Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0082817-73.2013.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça

 

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Lei nº 8.389, de 15 de julho de 2002, do Município de Santo André, que “Dispõe sobre a instalação de estações de radiocomunicações dos serviços de telecomunicações, de rádio-base e mini-estações de rádio-base de telefonia celular (ERB), células de telefonia celular e equipamentos afins”.

2)      Alegação de inconstitucionalidade por afronta ao art. 22, IV, da Constituição Federal que atribui competência privativa à União para legislar sobre telecomunicações.

3)      Usurpação da competência legislativa privativa da União (art. 22, IV), com violação do princípio federativo (CE, art. 1º). Não é o Estado competente para a disciplina da instalação de estação de rádio-base, torres e equipamentos afins de telefonia celular e de televisão (arts. 21, XI, e 22, IV, Constituição Federal).

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, quando do julgamento da apelação cível nº 9186770-70.2008.8.26.0000 da 9ª Vara Cível da Comarca de Santo André, na sessão realizada em 28 de fevereiro de 2013, figurando como Relator a Des. Vera Angrisani.

A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade da Lei nº 8.389, de 15 de julho de 2002, do Município de Santo André, por violação ao art. 22, IV, da Constituição Federal que atribui competência privativa à União para legislar sobre telecomunicações, tendo ficado consignado no voto do relator o seguinte:

“(...)

Já no presente feito, o pedido de retirada das antenas tem como um dos fundamentos o descompasso com a Lei Municipal nº 8.389/02, que assim como a lei estadual, também tem por objetivo, nos termos do seu art. 1º, dispor sobre “a instalação de estações de radiocomunicação dos serviços de telecomunicações, estações de rádio-base e mini-estações de rádio-base de telefonia celular (ERB), células de telefonia celular e equipamentos similares no Município de Santo André”.

Mais adiante, no art. 4º, §2º, condicionou a renovação de licença à apresentação de Laudo Radiométrico atualizado, devidamente assinado por empresa ou profissional habilitado. Já no art. 6º, restou explícito que a Prefeitura poderá requisitar, a qualquer momento, a elaboração de Laudo Radiométrico, para comprovar se a emissão de ondas de radiofrequência obedece os parâmetros legais estabelecidos.

Por fim, em seu art. 9º, vedou a instalação de equipamentos em hospitais, públicos ou privados, e nas unidades de pronto atendimento, em escolas infantis, de ensino fundamental, médio ou superior, nas praças, nos parques com área inferior a 100.000,00m², em áreas de reservas biológicas, em áreas de preservação do patrimônio cultural, nos logradouros públicos e nas clínicas médicas.

Conclui-se, portanto, que a Lei Municipal nº 8.389/02 padece do mesmo vício que maculava a regra estadual, pois procurou também disciplinar matéria cuja competência legislativa é atribuída privativamente à União. Entendo deva ser o caso submetido ao C. Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos termos do artigo 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 10 do C. STF..”

É o relato do essencial.

O incidente deve ser conhecido e merece acolhimento.

A Lei nº 8.389/02 do Município de Santo André que “Dispõe sobre a instalação de estações de radiocomunicações dos serviços de telecomunicações, de rádio-base e mini-estações de rádio-base de telefonia celular (ERB), células de telefonia celular e equipamentos afins, viola o princípio federativo, que se manifesta na repartição constitucional de competências, (arts. 1º e 144, da Constituição Paulista).

O esquema de repartição de competências entre os entes federados – expressão do princípio federativo – conferiu à União, sem espaço para Estados e Municípios, tanto a competência material dos serviços de telecomunicações e radiodifusão (art. 21, XI e XII, a), titularizando essa atividade como serviço público federal, quanto à competência legislativa revelada duplamente no art. 22, IV, e na expressão “nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de órgão regulador e outros aspectos institucionais”, constante da segunda parte do inciso XI do art. 21.

O trato da matéria, visualizada numa perspectiva abrangente e múltipla, envolve não só as telecomunicações, mas, sua conexão com relações e efeitos direta ou indiretamente dela derivados, ou seja, o impacto e a interferência em questões colaterais à execução da atividade, como segurança, meio-ambiente, saúde, tranquilidade, privacidade, proteção ao consumidor etc., demandando, por isso mesmo, uma disciplina normativa uniforme para todo território nacional e aplicável a todas as coisas e pessoas físicas ou jurídicas.

O estado de probabilidade (prevenção) ou de incerteza (precaução) de riscos, perigos ou danos decorrentes dos serviços de telecomunicações é unitariamente concebível e estimável para qualquer Estado ou Município da Federação, motivo que inspira a uniformidade e a centralidade normativa (não bastasse a titularidade federal do serviço), pois, os efeitos serão os mesmos em bens e pessoas situados no território nacional.

Sobre a matéria, a União no uso de sua competência privativa de legislar (CF, art. 22, IV), editou a Lei nº 9.472/97, estabelecendo que a ela, através do órgão regulador, cabe organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Dispôs que a organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofrequências (art. 1º e parágrafo único).

