Parecer em
Incidente de Inconstitucionalidade
Processo nº 0060426-56.2015.8.26.0000
Suscitante: Câmara
Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo
Apelante: Município de
Guarujá
Apelado: Ministério
Público do Estado de São Paulo
Objeto: inconstitucionalidade
do art. 1º da Lei nº 3.165/2004, do Município de Guarujá
Ementa:
1)
Incidente de
inconstitucionalidade. Art. 1º da Lei nº 3.165/2004, do Município de Guarujá,
que limita a concessão de isenção do pagamento de tarifa de transporte coletivo
urbano de Guarujá a pessoas portadoras de deficiência física, mental, visual ou
auditiva que tenham renda familiar mensal igual ou inferior a três salários
mínimos.
2)
Universalidade do
direito à educação, excludente de qualquer restrição ao direito subjetivo
imposto na Constituição Federal.
3)
Inconstitucionalidade
da expressão “que tenham renda
familiar mensal igual ou inferior a três (03) salários mínimos” constante
do art. 1º da lei impugnada.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. Câmara Especial do
Tribunal de Justiça quando do julgamento
da apelação nº 0060426-56.2015.8.26.0000, proveniente da 2ª Vara Criminal da
Comarca de Guarujá, figurando como Relator o Desembargador Walter Barone.
A Col. Câmara argui a
inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 3.165, de 25 de agosto de 2004, do
Município de Guarujá por violação aos artigos 205 e 208,
III, VII da Constituição Federal, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:
“(...)
Portanto, o artigo 1º da Lei Municipal nº
3.164;04, do Município do Guarujá, padece de inconstitucionalidade ao limitar o
oferecimento de isenção no transporte coletivo apenas àqueles que tenham renda
familiar igual ou inferior a 03 salários mínimos, visto que, em assim fazendo,
estará excluindo outros beneficiários que também fazem jus à proteção do Estado
por sua condição pessoal peculiar de serem portadores de necessidades
especiais, conforme previsto pela Magna Carta, a qual, como anteriormente
examinado, não definiu nenhum teto objetivo de feda familiar como requisito
para a fruição desse direito, não podendo, pois, fazê-lo a legislação
infraconstitucional.
(...)”
É o relato do essencial.
O art. 1º Lei nº 3.165, de
25 de agosto de 2004, do Município de Guarujá, que “dispõe sobre a gratuidade do Serviço de Transporte Coletivo urbano às
pessoas carente portadoras de deficiências na forma que especifica, e dá outras
providências”, possui a seguinte redação:
“Art.
1º. As pessoas portadoras de deficiência física, mental ou auditiva, que tenham
renda familiar mensal igual ou inferior a três (03) salários mínimos, estão
isentas do pagamento de tarifa de transporte coletivo urbano de Guarujá
mediante apresentação de cartão magnético fornecido pela Prefeitura Municipal
de Guarujá.
(...)”
A
educação, elevada a direito fundamental do homem, encontra-se amparada no art.
6º da Constituição Federal como direito social e no art. 205, como direito de
todos e dever do Estado e da família e tem como princípio a “igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola” (art. 206, I).
Como
ensina José Afonso da Silva[1],
“A norma, assim explicitada – “A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família (...)” (arts. 205 e
227) -, significa, em primeiro lugar, que o Estado tem que aparelhar-se para
fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino de acordo
com os princípios estatuídos na Constituição (art. 206); que ele tem que
ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer
igualmente esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da
Constituição, sobre educação e ensino, hão que ser interpretadas em função
daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização.”
Cabe,
ainda, ao Estado, garantir “atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na
reder regular de ensino” e “atendimento
ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (art. 208, III e
VII) (g.n.).
Por
fim, o art. 227, § 1º, II da Constituição Federal prevê “a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as
pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de
integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o
treinamento para o trabalho e a convivência e a facilitação do acesso aos bens
e serviços coletivos, com eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as
formas de discriminação”.
Os
direitos contemplados constitucionalmente e ratificados em leis federais (como
o Estatuto da Pessoa com Deficiência) são universais, não amparando hipótese de
restrição.
E
não basta a oferta do ensino, é preciso dar condições de acesso, como o
fornecimento de material didático escolar, alimentação, saúde e transporte.
A
imposição de condição econômica para a fruição do direito mostra-se, pois,
descabida e atinge os princípios constitucionais de maneira absoluta.
De
fato, proclamada a universalidade do direito à educação e especificada a
especial condição da pessoa com deficiência, não há brecha constitucional para
redução do direito subjetivo garantido.
Nesse
sentido, explícita a lição de Carlos Henrique Maciel[2]:
“’O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é
direito público subjetivo’ (art. 208, § 1º da CF). Vê-se que o Texto Magno foi
lapidar: não se cuida de ideal programático, mas de prerrogativa concretamente
assegura a todos os brasileiros, independentemente de sua condição econômica.
Nessa relação jurídica o Poder Público aparece como primeiro devedor: tem ele a
obrigação constitucional de fornecer gratuitamente, tanto aos ricos como aos pobres, a educação básica obrigatória.
Qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação de classe ou outra legalmente
constituída ou, ainda, o Ministério Público poderão acionar o Poder Público,
dele exigindo a referida prestação educacional.” (g.n.)
Portanto, de rigor a declaração da inconstitucionalidade da expressão “que tenham renda familiar mensal igual ou inferior a três (03) salários mínimos”, constante do art. 1º da Lei nº 3.165, de 25 de agosto de 2004.
Diante do exposto, nosso parecer
é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu
acolhimento.
São
Paulo, 29 de setembro de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
iccb