Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Processo n. 0080865-88.2015.8.26.0000

Suscitante: 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Preliminar. Emenda n. 36/2013 à Lei Orgânica do Município de São Paulo. Não acolhimento. Guarda Municipal. Competências. Aposentadoria diferenciada de seus integrantes. Procedência. 1. Preliminar. Questão já enfrentada pelo Órgão Especial, nos autos de Incidente de Inconstitucionalidade nº 0027469-02.2015.8.26.0000, que reconheceu a inconstitucionalidade da Emenda nº 36/2013 à Lei Orgânica do Município de São Paulo, a qual possibilitava a concessão de aposentadoria para o cargo de Guarda Municipal com adoção de requisitos e critérios diferenciados. Parecer pelo não-conhecimento. 2. Mérito. Reserva de lei complementar e de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para requisitos e critérios diferenciados da aposentadoria de servidores públicos (arts. 5º, 24, § 2º, 4 e 126, § 4º, CE/89). 3. Usurpação da competência legislativa privativa da União com violação do princípio federativo (art. 1º da Constituição Estadual). Compete a União legislar sobre a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos que exerçam atividades de risco (art. 40, § 4º c.c. o art. art. 24, XII da Constituição Federal). Violação do princípio federativo (art. 1º e art. 144 da Constituição Paulista) decorrente da repartição constitucional de competências. 4. Guardas Civis Municipais são servidores públicos efetivos sujeitos ao regime próprio de previdência social. Vedação de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria. Violação do art. 126 da Constituição Estadual.

 

 

 

 

 

 

Egrégio Tribunal:

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela colenda 11ª Câmara de Direito Público no julgamento de apelação interposta contra respeitável sentença proferida pelo MM. Juízo da 14ª Vara da Fazenda Pública da comarca de São Paulo, que concedeu a ordem no mandado de segurança de nº 1020563-48.2014.8.26.0053, impetrado por servidor público municipal, ocupante do cargo de Guarda Civil Metropolitano, que objetiva a concessão de aposentadoria especial, com paridade e integralidade do último salário que recebeu, tendo como fundamento o inciso II do § 1° do art. 88, na redação dada pela Emenda n. 36, de 17 de dezembro de 2013, da Lei Orgânica do Município de São Paulo. O venerando acórdão tem a seguinte fundamentação (fls. 132/135):

“(...)

Assim, a matéria atinente a aposentadoria de servidores seria de iniciativa do Prefeito, não obstante a atual redação da referida norma ter sido introduzida pela Emenda nº 36/13, resultante do PLO 16, proposto por dois vereadores, o que também implicaria em violação ao artigo 36, I da Lei Orgânica do Município, que prevê proposta de emenda por no mínimo 1/3 dos membros da Câmara Municipal.

Entende-se, portanto, ser referido artigo de lei inconstitucional.

Ante os indícios de inconstitucionalidade da Emenda nº 36/2013 à Lei Orgânica do Município de São Paulo, determino, nos termos dos artigos 97 da Constituição Federal, 480 do Código de Processo Civil e 193 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, bem como Súmula Vinculante nº 10 do Colendo Supremo Tribunal Federal, a suspensão do julgamento do presente recurso, submetendo a questão ao Colendo Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.

 (...)”

         É o relatório.

         PRELIMINARMENTE

No caso em análise existe óbice à instauração do incidente.

É que, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC, “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.

A questão constitucional em análise já foi enfrentada pelo C. Órgão Especial no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0027469-02.2015.8.26.0000, como demonstra a seguinte ementa:

“(...)

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – EMENDA Nº 36/2013, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ARTIGO 88, DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – GUARDA MUNICIPAL – APOSENTADORIA DIFERENCIADA DE SEUS INTEGRANTES – IMPOSSIBILIDADE – VÍCIO DE INICIATIVA – INVASÃO DA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO – VÍCIO FORMAL RECONHECIDO – AFRONTA AOS ARTIGOS 5º; 24, 4; 126, §4º E 144, TODOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – PRECEDENTES. ARGUIÇÃO ACOLHIDA.”

Desse modo, aplicado o parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil, o presente incidente de inconstitucionalidade não deve ser conhecido.

