Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

 

Processo nº 0051924-31.2015.8.26.0000

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Interessados: (...) e Municipalidade de São Paulo

 

 

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Item 3.9.3-A, da Lei n° 11.228/92, do Município de São Paulo (Código de Obras e Edificações de São Paulo). Condicionamento da expedição de Certificado de Conclusão de Obra à prévia solução de multas porventura incidentes sobre a obra.

2)      Ofensa ao artigo 5°, XIII e LIV, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988. Inteligência das Súmulas 70, 323 e 547, do E. STF. Precedentes do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça.  

3)      Parecer pelo acolhimento da arguição.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

         Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela Col. 15ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação nº 0029278-04.2011.8.26.0053, sob relatoria do Des. Eutálio Porto.

A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade do item 3.9.3-A, da Lei n° 11.228/92, do Município de São Paulo (Código de Obras e Edificações de São Paulo), tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:

“(...)

Em princípio, salvo melhor análise desta Superior Instância, observa-se que, de fato, o item 3.9.3-A da lei ora combatida esbarra na norma constitucional ao impor à apelante o pagamento de uma penalidade como forma de obtenção do “habite-se” em relação ao imóvel construído.

Isto porque a existência de multa não obsta a expedição de um ato administrativo a qual tenha direito o administrado, revelando esta atitude um meio coercitivo de cobrar multa em desrespeito ao devido processo legal. Em outras palavras, a multa tem procedimento próprio quanto à forma de cobrança, dentre os quais a inscrição em dívida ativa, a constituição do título executivo e a execução fiscal, que se dará nos termos da Lei n° 6.830/80.

Com isso, o atalho usado pela Administração Pública fere o art. 5°, inc. LV da CF que assegura o contraditório e a ampla defesa e retira do administrado o direito de recorrer às vias judiciais, nos termos do art. 5°, inc. XXXV, da CF, já que em razão da necessidade de se obter habite-se do imóvel acabará por pressão pagando a multa, restando, posteriormente, apenas a via da repetição, caso entenda ser ela indevida.

Destaca-se ainda que ao impor o pagamento da multa condicionada à expedição do habite-se, viola-se, por consequência, também os termos do art. 5°, inc. LIV, da CF, já que, de um lado, privará a apelante de obter a plenitude da propriedade, de outro, deverá dispor da quantia necessária ao pagamento da multa, vulnerando o devido processo legal.  

 (...)”

É o relato do essencial.

A arguição de inconstitucionalidade deve ser acolhida.

A questão constitucional trazida à baila já foi enfrentada pelo Col. Órgão Especial, em casos análogos, como demonstra a seguinte ementa:

“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCISO VI, DO ARTIGO 2º DA LEI MUNICIPAL Nº 1.524/80 E ARTIGO 69, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DE GUARUJÁ CONCESSÃO DE HABITE-SE CONDICIONADA À APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DESCABIMENTO MEIO DE COAÇÃO AO PAGAMENTO DA DÍVIDA. Vedação arts. 5º, XIII, LIV, e 170, parágrafo único, da CF/88, Súmulas 547 do STF e 70 e 323 do STJ Arguição acolhida - Deve ser acolhida a arguição de inconstitucionalidade de lei MUNICIPAL que abriga meio coercitivo indireto de cobrança de tributos, a ofender os princípios do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e liberdade de exercício profissional.” (TJSP; Órgão Especial; II n° 0068152-18.2014.8.26.0000; Des. Rel. João Negrini Filho; D.J. 25/02/2015).

         Muito embora o julgado acima transcrito, bem como os enunciados sumulares números 70, 323 e 547, do E. STF se refiram à impossibilidade de utilização de meios indiretos de coerção para o pagamento de tributos, vedando-se as chamadas “sanções políticas”, o raciocínio desenvolvido aplica-se igualmente ao pagamento de penalidades- como o fez o dispositivo legal paulistano ora em discussão, que condicionou a expedição da Certidão de Conclusão de Obra ao pagamento de eventuais multas relacionadas à obra. 

         Com efeito, a Fazenda Pública dispõe de instrumentos administrativos e judiciais (execução fiscal) próprios para a cobrança de sua dívida ativa, a qual é composta por dívidas tributárias e não tributárias (como o são as multas aplicadas no processo de licenciamento de obra), nos termos do art. 2°, da Lei n° 6.830/80.

         Desse modo, não se mostra razoável, nem proporcional condicionar a realização de atos administrativos ao pagamento de dívidas do administrado com a Fazenda Pública.

Pelo contrário, conforme bem fundamentado no acórdão de instauração do incidente (fls. 550/554), tal exigência é inconstitucional, por ir de encontro:

(i)                 ao princípio do devido processo legal (art. 5°, LIV, CF/88), na medida em que o administrado que necessitar do ato administrativo com celeridade será compelido a pagar o seu débito com o Estado, prescindindo de discutir eventuais ilegalidades ou irregularidades na seara administrativa;

(ii)                ao direito à propriedade e à liberdade de exercício de atividade econômica (arts. 5°, XIII, e 170, parágrafo único, da CF/88), porquanto a não realização de ato administrativo vinculado, tão- logo cumpra o particular os requisitos para a sua realização, o privará indevidamente do exercício de atividade econômica e do pleno gozo de sua propriedade.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do acolhimento do incidente de inconstitucionalidade do item 3.9.3-A, da Lei n° 11.228/92, do Município de São Paulo.

  

                                     

São Paulo, 25 de agosto de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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