Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0063209-21.2015.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelante: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente

Apelado: (...)

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Artigo 125, da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente, que dispõe sobre o percebimento do adicional por tempo de serviço e sexta-parte.

2)      Violação da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, tendo em vista que a iniciativa parlamentar disciplinou matéria relativa a remuneração, ampliação de direitos, vantagens e disciplina de regime jurídico dos servidores públicos (arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 4, CE).

3)      Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

         Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 10ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível nº 0004698-10.2013.8.26.0482 da Comarca de Presidente Prudente, na sessão realizada em 17 de agosto de 2015, figurando como Relator o Desembargador Marcelo Semer.

A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade do art. 125, da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente, cuja ementa do venerando acórdão tem a seguinte redação (fls. 144/150):

“(...)

APELAÇÃO. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. PRESIDENTE PRUDENTE. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. Recálculo do adicional por tempo de serviço (biênio) sobre os vencimentos integrais. Preliminar arguida afastada. Precedentes do STJ. Ação coletiva ajuizada pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais não exclui o direito do servidor de buscar individualmente a tutela jurisdicional. Art. 104, do CDC. Pretensão fundamentada no artigo 125 da Lei Orgânica do Município, que aparentemente ostenta vício formal de inconstitucionalidade, no tocante à inciativa de leis. Suspenso o julgamento do presente recurso e suscitado o incidente de inconstitucionalidade do artigo 125, da Lei Orgânica, determinando a remessa dos autos ao C. Órgão Especial deste Tribunal de Justiça.

(...)”

É o relato do essencial.

O art. 125, da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente, assim dispõe:

“Art. 125 – Ao servidor público municipal é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço, concedido no mínimo por biênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta-parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte e cinco anos de efetivo exercício, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o disposto no inciso XIV do artigo 37 da Constituição Federal.”

O incidente deve ser admitido, e deve ser acolhida a arguição de inconstitucionalidade.

Evidencia-se, no conteúdo do referido dispositivo legal, a inconstitucionalidade.

O art. 125, da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“(...)

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

“Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre: 

(...) 

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (...)”.

A razão é singela.

Trata, a norma questionada, de regras acerca da remuneração, ampliação de direitos, vantagens e regime jurídico dos servidores municipais, matéria que, seja por disposição da Constituição Estadual (art. 24, § 2º, n. 4), seja por disposição da Constituição Federal (art. 61, § 1º, II, “c”), é de iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

Daí a impossibilidade de regulação dessa temática no âmbito da Lei Orgânica do Município.

Ao suscitar o incidente de inconstitucionalidade a C. 10ª Câmara de Direito Público apontou diversos precedentes, desse C. Órgão Especial, que apoiam seu entendimento (fls. 148/149).

Essa mesma solução é reafirmada pela jurisprudência do C. STF, que destaca, em precedentes que são aplicáveis à hipótese “mutatis mutandis”, que a matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo deve ser tratada por meio da legislação ordinária, excluída, assim, a sua regulamentação na Constituição do Estado ou mesmo na Lei Orgânica da entidade federativa. Confira-se:

(...)

“Tratando-se de criação de funções, cargos e empregos públicos ou de regime jurídico de servidores públicos impõe-se a iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo nos termos do art. 61, § 1º, II, da CF, o que, evidentemente, não se dá com a Lei Orgânica." (ADI 980, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 6-3-2008, Plenário, DJE de 1º-8-2008.)

(...)

"Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II, da CF, que determinam a iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-2-1999, ADI 2.115, Rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, Rel. Min. Maurício Corrêa. Esta Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 14-6-2002 e ADI 243, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, DJ de 29-11-2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente." (ADI 2.873, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.) No mesmo sentido: ADI 2.856, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 10-2-2011, Plenário, DJE de 1º-3-2011; ADI 3.167, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 18-6-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.

(...)

"Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado e de seus Municípios na organização do sistema de ensino: reserva de iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c)." (ADI 1.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-8-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)

(...)

                Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu acolhimento, declarando a inconstitucionalidade do art. 125, da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente.

São Paulo, 05 de novembro de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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