MÉRITO

A Emenda n. 36, de 17 de dezembro de 2013, à Lei Orgânica do Município de São Paulo, deu nova redação a seu art. 88, nos seguintes termos:

“Art. 1º O art. 88 da Lei Orgânica do Município de São Paulo passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 88. O Município manterá sua Guarda Municipal, a qual se denomina Guarda Civil Metropolitana, destinada à proteção da população da cidade, dos bens, serviços e instalações municipais, e para a fiscalização de posturas municipais e do meio ambiente.

§ 1º Os seus integrantes serão aposentados, de forma voluntária, nos termos do art. 40, § 4º, II e III, da Constituição da República, sem limite de idade, com paridade e integralidade do último salário que receber, desde que comprovem:

I - 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, contando com pelo menos 15 (quinze) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda Civil Metropolitano, para mulher;

II - 30 (trinta) anos de contribuição, contando com pelo menos 20 (vinte) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda Civil Metropolitano, para homem.

§ 2º A Guarda Civil Metropolitana poderá exercer dentro de suas funções a segurança e proteção nas escolas públicas municipais, no âmbito da cidade de São Paulo.

Art. 2º Esta emenda à Lei Orgânica entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

Em sua redação originária, dispunha o artigo 88 da LOM:

“Art. 88 - O Município poderá, mediante lei, manter Guarda Municipal, subordinada ao Prefeito e destinada à proteção dos bens, serviços e instalações municipais.”

Inicialmente, a Constituição Estadual (art. 126, § 4º) permite à lei complementar instituir adoção de requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria de servidores públicos que exerçam atividade de risco ou sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Ainda, não bastasse a emenda constitucional violar a reserva de lei complementar disposta no art. 126, § 4º, da Constituição Estadual, ela é incompatível com os arts. 5º e 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual.

Neste sentido, a disciplina do regime jurídico e da aposentadoria dos servidores públicos é, segundo o art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual - que decorre do princípio da separação de poderes (art. 5º, Constituição Estadual) - da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo.

Essa regra é aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual e do art. 29 da Constituição Federal, e reproduz os arts. 2º e 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal.

As regras do processo legislativo federal também são de observância compulsória pelos Estados e Municípios como vem julgando reiteradamente o Supremo Tribunal Federal:

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

Por essa razão, não é lícito à Lei Orgânica tratar de assunto que é da iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo. Neste sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 77, XVII DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FACULDADE DO SERVIDOR DE TRANSFORMAR EM PECÚNIA INDENIZATÓRIA A LICENÇA ESPECIAL E FÉRIAS NÃO GOZADAS. AFRONTA AOS ARTS. 61, § 1º, II, ‘A’ E 169 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A Constituição Federal, ao conferir aos Estados a capacidade de auto-organização e de autogoverno, impõe a obrigatória observância aos seus princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador constituinte estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. 2. O princípio da iniciativa reservada implica limitação ao poder do Estado-Membro de criar como ao de revisar sua Constituição e, quando no trato da reformulação constitucional local, o legislador não pode se investir da competência para matéria que a Carta da República tenha reservado à exclusiva iniciativa do Governador. 3. Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade do servidor de transformar em pecúnia indenizatória a licença especial e férias não gozadas. Concessão de vantagens. Matéria estranha à Carta Estadual. Conversão que implica aumento de despesa. Inconstitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 227-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 19-11-1997, v.u., DJ 18-05-2001, p. 429).

“CONSTITUCIONAL. LEI ORGÂNICA DO DF QUE VEDA LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZADA OFENSA AOS ARTS. 37, I E 61 § 1º II, ‘C’ DA CF, INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO EM RAZÃO DA MATÉRIA - REGIME JURÍDICO E PROVIMENTO DE CARGOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. EXERCÍCIO DO PODER DERIVADO DO MUNICÍPIO, ESTADO OU DF. CARACTERIZADO O CONFLITO ENTRE A LEI E A CF, OCORRÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. PRECEDENTES. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE” (STF, ADI 1.165-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, 03-10-2001, v.u., DJ 14-06-2002, p. 126).

Não bastasse, o esquema de repartição de competências entre os entes federados – expressão do princípio federativo – conferiu à União e aos Estados, sem espaço para os Municípios, a competência concorrente para legislar sobre previdência social (art. 24, XII da Constituição Federal).

           De outro lado, a Constituição Federal instituiu um regime próprio de previdência dos entes federativos, vedando a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime (art. 40, § 4º e 12 da Constituição Federal e art. 126 § 4º e 12 da Constituição Estadual).

