Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

 

Processo n. 0059400-23.2015.8.26.0000

Suscitante: 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Inciso XXXV do art. 34 do Regimento interno da Câmara Municipal de Guararema. 1. Não é compatível com a transparência (art. 111, Constituição Estadual) a necessidade de autorização para transmissão de sessões da Câmara Municipal, pois a publicidade é a regra e o sigilo a exceção. 2. Acolhimento do incidente.

 

 

 

Egrégio Tribunal:

1.            Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela colenda 10ª Câmara de Direito Público no julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença que denegou mandado de segurança o qual pleiteia a concessão de ordem que garanta a jornalistas credenciados o direito de filmar sessões ordinárias e extraordinárias da Câmara Municipal de Guararema (fls. 1/6). O venerando acórdão tem a seguinte fundamentação (fl. 212):

“(...)

É inconstitucional, pois, o art. 34, XXXV, do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Guararema. Por outro lado, nos termos do que dispõem o art. 97 da Constituição Federal e a Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, é de rigor a submissão da questão ao Órgão Especial.

(...)”

2.                É o relatório.

3.                O incidente merece acolhimento.

4.                 De proêmio, dispõe o dispositivo em análise:

“ Art. 34 – Compete ao Presidente da Câmara:

(...)

XXXV – autorizar a transmissão por rádio ou televisão, ou a filmagem e a gravação de sessão da Câmara;

(...)”

5.                Observa-se que referido dispositivo não tem respaldo no art. 111 da Constituição Estadual.

6.                Inicialmente, trago à reflexão precedente do Supremo Tribunal Federal que, examinando o art. 86 do Decreto-lei n. 200/67, assim decidiu para fins de denegação da liminar:

“(...) observo que o dispositivo atacado estabeleceu que a tomada de contas referentes à movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita em caráter sigiloso. Ocorre, porém, que o princípio da publicidade na Administração Pública não é absoluto, porquanto a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXIII, in fine, restringiu o acesso público a informações cujo sigilo  seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (...)

Não considero, portanto, suficientemente caracterizado o fumus boni iuris, seja porque o sigilo dos dados e informações da Administração Pública, ao menos numa primeira análise da questão, encontra guarida na própria Carta Magna, seja porque ele não é decretado arbitrariamente, mas determinado segundo regras legais pré-estabelecidas” (STF, ADPF-MC 129-DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18-02-2008, DJe 22-02-2008).

7.                Realmente, o ordenamento jurídico vigente tem como base a publicidade como regra e o sigilo como exceção. A respeito da importância da transparência estatal, a Suprema Corte já timbrou que “o novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado” (RTJ 139/712).

8.                Não é diferente a concepção doutrinária gizando que o princípio da publicidade ou da máxima transparência consiste na “comunicação transparente à sociedade dos atos, contratos e procedimentos da Administração Pública” e obriga o desenvolvimento da ação administrativa “com a visibilidade do sol do meio dia”  (Juarez Freitas. O Controle dos Atos Administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 70). Ele “aponta para a necessidade de que todos os atos administrativos estejam expostos ao público, que se pratiquem à luz do dia” (Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2010, 5ª ed., p. 969).

9.                Afinal, “a publicidade é um dos expoentes mais qualificados da transparência, obrigando a Administração Pública à exposição de todo e qualquer comportamento administrativo e conferindo certeza a condutas estatais e segurança aos administrados - resultante que é do princípio democrático impositivo da diafanidade” (Wallace Paiva Martins Junior. Transparência administrativa: publicidade, motivação e participação popular, São Paulo: Saraiva, 2010, 2ª ed., p. 37).

10.           O princípio da publicidade articula atuação “transparente, sem ocultações de atos e muito menos sigilo em relação aos mesmos. Não se admite mais, nos dias de hoje, que a Administração Pública se utilize de normas e outros procedimentos que tenham o silêncio como a sua característica de atuação” (Mauro Roberto Gomes de Mattos, in Tratado de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2010, vol. I, p. 774, coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nascimento).

11.           Reputo que, à vista destas considerações, a atual tessitura da regra contestada torna o sigilo em regra e, por isso, sucumbe ao art. 111 da Constituição Paulista. Ela é expressiva da cultura da opacidade administrativa, como registra a literatura:

“Outrora, a regra era o sigilo e a publicidade a exceção, ambiente alterado com a fixação dos pilares do Estado Democrático de Direito. A cultura do sigilo enraizava-se na tradição administrativa da lógica da opacidade, dos arcana imperii, do segredo e do caráter reservado, premissas incompatíveis com o perfil de uma Administração Pública tida como serviço ou instrumento à disposição dos administrados.

O significativo aumento da intervenção estatal nas relações sociais e econômicas, a necessidade de participação e fiscalização da administração pública, a expansão do controle judiciário, a proteção aos direitos dos administrados, as exigências da ética e da eficiência, a evolução e o aperfeiçoamento da democracia e a importância da informação são fatores determinantes do imperativo de transparência e da derrocada do sigilo no contexto do Estado Democrático de Direito.

Para impedir a neutralização do princípio da transparência, deve-se valorizar ‘a publicidade como regra e o sigilo como exceção’, premissa extraída da democracia que repousa sobre o debate público, exigindo que todas as decisões sejam tomadas após uma discussão desenvolvida sob a atenção da opinião pública.

Na execução de suas atividades, a Administração Pública é produtora de um grande contingente de informações e destinatária de uma imensa massa de dados transmitidos pelos administrados. Alguns, indispensáveis ao bom funcionamento estatal ou à proteção da intimidade, refletindo valores constitucionalmente relevantes, justificam restrição à transparência com variações objetivas ou subjetivas, parciais ou totais, como um limite negativo à atuação estatal.

Como exceções, têm aplicação e interpretação estrita. E, de acordo com um ordenamento jurídico reflexivo do modelo democrático-jurídico de Estado que prestigia a transparência administrativa, mais apropriada a denominação da existência de círculos de publicidade restrita e não de sigilo, informada pelo interesse público e pelo interesse individual. O regime jurídico das restrições à publicidade dos atos da Administração Pública garante o princípio da transparência e protege outros valores constitucionais” (Wallace Paiva Martins Junior. Transparência administrativa: publicidade, motivação e participação popular, São Paulo: Saraiva, 2010, 2ª ed., p. 155-156).

12.           Destarte, deve-se ter a publicidade como regra, permitido o sigilo somente quando imposto pela proteção à intimidade e ao interesse público.

13.           Com efeito, o disposto no inciso XXXV do art. 34 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guararema ofende aos ditames constitucionais.

14.           Face o exposto, opino pelo acolhimento do incidente.  

                    

                  São Paulo, 25 de setembro de 2015.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

ef/acssp