Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0062575-25.2015.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 2ª Câmara de Direito Público

Apelante: Agnaldo Francisco Pinto e outro

Apelada: Prefeitura da Estância Turística de São Roque

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Art. 1ºA da Lei n. 3.748, de 28 de dezembro de 2011. Previsão de adicional de periculosidade de 30% aos agentes de trânsito.

2)      Limites ao poder de emenda parlamentar em projetos de lei de iniciativa reservada do Chefe do Executivo. Impossibilidade de emendas que provoquem aumento de despesa, ressalvadas hipóteses expressamente previstas na Constituição. Contrariedade ao art. 24, § 5º, n. 1, c.c. o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

3)   Parecer no sentido do conhecimento e acolhimento da arguição de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 2ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da Apelação nº 0007161-69.2011.8.26.0586, relatora a Desembargadora Vera Angrisani, na sessão realizada em 30/07/2015 (v. acórdão às fls. 162/167).

A Col. Câmara suscitou a inconstitucionalidade relativamente ao adicional de periculosidade, constando do julgado a seguinte ementa:

 “(...)

SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. Agentes de Trânsito. Pedido de recebimento de adicional de periculosidade. Pagamento determinado pelo art. 1º- A da LM nº 3.748/11. Vício formal de Iniciativa. Incidente de Inconstitucionalidade que se impõe. Inteligência do art. 97 da Constituição Federal e Súmula Vinculante 10 do E. Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Remessa dos autos ao C. Órgão Especial.

(...)”

Do voto da relatora consta a seguinte elucidativa passagem:

“(...)

De fato, vislumbra-se a presença da inconstitucionalidade, na medida em que o citado art. 1º-A disciplina benefício a ser pago aos servidores públicos. E tal matéria, por resultar em criação e imposição de despesas, é de competência privativa do Poder Executivo, tal como disposto nos arts. 60, §3º, I, e 67, §2º, I, da Lei Orgânica do Município de São Roque, destoando, por consequência, do princípio fundamental insculpido no art. 2º da Constituição Federal de 88. Como já reconheceu o C. Órgão Especial na apreciação de caso similar, “(...) Trata-se de diploma legislativo verticalmente incompatível com a regra da iniciativa reservada e com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes. Na organização político-administrativa brasileira, o governo municipal apresenta funções divididas. Os prefeitos são os responsáveis pela função administrativa, que compreende, dentre outras coisas, o planejamento, a organização e a direção de serviços públicos, enquanto que a função básica das Câmaras Municipais é legiferar, ou seja, editar normas gerais e abstratas que devem pautar a atuação administrativa. Pois bem. Como essas atribuições foram preestabelecidas pela Carta Política de modo a prevenir conflitos, qualquer tentativa de burla de um Poder pelo outro tipifica violação à independência e harmonia entre eles (...)”.

Destarte, à vista da ofensa ao princípio supra mencionado e também aos arts. 5º, § 2º, 24, § 2º, tem 1, 25 e 144, estes da Constituição Bandeirante, entendo deva ser o caso submetido ao C. Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos termos do artigo 97 da Constituição Federal.”

É o relato do essencial.

O incidente deve ser admitido, e deve ser acolhida a arguição de inconstitucionalidade.

O artigo 1º-A tem a seguinte redação:

“Art. 1º-A Aos Agentes de Trânsito será concedido um Adicional de Periculosidade, equivalente a 30% (trinta por cento) de seu vencimento-base.”

Pois bem.

Pela modificação do texto do projeto originário de iniciativa do executivo, por emenda parlamentar que resultou no artigo 1º-A, passou a ser previsto o adicional de periculosidade, no patamar de 30% do vencimento-base.

Projetos de lei que envolvam o regime jurídico de servidores municipais são de iniciativa reservada ao executivo, na forma do artigo 24, § 2º, 4, da CE/89.

Dessa forma, tratando-se de lei cujo projeto tinha, necessariamente, que advir da iniciativa do Chefe do Executivo, são efetivamente vedadas emendas parlamentares que provoquem o aumento de despesa, nos termos do art. 24, § 5º, 1, da Constituição do Estado de São Paulo, que assim dispõe:

“Art. 24 (...)

§ 5º - Não será admitido o aumento da despesa prevista:

1 - nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador, ressalvado o disposto no art. 174, §§ 1º e 2º;

Ao ampliar os vencimentos do agente de trânsito, previsto originariamente no projeto de lei proposto pelo Poder Executivo, o Poder Legislativo o desfigura, e incide na vedação relativa ao aumento de despesa acima referida.

Nesse passo, a matéria é assente no âmbito do STF, no que diz respeito à interpretação e aplicação do art. 63 da CF, reproduzido pelo art. 24, § 5º, da Constituição Paulista:

“(...)

"Art. 34, § 1º, da Lei Estadual do Paraná 12.398/1998, com redação dada pela Lei estadual 12.607/1999. (...) Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa afronta os arts. 63, I, c/c o 61, §1º, II, c, da CF." (ADI 2.791, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16-8-2006, Plenário, DJ de 24-11-2006.) No mesmo sentido: ADI 4.009, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4-2-2009, Plenário, DJE de 29-5-2009.

"Processo legislativo: projeto do governador, em matéria de iniciativa reservada ao Poder Executivo, aprovado com emendas de origem parlamentar que – ampliando o universo dos servidores beneficiados e alargando os critérios da proposta original – acarretaram o aumento da despesa prevista: inconstitucionalidade formal declarada." (ADI 2.170, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 17-8-2005, Plenário, DJ de 9-9-2005.) No mesmo sentido: ADI 1.124, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-3-2005, Plenário, DJ de 8-4-2005.

“A atuação dos integrantes da Assembléia Legislativa dos Estados-Membros acha-se submetida, no processo de formação das leis, à limitação imposta pelo art. 63 da Constituição, que veda -- ressalvadas as proposições de natureza orçamentária -- o oferecimento de emendas parlamentares de que resulte o aumento da despesa prevista nos projetos sujeitos ao exclusivo poder de iniciativa do governador do Estado ou referentes à organização administrativa dos Poderes Legislativo e Judiciário locais, bem assim do Ministério Público Estadual. O exercício do poder de emenda, pelos membros do Parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado. O poder de emendar -- que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis -- qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em numerus clausus, pela CF. A CF de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado (RTJ 32/143 -- RTJ 33/107 -- RTJ 34/6 -- RTJ 40/348), que suprimiria, caso ainda prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar -- que é inerente à atividade legislativa --, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência (‘afinidade lógica’) com o objeto da proposição legislativa.” (ADI 2.681-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 11-9-2002, Plenário, DJE de 25-10-2013.) No mesmo sentido: ADI 1.254-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 14-7-1995, Plenário, DJ de 18-8-1995; ADI 973-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 17-12-1993, Plenário, DJ de 19-12-2006.

(...)” (g.n.)

Em suma, a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado nesta ação se dá por contrariedade ao art. 24, § 5º, n. 1, c.c. o art. 144 da Constituição Paulista.

Não se observa, por fim, contrariedade ao art. 25 da Constituição Paulista, seja porque a lei, ainda que genericamente, formulou a indicação da necessidade de dotação orçamentária (artigo 2º), bem como porque a falta dos recursos levaria apenas à impossibilidade de sua execução no próprio exercício financeiro, e não à sua inconstitucionalidade, como já assentou o STF (ADI 1585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ 3.4.98; ADI 2339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ 1.6.2001; ADI 2343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ 13.6.2003).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 1º-A da Lei Municipal n. 3.748, de 11 de dezembro de 2011.

 

São Paulo, 02 de outubro de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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