Ressalvou, no entanto, a possibilidade da lei complementar adotar requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores: portadores de deficiência; que exerçam atividades de risco; cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Ainda que se admita que os guardas civis exerçam atividade de risco, o Município ao reconhecer por lei tal circunstância e estabelecer regime de aposentadoria e benefícios previdenciários diferenciados, violou o princípio federativo, haja vista tratar de matéria cuja disciplina está subordinada a lei complementar de competência da União.

Nem se alegue a existência de competência complementar municipal, fundada na autonomia para legislar sobre assunto de interesse local. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência dos motivos que justificariam a competência legislativa municipal, haja vista que a disciplina de regras diferenciadas para aposentadoria para servidores que exerçam atividade de risco, tem relevância além dos limites do Município, pois representa interesse nacional, não podendo se subordinar a uma prevalência local. Além disto, a multiplicidade de normas e critérios tornaria impossível a compensação entre os regimes.

E a matéria em questão, por sua abrangência, nem mesmo poderia ser disciplinada pelo Estado, como reconheceu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 797.905, interposto em face de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, proferida em sede de mandado de injunção, ao proclamar que: A omissão referente à edição da Lei Complementar a que se refere o art. 40, §4º, da CF/88, deve ser imputada ao Presidente da República e ao Congresso Nacional.

No julgamento observou o Ministro Relator Gilmar Mendes que:

“Sobre o tema, esta Corte assentou que, apesar de a competência legislativa ser concorrente, a matéria deve ser regulamentada uniformemente, em norma de caráter nacional, de iniciativa do Presidente da República.

A propósito, cito os seguintes precedentes: MI-ED 4.366, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 12.2.2014; MI-AgR 1.328, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, DJe 2.12.2013; RE-AgR 745.628, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 4.11.2013; MI-AgR 1.545, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 08.06.2012; MI-AgR 1.832, Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 18.05.2011; e MI 1.898-AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 1.6.2012, cuja ementa colaciono a seguir:

‘CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS. DECISÃO QUE CONCEDE A ORDEM PARA DETERMINAR QUE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COMPETENTE ANALISE A SITUAÇÃO FÁTICA DO IMPETRANTE À LUZ DO ART. 57 DA LEI 8.213/1991. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E DE INCOMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. A Corte firmou entendimento no sentido de que a competência concorrente para legislar sobre previdência dos servidores públicos não afasta a necessidade da edição de norma regulamentadora de caráter nacional, cuja competência é da União. Por esse motivo, a Corte assentou a legitimidade do Presidente da República para figurar no polo passivo de mandado de injunção sobre esse tema. Precedentes. Agravo regimental desprovido’.

Assim, ao disciplinar matéria de competência da União, o legislador municipal extrapolou sua competência limitada a disciplinar matéria de interesse predominantemente local.

Ainda que assim não fosse, o assunto, em termos acadêmicos, foi bem examinado por Fernanda Menezes Dias de Almeida assentando que a colisão de competências resolve-se pela prevalência das “determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa” (Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2ª ed., p. 159).

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e de harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre a União, os Estado e os Municípios.

É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

O princípio federativo está assentado nos arts. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.

Referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros, “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.).

Um dos aspectos de maior relevo, que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em relação à União.

Por essa linha de raciocínio, pode-se afirmar que os dispositivos questionados tratam de matéria cuja competência é do legislador federal ou estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.

Por sua vez, o art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 20/98, 41/2003 e 47/2005, seguido pela Constituição Estadual (art. 126), instituiu um regime próprio de previdência social a ser observado pelos entes federados.

Assegurou assim aos servidores titulares de cargos efetivos da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

As aposentadorias por invalidez permanente, compulsória e voluntária foram disciplinadas de forma clara pelo § 1º do art. 40 da Constituição Federal, reproduzido no § 1º do art. 126 da Constituição Estadual.

Os Guardas Civis Municipais por serem servidores públicos efetivos sem qualquer regime especial previsto ou admitido pela Constituição Federal, como ocorre como os militares e policiais militares, estão submetidos às regras daquele regime geral de previdência dos servidores públicos, sendo vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria.

Assim, a instituição de regime de aposentadoria diferenciado com diminuição no tempo de contribuição e sem limite de idade, previsto no ato normativo impugnado, viola o art. 40 da Constituição Federal reproduzido no art. 126 da Constituição Estadual.