A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), a quem a lei conferiu as atribuições de órgão regulador (art. 8º), com competência para adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, dentre elas a expedição de normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem (art. 19, XII), já disciplinou, ainda que parcialmente, a matéria objeto da lei estadual impugnada, através da Resolução nº 303/2002 que aprovou o Regulamento sobre limitação da exposição a campos elétricos, magnético e eletromagnéticos na faixa de radiofrequências entre 9khz e 300 GHz.

Nem se alegue a existência de interesse local ou autonomia municipal para simples disciplina do uso e ocupação do solo urbano. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência da predominância – chave-mestra para delimitação da autonomia local – na medida em que não se cinge às peculiaridades de cada comuna o estabelecimento de posturas edilícias para evitar riscos ou perigos à vida, à saúde, à segurança, decorrentes de instalações de telecomunicações, posto que em qualquer espaço do território nacional prevalece, ao contrário, a identidade de causas e efeitos. Deste modo, normas que contém ou indicam padrões ou parâmetros para uso de instalações e equipamentos dos serviços de telecomunicações, inclusive relativamente a seus reflexos a terceiros, são da órbita de competência normativa federal.

Ainda que assim não fosse, o assunto, em termos acadêmicos, foi bem examinado por Fernanda Menezes Dias de Almeida assentando que a colisão de competências resolve-se pela prevalência das “determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa” (Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2ª ed., p. 159).

Enfim, e corroborando a tese aqui exposta, decidiu esta colenda Corte Paulista:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda n ° 12, de 12.05.2004, que acrescenta o artigo 163-A à Lei Orgânica Municipal de Estiva Gerbi. Proibição de instalação de antenas ou torres de telefonia celular no perímetro urbano do Município. Inconstitucionalidade reconhecida por ingerência do Parlamento Municipal em assunto de competência legislativa da União. Art. 22, IV, da Constituição Federal e arts. 1º, 111 e 144, da Constituição Estadual. Ação procedente” (TJSP, ADI 114.569-0/2-00, Órgão Especial, Rel. Des. Roberto Stucchi, m.v., 08-11-2006).

“Em reforço ao quanto já expendido, esclareça-se que a ação direta de inconstitucionalidade acima citada, da qual foi relator Desembargador Roberto Stucchi, foi julgada em 08 de novembro de 2 006 e à semelhança da Procuradoria Geral de Justiça, extrai-se:

‘Trata-se, portanto, de ingerência nas competências material e legislativa da União, bem lembrando o Procurador-Geral de Justiça, a fls. 111/112, a orientação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, no sentido de que '(...) Ainda cerceiam a autonomia dos Estados regras de subordinação normativa. São estas que, presentes na própria Constituição Federal e direcionadas por ela a todos os entes federativos (União, Estados Municípios), predefinem o conteúdo da legislação que será editada por eles (...)’.

Desse modo, desnecessária a repetição dos princípios estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual para se constatar agressão à disciplina dos arts. 1º, 111 e 144, da Constituição Paulista’.

Existindo, pois, precedente desta Corte, que vem ao encontro das convicções expressas nesta decisão, a norma impugnada é, com efeito, inconstitucional, pois o legislador local extrapolou da sua esfera de competência” (TJSP, ADI 141.511-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., DJ 19-09-2007).

De outro lado, a Lei Estadual nº 10.995/01 que tratava da mesma matéria, já foi declarada inconstitucional por esse Colendo Órgão Especial, em sede do Incidente de Inconstitucionalidade nº 0265129-22.2010.8.26.0000 (ANTIGO 990.10.265129-0), suscitado pela 8ª Câmara de Direito Público, em APELAÇÃO CÍVEL interposta contra sentença prolatada em MANDADO DE SEGURANÇA, impetrado por TESS S.A. contra o Secretário Municipal de Obras e Projetos de Campinas, objetivando a apreciação sobre a constitucionalidade dos arts. 3º, 4º e 5º, da referida Lei Estadual. A ementa do julgamento ficou assim redigida:

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO- ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEIS ESTADUAL E MUNICIPAL - SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES - ESTABELECIMENTO DE CONDIÇÕES - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO - PRESENÇA - INCONSTITUCIONALIDADE – EXISTÊNCIA - São inconstitucionais a Lei Estadual 10.995, de 21 de dezembro de 2001, e o art. 10 da Lei Municipal de Campinas 11.024, de 9 de novembro de 2001, que estabelecem condições às empresas prestadoras de serviços de telecomunicações para a instalação de antenas e estações de radiotransmissão em geral, por invadirem competência legislativa e material privativa da União, afrontando o disposto nos arts. 22, inciso IV, combinado com o art. 21, inciso XI, da Constituição Federal - Leis de outros entes federativos não podem impor alterações, direta ou indiretamente, nos contratos celebrados com a União - Jurisprudência do STF – Acolhe-se a arguição de inconstitucionalidade.”

Não pode o legislador Estadual, contudo, a pretexto de legislar concorrentemente ou suplementar a legislação Federal ordem geral, invadir a competência legislativa deste ente federativo superior (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006).

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e da harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre União, Estado e Município. É por meio desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que a Lei nº 8.389/02, do Município de Santo André, violou a repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípio constitucional estabelecido.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto nos arts. 1º e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu acolhimento, declarando a inconstitucionalidade da Lei nº 8.389, de 15 de julho de 2002, do Município de Santo André.

                São Paulo, 21 de maio de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

 

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