Parecer
Processo n. 0053871-23.2015.8.26.0000
Suscitante: 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Emenda nº 36/13 à Lei Orgânica do Município de São Paulo. Guarda Municipal. Competências. Aposentadoria diferenciada de seus integrantes. Procedência. 1. Reserva de lei complementar e de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para requisitos e critérios diferenciados da aposentadoria de servidores públicos (arts. 5º, 24, § 2º, 4 e 126, § 4º, CE/89). 2. Impossibilidade de convalidação de lei inconstitucional. Necessidade de declaração da inconstitucionalidade da Emenda nº 36/13, que alterou o art. 88 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, estabelecendo novos critérios de aposentadoria a guardas municipais. Situação jurídica (inconstitucionalidade), que é apenas declarada pelo tribunal constitucional.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se
de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela colenda 10ª Câmara de
Direito Público no julgamento de apelação interposta contra respeitável
sentença proferida pelo MM. Juízo da 13ª Vara da Fazenda Pública da comarca de
São Paulo, que concedeu a ordem no mandado de segurança de nº 1031548-76.2014.8.26.0053, impetrado por servidor público
municipal, ocupante do cargo de Guarda Civil Metropolitano, que objetiva a
concessão de aposentadoria especial, com paridade e integralidade do último
salário que recebeu, tendo como fundamento o inciso II do § 1° do art. 88, na
redação dada pela Emenda nº 36/2013, da Lei Orgânica do Município de São Paulo
(fls. 46/49). O venerando acórdão suscitou o incidente em comento às fls. 95/102.
Impende mencionar que às fls. 139/140 o apelado sustentou alteração no art. 88 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, promovida pela Emenda nº 39, de 24 de junho de 2015, de iniciativa do alcaide, a qual teria superado o vício de inconstitucionalidade que acometia o dispositivo mencionado. In verbis:
“Em sede de
Apelação alega-se a Arguição de Inconstitucionalidade da Emenda n.º 36/2013,
que alterou o artigo 88, e seus parágrafos da Lei Orgânica do Município de São
Paulo.
Como restou
definido, a Emenda à Lei Orgânica nº 36/2013 foi de iniciativa de Vereadores,
razão pela qual a suscitação de inconstitucionalidade do dispositivo.
Contudo, o
mesmo artigo 88 da Lei Orgânica foi recentemente alterado pela Emenda n.º 39,
de 24 de junho de 2015, por iniciativa do Prefeito, através do Projeto n.º
03/2015. Por esta Emenda, assim restou definido o aludido artigo 88:
“Art. 88 - O Município manterá sua Guarda Municipal, a qual
se denomina Guarda Civil Metropolitana, destinada à proteção da população da
cidade, dos bens, serviços e instalações municipais, e para a fiscalização de
posturas municipais e do meio ambiente.
§ 1º Os integrantes da Guarda Civil Metropolitana serão
aposentados, voluntariamente, nos termos do art. 40, § 4º, inciso II, da
Constituição Federal, sem limite de idade, com proventos correspondentes à
integralidade da remuneração do cargo em que se der a aposentadoria, desde que
comprovem:
I - 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, contando com, no
mínimo, 15 (quinze) anos de efetivo exercício em cargo da carreira da Guarda
Civil Metropolitana, se mulher;
II - 30 (trinta) anos de contribuição, contando com, no
mínimo, 20 (vinte) anos de efetivo exercício em cargo da carreira da Guarda
Civil Metropolitana, se homem.”
Assim, em
respeito à nova alteração da Lei Orgânica, que se deu no mesmo artigo de Lei e
sob a mesma matéria, não prevalece a alegação da inconstitucionalidade
apontada, pois a recente Emenda obedeceu a regra a qual determina que cabe ao
Prefeito dispor sobre servidores; regime jurídico; provimento de cargos e no
caso em discussão, aposentadoria.
