Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

Autos nº: 0069148-79.2015.8.26.0000

Suscitante: Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo

Interessados: (...) e outros

 

Ementa:

1)      Incidente de Inconstitucionalidade. Lei nº 7.356/2013, do Município de Araçatuba, que impõe, dentre outras condições, a exigência de que o candidato à conselheiro tutelar possua habilitação para condução de veículo na modalidade “AB” (motocicleta e automóvel).

2)      Ato normativo que trata da proteção à infância e juventude. Inocorrência de invasão da competência normativa (federal e estadual) concorrente, por se tratar de matéria de interesse local, consistente na eleição do Conselho Tutelar (arts. 24, inciso XV, e 30, incisos I e II, da Constituição Federal, e art. 144, da Constituição Estadual).

3)      Violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade a exigência de carteira nacional de habilitação para condução de motocicleta, visto não guardar qualquer tipo de relação com a função desempenhada pelo conselheiro tutelar.

4)      Parecer pela procedência parcial.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da Apelação em Mandado de Segurança nº 3005324-67.2013.8.26.0032, em que figuram como partes (...) (impetrante-apelante) e (...) e outros (impetrados-apelados).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (art. 97, da Constituição Federal e Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 7.356/2013, do Município de Araçatuba.

Este é resumo do que consta dos autos.

A Lei nº 7.356/2013, do Município de Araçatuba, que impõe, dentre outras condições, a exigência de que o candidato à conselheiro tutelar possua habilitação para condução de veículo na modalidade “AB” (motocicleta e automóvel).

O incidente deve ser julgado parcialmente procedente.

Inicialmente, destacamos que o ato normativo trata de matéria protetiva à infância e juventude, hipótese revestida de interesse local, bem por isso incidindo os seguintes dispositivos da Constituição da República:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

XV – proteção à infância e juventude;

(...)

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;”

De fato, a lei municipal cuida de aspecto da infância e juventude sem exceder os limites da autonomia municipal, vejamos.

A disposição normativa municipal trata de matéria de interesse local, na medida em que a categoria ou classe de pessoas que objetiva tutelar se restringe em sua ocorrência nos limites do território comunal (eleição dos conselheiros tutelares naquela localidade).

Neste contexto normativo, observa-se que a Câmara Municipal de Araçatuba legislou sobre a proteção à infância e juventude, sem invadir a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal.

Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que a Lei nº 7.356/2013, do Município de Araçatuba, não viola o princípio da repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, não operando, por consequência, desrespeito a princípios constitucionais estabelecidos.

Por outro lado, a lei local traz a exigência de que os candidatos ao Conselho Tutelar devam possuir habilitação na modalidade “AB” (motocicleta e automóvel).

Vejamos.

Enquanto o art. 133, do Estatuto da Criança e do Adolescente traz os requisitos para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, o art. 139 estabelece que a lei municipal estabelecerá o processo para a escolha de seus membros:

“(...)

Art. 133. Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão exigidos os seguintes requisitos:

I - reconhecida idoneidade moral;

II - idade superior a vinte e um anos;

III - residir no município.

(...)  

Art. 139 – O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério Público.

(...)” (grifamos)

Se a lei municipal é que estabelecerá o processo de escolha, a melhor interpretação dos dispositivos é no sentido de que o ente municipal pode estabelecer outros requisitos ou exigências para a eleição de membro do Conselho Tutelar para além daqueles constantes do art. 133 do Estatuto, visto que tal dispositivo não é taxativo, e somente dispõe a respeito das condições mínimas para a candidatura no cargo.

Nesse sentido a jurisprudência:

“(...)

RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CANDIDATURA A MEMBRO DO CONSELHO TUTELAR. LEI MUNICIPAL EXIGÊNCIA DE ESCOLARIDADE MÍNIMA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 133 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. I - A Lei nº 620/98, do Município de Duas Barras, Estado do Rio de Janeiro, ao exigir que os candidatos a Conselheiro do Conselho Tutelar possuíssem, pelo menos, o primeiro grau completo, apenas regulamentou a aplicação da Lei nº 8.069/90, adequando a norma às suas peculiaridades, agindo, portanto, dentro da sua competência legislativa suplementar (art. 30, inc. II, da CF). II - O art. 133 do ECA não é taxativo, vez que apenas estabeleceu requisitos mínimos para os candidatos a integrante do Conselho Tutelar, que é serviço público relevante, podendo, inclusive, ser remunerado. III - Recurso especial provido.

(Resp 402.155, RJ RECURSO ESPECIAL 2001/0167799-2, Ministro FRANCISCO FALCÃO 1116, T1 – PRIMEIRA TURMA DJ 15.12.2003 p. 189 RMP vol. 179 p. 112) 

(...)” (grifamos)

Desta forma, tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente – arts.  133 e 139 – quanto a Constituição Federal – arts. 24, XV (competência legislativa concorrente para proteção à infância e juventude) e 30, I e II (interesse local e competência supletiva municipal) –, permitem que a lei local exija carteira nacional de habilitação para o exercício do cargo de conselheiro tutelar.

Contudo, se por um lado não se afigura ilegal a exigência de carteira nacional de habilitação (na modalidade “B”, para automóveis), não nos parece razoável e legítima a exigência da carteira na modalidade “A” (motocicleta), vez que além de não condizente com as funções desempenhadas pelo conselheiro tutelar restringiria em demasia e sem qualquer motivação plausível a capacidade eleitoral passiva para o cargo posto em disputa.

Em suma, ainda que não se verifique inconstitucionalidade na exigência de carteira nacional de habilitação na modalidade “B” (automóvel), há violação à razoabilidade e à proporcionalidade em se exigi-la na modalidade “A” (motocicleta).       

Pelo exposto, opina-se pela procedência parcial do incidente de inconstitucionalidade da Lei nº 7.356/2013, do Município de Araçatuba.

                            São Paulo, 29 de outubro de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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