           A Emenda Constitucional nº 20/1998 vinculou os proventos de aposentadoria e as pensões à remuneração do cargo efetivo, como critério para o seu cálculo e como limite máximo para a sua concessão (§§ 2º e 3º do artigo 40) e manteve o reajustamento dos proventos e pensões na mesma proporção e na mesma data dos servidores ativos (§ 8º do artigo 40). A Emenda nº 41/2003 manteve a remuneração do cargo efetivo como limite máximo para os proventos de aposentadoria e as pensões (§ 2º do artigo 40), porém estabeleceu que no cálculo destes fosse observado o histórico contributivo e de remunerações do servidor, na forma da lei (§ 3º), e alterou a sua forma de reajustamento, passando a assegurar a preservação de seu valor real, também conforme critérios estabelecidos em lei (§ 8º).

Os critérios para cálculo dos benefícios foram definidos no artigo 1º da Lei nº 10.887/2004, que adotou parâmetros semelhantes aos previstos para o RGPS, estabelecendo que:

“Art. 1o No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, previsto no § 3º do art. 40 da Constituição Federal e no art. 2º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência.”

Desta forma, a previsão de proventos de aposentadoria correspondentes a integralidade da remuneração do cargo em que se der a aposentadoria também, viola a regra do § 3º do art. 40 da Constituição Federal, reproduzida no § 3º do art. 126 da Constituição Estadual.

A prescrição de que os Municípios devem observar os princípios constitucionais estabelecidos não se encontra apenas no art. 144 da Constituição Paulista. O art. 29, caput, da Constituição Federal, prevê que os Municípios, ao editarem suas leis orgânicas deverão respeitar os “princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado”.

Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que a Emenda 36/2015 à Lei Orgânica do Município de São Paulo, invadiu espaço reservado à competência normativa federal, violando a repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípio constitucional estabelecido.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto no art. 1º e no art. 144, ambos da Constituição do Estado de São Paulo.

Ademais, não se desconhece o teor da Emenda nº 39, de 24 de junho de 2015, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, que pretendeu superar o vício formal de inconstitucionalidade do inciso II do § 1° do art. 88, na redação dada pela Emenda nº 36/2013. Essa discussão, todavia, sequer tangenciou o presente feito, uma vez que o incidente de inconstitucionalidade ora analisado data de 11 de junho de 2015.

Ainda assim, também não caberia examinar o conteúdo da Emenda nº 39/2015, porque já consolidada a opinião deste Sodalício sobre o assunto, conforme ementa colacionada a seguir.

“Arguição de inconstitucionalidade Emenda nº 36/2013, de iniciativa parlamentar, que deu nova redação ao artigo 88, da Lei Orgânica do Município de São Paulo - Guarda municipal - Aposentadoria diferenciada de seus integrantes – Questão não conhecida em virtude do julgamento da Arguição nº 00274649-02.2015.8.26.0000 por este Colendo Órgão Especial – Reconhecimento da Inconstitucionalidade da referida emenda.

Emenda nº 39/2015, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, que deu nova redação ao artigo 88 da Lei Orgânica do Município de São Paulo – Guarda municipal - Aposentadoria diferenciada de seus integrantes – Manutenção do interesse de agir – Vício de inconstitucionalidade persistente por ausência de lei complementar dispondo sobre o tema (art. 126, §4º da CE) – Competência privativa da União para legislar sobre seguridade social (art. 22, XXIII DA CF) e concorrente dos Estados e Distrito Federal na falta de norma geral, sem espaço para os Municípios ( art. 24, § 3º DA CF) – Violação ao princípio federativo (art. 1º DA CE) – Necessidade de edição de norma regulamentar de caráter nacional, cuja competência é da União, reconhecida pelo STF - Omissão legislativa que deve ser suprida em conformidade com o disposto na Súmula 33 do STF.

Conhecida a arguição de inconstitucionalidade da Emenda nº 36/2013 à Lei Orgânica do Município de São Paulo e acolhida a arguição de inconstitucionalidade em relação à Emenda nº 39/2015 à mesma Lei Orgânica.” (TJSP, Arguição de Inconstitucionalidade nº 0056709-36.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Neves Amorim, v.u. 18/11/2015)

Face o exposto, nosso parecer é no sentido do não conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e, caso superada a preliminar, seja o mesmo acolhido, declarando inconstitucional a Emenda n. 36/2013 à Lei Orgânica do Município de São Paulo.

São Paulo, 14 de dezembro de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

ms/mml