Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Processo n. 0053865-16.2015.8.26.0000

Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Emenda nº 36/13 à Lei Orgânica do Município de São Paulo. Guarda Municipal. Competências. Aposentadoria diferenciada de seus integrantes. Procedência. 1. Reserva de lei complementar e de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para requisitos e critérios diferenciados da aposentadoria de servidores públicos (arts. 5º, 24, § 2º, 4 e 126, § 4º, CE/89). 2. Acolhimento do incidente.

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela colenda 9ª Câmara de Direito Público no julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença proferida pelo MM. Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública da comarca de São Paulo, que concedeu parcialmente a ordem no mandado de segurança de nº 1043901-51.2014.8.26.0053, impetrado por servidor público municipal, ocupante do cargo de Guarda Civil Metropolitano, que objetiva a concessão de aposentadoria especial, com paridade e integralidade do último salário que recebeu, tendo como fundamento o inciso II do § 1° do art. 88, na redação dada pela Emenda nº 36/2013, da Lei Orgânica do Município de São Paulo (fls. 54/57). O venerando acórdão suscitou o incidente em comento às fls. 137/142.

         É o relatório.

         A Emenda nº 36/13, de iniciativa parlamentar, conferiu nova redação ao art. 88 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, nos seguintes termos:

“Art. 1º O art. 88 da Lei Orgânica do Município de São Paulo passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 88. O Município manterá sua Guarda Municipal, a qual se denomina Guarda Civil Metropolitana, destinada à proteção da população da cidade, dos bens, serviços e instalações municipais, e para a fiscalização de posturas municipais e do meio ambiente.

§ 1º Os seus integrantes serão aposentados, de forma voluntária, nos termos do art. 40, § 4º, II e III, da Constituição da República, sem limite de idade, com paridade e integralidade do último salário que receber, desde que comprovem:

I - 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, contando com pelo menos 15 (quinze) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda Civil Metropolitano, para mulher;”

II - 30 (trinta) anos de contribuição, contando com pelo menos 20 (vinte) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda Civil Metropolitano, para homem.

§ 2º A Guarda Civil Metropolitana poderá exercer dentro de suas funções a segurança e proteção nas escolas públicas municipais, no âmbito da cidade de São Paulo.

Art. 2º Esta emenda à Lei Orgânica entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

         Pois bem.

         Em sua redação originária, dispunha o artigo 88 da LOM:

 

“Art. 88 - O Município poderá, mediante lei, manter Guarda Municipal, subordinada ao Prefeito e destinada à proteção dos bens, serviços e instalações municipais.”

 

Inicialmente, a Constituição Estadual (art. 126, § 4º) permite à lei complementar instituir adoção de requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria de servidores públicos que exerçam atividade de risco ou sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

         Ainda, não bastasse a emenda violar a reserva de lei complementar disposta no art. 126, § 4º, da Constituição Estadual, ela é incompatível com os arts. 5º e 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual.

         Neste sentido, a disciplina do regime jurídico e da aposentadoria dos servidores públicos é, segundo o art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual - que decorre do princípio da separação de poderes (art. 5º, Constituição Estadual) - da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo.

         Essa regra é aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual e do art. 29 da Constituição Federal, e reproduz os arts. 2º e 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal.

          As regras do processo legislativo federal também são de observância compulsória pelos Estados e Municípios como vem julgando reiteradamente o Supremo Tribunal Federal:

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

         Por essa razão, não é lícito à Lei Orgânica tratar de assunto que é da iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo. Neste sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 77, XVII DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FACULDADE DO SERVIDOR DE TRANSFORMAR EM PECÚNIA INDENIZATÓRIA A LICENÇA ESPECIAL E FÉRIAS NÃO GOZADAS. AFRONTA AOS ARTS. 61, § 1º, II, ‘A’ E 169 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A Constituição Federal, ao conferir aos Estados a capacidade de auto-organização e de autogoverno, impõe a obrigatória observância aos seus princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador constituinte estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. 2. O princípio da iniciativa reservada implica limitação ao poder do Estado-Membro de criar como ao de revisar sua Constituição e, quando no trato da reformulação constitucional local, o legislador não pode se investir da competência para matéria que a Carta da República tenha reservado à exclusiva iniciativa do Governador. 3. Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade do servidor de transformar em pecúnia indenizatória a licença especial e férias não gozadas. Concessão de vantagens. Matéria estranha à Carta Estadual. Conversão que implica aumento de despesa. Inconstitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 227-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 19-11-1997, v.u., DJ 18-05-2001, p. 429).

“CONSTITUCIONAL. LEI ORGÂNICA DO DF QUE VEDA LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZADA OFENSA AOS ARTS. 37, I E 61 § 1º II, ‘C’ DA CF, INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO EM RAZÃO DA MATÉRIA - REGIME JURÍDICO E PROVIMENTO DE CARGOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. EXERCÍCIO DO PODER DERIVADO DO MUNICÍPIO, ESTADO OU DF. CARACTERIZADO O CONFLITO ENTRE A LEI E A CF, OCORRÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. PRECEDENTES. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE” (STF, ADI 1.165-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, 03-10-2001, v.u., DJ 14-06-2002, p. 126).

Por fim, cumpre asseverar que este Sodalício já se manifestou sobre a inconstitucionalidade formal presente na Emenda nº 36/13, cujo voto restou assim ementado:

Arguição de inconstitucionalidade - Emenda nº 36/2013, de iniciativa parlamentar, que deu nova redação ao artigo 88, da Lei Orgânica do Município de São Paulo - guarda municipal - aposentadoria diferenciada de seus integrantes - impossibilidade - vício de iniciativa - invasão da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo - vício formal reconhecido - afronta aos artigos 5º; 24, § 2º, 4; 126, § 4º e 144, todos da Constituição Estadual - precedentes.” (TJSP, Arguição de Inconstitucionalidade nº 0027469-02.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Neves Amorim, v.u. 12/08/2015)

         Face o exposto, opino pelo acolhimento do incidente de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade da Emenda n. 36/2013 à Lei Orgânica do Município de São Paulo, por contrastar com os arts. 5º e 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado.

                    

                           São Paulo, 30 de setembro de 2015.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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