nesse contexto, não há violação do disposto nos arts. 111 e 144 da Constituição Paulista, razão pela qual nosso parecer é no sentido da constitucionalidade da Lei nº 1.845, de 09 de junho de 1.989, do Município de Jaboticabal.

                   São Paulo, 28 de agosto de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

ms/mjap