Por este
contexto, requer seja julgado a suscitação de inconstitucionalidade da Emenda
36/2013 pela perda de seu objeto, vez que o artigo 88 da Lei Orgânica do
Município, alterado pela Emenda n.º 39, de 24 de junho de 2015, por iniciativa
do Executivo Municipal, passou a ter novo dispositivo.
Pelo
Exposto, pede-se pela aposentação do servidor nos termos desta nova Emenda, com
paridade posto ter ingressado no serviço público anterior a Emenda
Constitucional de 41/2003, e integralidade do último salário que receber.”
É o relatório.
A Emenda nº 36/13,
de iniciativa parlamentar, conferiu nova redação ao art. 88 da Lei Orgânica do
Município de São Paulo, nos seguintes termos:
“Art. 1º O art. 88 da Lei Orgânica do Município de São Paulo passa
a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 88. O Município manterá sua Guarda Municipal, a qual se
denomina Guarda Civil Metropolitana, destinada à proteção da população da
cidade, dos bens, serviços e instalações municipais, e para a fiscalização de
posturas municipais e do meio ambiente.
§ 1º Os seus integrantes serão aposentados, de forma voluntária,
nos termos do art. 40, § 4º, II e III, da Constituição da República, sem limite
de idade, com paridade e integralidade do último salário que receber, desde que
comprovem:
I - 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, contando com pelo
menos 15 (quinze) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda
Civil Metropolitano, para mulher;”
II - 30 (trinta) anos de contribuição, contando com pelo menos 20
(vinte) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda Civil
Metropolitano, para homem.
§ 2º A Guarda Civil Metropolitana poderá exercer dentro de suas funções
a segurança e proteção nas escolas públicas municipais, no âmbito da cidade de
São Paulo.
Art. 2º Esta emenda à Lei Orgânica
entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.”
Após a alteração supra, porém, o artigo
em exame foi novamente alterado por meio do projeto nº 03/2015, de iniciativa
do Prefeito municipal, que deu origem à Emenda nº 39, de 24 de junho de 2015.
Vejamos:
“Art. 88 -
O Município manterá sua Guarda Municipal, a qual se denomina Guarda Civil
Metropolitana, destinada à proteção da população da cidade, dos bens, serviços
e instalações municipais, e para a fiscalização de posturas municipais e do
meio ambiente.
§ 1º Os integrantes da Guarda Civil Metropolitana serão
aposentados, voluntariamente, nos termos do art. 40, § 4º, inciso II, da
Constituição Federal, sem limite de idade, com proventos correspondentes à
integralidade da remuneração do cargo em que se der a aposentadoria, desde que
comprovem:
I - 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, contando com, no
mínimo, 15 (quinze) anos de efetivo exercício em cargo da carreira da Guarda
Civil Metropolitana, se mulher;
II - 30 (trinta) anos de contribuição, contando com, no
mínimo, 20 (vinte) anos de efetivo exercício em cargo da carreira da Guarda
Civil Metropolitana, se homem.”
Pois bem.
Analisando a questão apresentada à luz do ordenamento jurídico pátrio, não procede o argumento invocado pela apelante às fls. 125/127, na medida em que, como já sedimentado no Excelso pretório, nosso ordenamento constitucional não conhece a figura da “constitucionalidade superveniente”, pois a lei inconstitucional não é lei, e a função do Tribunal Constitucional consiste, exclusivamente, em declarar uma situação jurídica – a inconstitucionalidade – já existente.
Se
o art. 88 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, alterado pela Emenda nº 36/13, já continha em seu
âmago vício insuperável de iniciativa legislativa, pois a deflagração de tal
emenda violou iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo (art. 24, §2º, 4,
CE/89), uma novel emenda, ainda que respeite o texto constitucional, não tem o
condão de sanar o ato anteriormente editado, convalidando-o, vez que este ato
jamais existiu na órbita jurídica, segundo escólio da “teoria da nulidade”
(Kelsen) adotada em regra pelo direito brasileiro no controle de normas.
Nesse sentido, em julgados que “mutatis mutandis” são aplicáveis à hipótese em exame, confira-se o entendimento:
“(...)
