Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Processo n. 0069724-72.2015.8.26.0000

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público

Objeto: inconstitucionalidade do artigo 14 da Lei nº 999/89, do Município de Diadema

 

 

Ementa: Constitucional. Tributário. Incidente de Inconstitucionalidade. Art. 14 da Lei nº 999/89 do Município de Diadema. ITBI. Fato gerador. Compromisso de compra e venda. Matéria já apreciada e inconstitucionalidade declarada pelo C. Órgão Especial do E. TJSP em precedente julgamento (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0032713-48.2011.8.26.0000, da Comarca de Mogi das Cruzes). O compromisso de compra e venda não transmite direitos reais nem configura cessão de direitos à aquisição deles, violando o art. 156, II, da CF, a lei local que o tenha como fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos. Parecer pelo não conhecimento do incidente ou pela declaração de inconstitucionalidade do mencionado dispositivo legal.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de arguição de inconstitucionalidade, suscitada pela 15ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em face do art. 14 da Lei nº 999/89, do Município de Diadema, que prevê a incidência do ITBI no momento da efetivação do instrumento particular de compromisso de compra e venda.

2.                O Colendo Órgão Fracionário, em v. acórdão relatado pelo eminente Desembargador Eutálio Porto, entendeu que "ao exigir o pagamento do tributo antes da transmissão do imóvel, a Lei Municipal, na realidade, cria um novo fato gerador, qual seja, a celebração do instrumento de compromisso de compra e venda, o que é incompatível com o artigo 156, II, da Constituição Federal" (fl. 95). Eis o teor da ementa (fl. 92):

"APELAÇÃO CÍVEL - Ação de repetição de indébito - ITBI - Lançamento do tributo acrescido de multa e juros moratórios, considerando como termo a quo do prazo para seu pagamento a efetivação do instrumento particular de compromisso de compra e venda - Previsão contida no art. 14 da Lei Municipal nº 999/89 - Inconstitucionalidade - Violação do art. 156, II, da CF - O fato gerador do ITBI só ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil - Necessidade de que a controvérsia seja submetida ao Órgão Especial deste Tribunal, nos termos do art. 480 e seguintes do CPC, em consonância com a Súmula Vinculante nº 10 do STF - Autos remetidos ao Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça para apreciação da arguição de inconstitucionalidade."

3.                Por essa razão, invocando a cláusula de reserva de plenário, suscitou o presente incidente.

4.                É o relatório.

5.                O dispositivo legal contestado tem o seguinte teor:

“Art. 14. Ressalvado o disposto nos artigos seguintes, o imposto será pago antes de se efetivar o ato ou o contrato sobre o qual incide, se por instrumento público, e no prazo de 10 (dez) dias de sua data, se por instrumento particular."

6.                A regra legal enfocada não é compatível com a hipótese de incidência tributária descrita no art. 156, II, da Constituição Federal, de seguinte teor:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

II - transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição"(g.n.)

7.                Neste sentido, colhe-se da jurisprudência:

“Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que negou processamento a recurso extraordinário interposto de acórdão cuja ementa tem o seguinte teor:

‘TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITBI. FATO GERADOR. CTN, ART. 35 E CÓDIGO CIVIL, ARTS. 530, I, E 860, PARAGRAFO ÚNICO. REGISTRO IMOBILIÁRIO.

1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário.

2. A cobrança do ITBI sem obediência dessa formalidade ofende o ordenamento jurídico em vigor.

3. Recurso ordinário conhecido e provido.’ (Fls. 133)

2.  No recurso extraordinário, alega o recorrente que o entendimento esposado pelo Tribunal de origem contraria a inteligência do art. 156, II, da Constituição.

3.  Análise acurada do acórdão recorrido revela que a irresignação não comporta conhecimento.

Com efeito, o acórdão impugnado adotou como razão de decidir, entre outros fundamentos, a interpretação da legislação local, vale dizer, o Decreto local 16.114/1994. A ofensa que pudesse daí emergir não se configuraria de maneira direta e frontal, mas reflexa.

Por derradeiro, cumpre assinalar que o Supremo Tribunal Federal assentou jurisprudência quanto ao mérito em sentido diametralmente oposto à pretensão formulada pelo recorrente. Confira-se, a propósito, o precedente firmado na Rp 1.121 (rel. min. Moreira Alves, DJ 13.04.1984), o qual, a despeito de confeccionado sob a égide da Constituição pretérita, ainda guarda sintonia com a questão versada neste recurso.

Assim ficou redigida a ementa do referido acórdão:

‘EMENTA: Fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos. Compromisso de compra e venda.

