Parecer em Incidente de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0071006-19.2013.8.26.0000
Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal
de Justiça
Ementa:
1) Incidente de inconstitucionalidade. Art. 77, §2º, da Lei Municipal n. 3.781/94, do
Município de Bauru. Possibilidade de servidor de cargo de provimento em
comissão integrar a Comissão Processante. Inconstitucionalidade.
2) Preliminar de não conhecimento. Órgão
fracionário que não delimitou o objeto do incidente.
3) Mérito. Violação dos princípios da impessoalidade e do interesse público (art. 111 da
Constituição Estadual).
4) Parecer no sentido do não
conhecimento do presente incidente, ou no mérito, pelo acolhimento da arguição
de inconstitucionalidade.
Colendo Órgão
Especial,
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator:
Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 8ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível nº 0021240-80.2010.8.26.0071, cuja relatora foi a Desembargadora Cristina Cotrofe, na sessão de julgamento realizada em 30 de janeiro de 2013.
A Col. Câmara arguiu a inconstitucionalidade do art. 77, § 2º, da Lei Municipal n. 3.781/94, do Município de Bauru, em v. acórdão do qual consta a seguinte ementa:
“(...)
Servidor público municipal. Advertência- Comissão processante presidida
por servidor ocupante de cargo em comissão-Alegação de que a legislação
municipal não exige a estabilidade para os membros de tais comissões-Aplicação
supletiva do art. 149, da Lei n. 8.112/90, em razão do princípio do devido
processo legal, do qual decorre a garantia de imparcialidade do órgão julgador.
Aplicabilidade da Súmula Vinculante n. 10 do C. STF-Incidente de
Inconstitucionalidade suscitado- Remessa dos autos ao E. Órgão Especial.
(...)”
É o relato do essencial.
Preliminar
O incidente de inconstitucionalidade não deve ser conhecido.
De fato, quando surge uma questão constitucional incidental, o Órgão fracionário tem duas possibilidades: a) reconhece a constitucionalidade da norma e prossegue no julgamento do caso concreto; ou b) reconhece a razoabilidade da impugnação, suspende o julgamento do caso concreto e remete a questão constitucional para exame perante o Pleno ou Órgão Especial (José Levi Mello do Amaral Júnior. Incidente de arguição de inconstitucionalidade. São Paulo: RT, 2002, p. 53).
Na hipótese em exame, a C. Câmara, diante de precedente que afirmara a inconstitucionalidade do dispositivo destacado, decidiu “submeter o recurso de apelação à apreciação do Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça”, sem se pronunciar sobre a plausibilidade da tese.
No v. Acórdão, a ementa do julgado considerado, que, todavia, não realça a controvérsia constitucional, limitando-se a dizer, sem indicar a fundamentação, que “Aplicação supletiva do art. 149, da Lei n. 8.112/90, em razão do devido processo legal, do qual decorre a garantia da imparcialidade do órgão julgador”.
Esse procedimento, data venia, não atende ao disposto nos art. 480 e ss. do CPC, lembrando-se que o Acórdão do órgão fracionário tem a função de delimitar o objeto da arguição e que o C. Órgão Especial não tem função consultiva.
De fato, se “o Plenário somente pode pronunciar sobre o
que, efetivamente, foi acolhido pelo órgão fracionário, sendo-lhe defeso emitir
juízo sobre a parte julgada inadmissível ou rejeitada pela Turma ou Câmara”
(Mendes, Controle da constitucionalidade:
Aspectos jurídicos e políticos, p. 205, apud:
José Levi Mello do Amaral Júnior. Incidente
de arguição de inconstitucionalidade. São Paulo: RT, 2002, p. 57), impunha-se ao órgão suscitante
dizer em que consiste a suposta inconstitucionalidade, para a eventual
confirmação da tese no incidente, o que, data
venia, não foi observado pela C. Câmara no v. Acórdão de fls. 246/250.
No mérito
Caso a preliminar acolhida seja superada, no mérito a arguição de inconstitucionalidade deve ser acolhida.
O dispositivo do art. 77, § 2º, da Lei n. 3.781/94 do Município de Bauru, glosado pela Col. 8ª Câmara de Direito Público tem a seguinte redação:
“(...)
Art. 77. Ao Prefeito compete determinar a instauração de processo administrativo ordinário.
(....)
§2º. A Comissão Processante será composta de 3 (três) servidores municipais de categoria nunca inferior a do indiciado, incluindo nestes os ocupantes de cargo de livre provimento.
(....)”
Referido
dispositivo é inconstitucional não por violar a Lei Federal n. 8.112/90, na
medida em que não é demais ressalvar que não cabe o acolhimento da
arguição de inconstitucionalidade por violação de lei federal, mas por ser verticalmente
incompatível como o art. 111 da Constituição Estadual, que assim dispõe:
“A administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação, interesse público e eficiência”.
Embora o Município seja dotado de
autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º
e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto,
pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso
da Silva, Direito constitucional positivo,
13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).
A autonomia municipal deve ser
exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na
Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
Júnior, Curso de direito constitucional,
9. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No exercício de sua autonomia administrativa,
o município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos,
instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se
estruturando adequadamente.
Todavia, a possibilidade de que o
Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem
constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas
constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço
público.
Feitas essas considerações, observe-se que a previsão
de que somente servidores estáveis integrem a comissão processante atende ao
princípio da impessoalidade e do interesse
público (art. 111 da Constituição Estadual), na medida em que tais princípios
garantem a imparcialidade, a impessoalidade, a independência e a isenção do
julgamento, o que não aconteceria se dela fizessem parte, os ocupantes de
cargos de provimento em comissão, devido a forte pressão que eles pudessem vir
a sofrer de seus superiores hierárquicos, para se posicionarem em um ou em outro sentido.
Note-se, ainda,
que o princípio da impessoalidade é condicente da proibição ao personalismo na
Administração Pública, vedando qualquer tipo de favoritismo e preterições.
Colocar um ocupante de cargo de provimento em comissão
na comissão processante, sem dúvida vai de encontro ao referido princípio, pois
a violação decorre desta previsão, que deveria recair somente quanto aos
servidores estáveis.
O princípio da impessoalidade é de observância
obrigatória pelos municípios por força do art. 144 da Constituição Federal.
Verifique-se, por fim, que o interesse público só é
alcançado se a comissão processante for isenta,
independente e imparcial, de modo a propiciar um julgamento justo.
Conclui-se, daí, que o art. 77, § 2º, da Lei n. 3.781/94, do Município de Bauru é inconstitucional por contrariar o art. 111 da Constituição Estadual.
Por tais razões, nosso parecer é no sentido do não conhecimento
do incidente ou, no mérito, pela declaração da inconstitucionalidade do art. 77, § 2º, da Lei n. 3.781/94, do Município de Bauru.
São Paulo, 22 de maio de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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