Em nosso ordenamento jurídico, não se
admite a figura da constitucionalidade superveniente. Mais relevante do que
a atualidade do parâmetro de controle é a constatação de que a
inconstitucionalidade persiste e é atual, ainda que se refira a dispositivos da
CF que não se encontram mais em vigor. Caso contrário, ficaria sensivelmente
enfraquecida a própria regra que proíbe a convalidação. A jurisdição
constitucional brasileira não deve deixar às instâncias ordinárias a solução de
problemas que podem, de maneira mais eficiente, eficaz e segura, ser resolvidos
em sede de controle concentrado de normas. A
Lei estadual 12.398/1998, que criou a contribuição dos inativos no Estado do
Paraná, por ser inconstitucional ao tempo de sua edição, não poderia ser
convalidada pela EC 41/2003. E, se a norma não foi convalidada, isso significa
que a sua inconstitucionalidade persiste e é atual, ainda que se refira a
dispositivos da CF que não se encontram mais em vigor, alterados que foram pela
EC 41/2003. Superada a preliminar de prejudicialidade da ação, fixando o
entendimento de, analisada a situação concreta, não se assentar o prejuízo das
ações em curso, para evitar situações em que uma lei que nasceu claramente
inconstitucional volte a produzir, em tese, seus efeitos, uma vez revogada as
medidas cautelares concedidas já há dez anos.” (ADI 2.158 e ADI 2.189, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgamento em 15-9-2010, Plenário, DJE de 16-12-2010.) No
mesmo sentido: ADI 94, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 7-12-2011,
Plenário, DJE de 16-12-2011; RE 390.840, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em
9-11-2005, Plenário, DJ de 15-8-2006.
(...)
A lei ou é constitucional ou
não é lei.
Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando
fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo
sobre o que lhe era vedado. O vício da
inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da
Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser
inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador
poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna
inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de
ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria
ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser
promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária.”
(ADI 2, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 6-2-1992, Plenário, DJ de
21-11-1997.) No mesmo sentido: RE 343.801-AgR, Rel. Min. Ayres Britto,
julgamento em 20-3-2012, Segunda Turma, DJE de 26-6-2012; ADI 4.222-MC, Rel.
Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 8-2-2011, DJE de
14-2-2011; ADI 888 Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, julgamento em
6-6-2005, DJ de 10-6-2005. Vide: ADI 2.158 e ADI 2.189, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 15-9-2010, Plenário, DJE de 16-12-2010. (...)” (g.n.)
Portanto,
analisando a questão sub judice,
tem-se a incontornável compreensão de que a
Emenda nº 36/13 nasceu eivada de inconstitucionalidade, pois sua iniciativa fora
deflagrada por órgão incompetente para tanto, não se podendo aventar posterior convalidação
de seu teor via edição de novel emenda à Lei Orgânica do Município, ainda que
esta guarde obediência para com a Carta Maior.
Por fim,
cumpre asseverar que este Sodalício já se manifestou sobre a inconstitucionalidade
formal presente na Emenda nº 36/13, cujo voto restou assim ementado:
“Arguição
de inconstitucionalidade - Emenda nº 36/2013, de iniciativa parlamentar, que
deu nova redação ao artigo 88, da Lei Orgânica do Município de São Paulo - guarda
municipal - aposentadoria diferenciada de seus integrantes - impossibilidade - vício
de iniciativa - invasão da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo - vício
formal reconhecido - afronta aos artigos 5º; 24, § 2º, 4; 126, § 4º e 144,
todos da Constituição Estadual - precedentes.” (TJSP, Arguição de
Inconstitucionalidade nº 0027469-02.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des.
Neves Amorim, v.u. 12/08/2015)
Face o exposto, opino pelo acolhimento
do incidente de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade da Emenda
n. 36/2013 à Lei Orgânica do Município de São Paulo, por contrastar com os
arts. 5º e 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado.
São Paulo, 30 de setembro de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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