- O compromisso de compra e venda, no sistema jurídico brasileiro, não transmite direitos reais nem configura cessão de direitos à aquisição deles, razão por que é inconstitucional a lei que o tenha como fato gerador de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos.

Representação julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do inciso I do parágrafo único do artigo 114 da Lei 7730, de 30 de outubro de 1973, do Estado de Goiás.’

Do exposto, nego seguimento ao agravo” (STF, AI 454.767-DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 27-11-2009, DJe 10-12-2009).

“IMPOSTO DE TRANSMISSÃO INTER VIVOS DE BENS IMÓVEIS - FATO GERADOR - REGISTRO IMOBILIÁRIO - AGRAVO DESPROVIDO.

1.      O recurso extraordinário cujo trânsito busca-se alcançar foi interposto contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que implicou o acolhimento de pedido formulado em apelação interposta pelo agravado e o desprovimento do apelo do Distrito Federal. Eis a síntese do que restou decidido (folha 85):

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. FATO GERADOR. REGISTRO IMOBILIÁRIO.

1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade e do domínio útil, o que, na conformidade da Lei Civil, ocorre com o registro do respectivo título no cartório imobiliário.

2. A pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria o ordenamento jurídico.

3. Recurso do autor provido e improvido o do Distrito Federal.

2.      O Tribunal Pleno, apreciando a Representação de Inconstitucionalidade nº 1.121-6/GO, da relatoria do ministro Moreira Alves, assentou a inconstitucionalidade de lei que tenha o compromisso de compra e venda como fato gerador de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Eis a ementa do acórdão, publicado no Diário de Justiça em 13 de abril de 1984:

‘Fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos. Compromisso de compra e venda.

- O compromisso de compra e venda, no sistema jurídico brasileiro, não transmite direitos reais nem configura cessão de direitos à aquisição deles, razão por que é inconstitucional a lei que o tenha como fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos.

Representação julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do inciso I do parágrafo único do artigo 114 da Lei 7730, de 30 de outubro de 1973, do Estado de Goiás.’

3.      No mesmo sentido, as decisões monocráticas proferidas no Agravo de Instrumento nº 457.177/DF, da lavra do ministro Joaquim Barbosa; no Agravo de Instrumento nº 522.048/DF, da relatoria do ministro Gilmar Mendes; e no Agravo de Instrumento nº 554.586/DF, também relator o ministro Gilmar Mendes.

4.      Conheço do agravo e o desprovejo” (STF, AI 646.443-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 06-09-2007, DJe 03-10-2007).

“Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento a recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, ‘a’, da Constituição Federal, em face de acórdão assim ementado:

‘TRIBUTÁRIO - ITBI - ESCRITURA PARTICULAR DE COMPRA E VENDA SEM REGISTRO - FATO GERADOR NÃO CARACTERIZADO - LEI DISTRITAL 11/88.

O disposto no art. 2º da Lei Distrital 11/88 não se coaduna com o sistema jurídico pátrio, para o qual só se adquire a propriedade imobiliária mediante registro do título que lhe deu causa. Ilegal, portanto, o lançamento do ITBI antes da apresentação da escritura de compra e venda ao oficial registrador.’

Alega-se violação ao artigo 156, II, da Carta Magna.

No julgamento da Rp no 1.121, o Plenário desta Corte assentou que ‘o compromisso de compra e venda, no sistema jurídico brasileiro, não transmite direitos reais nem configura cessão de direitos à aquisição deles, razão por que é inconstitucional a lei que o tenha como fato gerador de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos.’ (DJ 13.04.84).

Nesse mesmo sentido, monocraticamente, AI 457.177, Rel. Joaquim Barbosa, DJ 26.06.05.

Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido.

Assim, nego seguimento ao agravo (art. 557, caput, do CPC)” (STF, AI 522.048-DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 05-04-2006, DJ 04-05-2006, p. 34).

8.               Ocorre que a matéria já foi anteriormente apreciada e a inconstitucionalidade, declarada na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0032713-48.2011.8.26.0000, da Comarca de Mogi das Cruzes, por este Colendo Órgão Especial, em julgamento realizado em 1º.02.12, que teve como relator do eminente Desembargador Cauduro Padin, oportunidade em que esta Procuradoria-Geral de Justiça opinou no mesmo sentido (junta-se em anexo cópia integral do v. acórdão).

9.                Ante o exposto, opino pelo não conhecimento do presente incidente ou, se assim não entenderem Vossas Excelências, pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 14 da Lei nº 999/89, do Município de Diadema.

 

         São Paulo, 28 de outubro de 2015.

 

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

 

 

 

 

 

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