Parecer em Incidente de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0104341-29.2013.8.26.0000
Órgão Especial
Suscitante: 18ª Câmara de Direito
Público do Tribunal de Justiça
Apelante: Hopi Hari S.A. (Atual
Denominação)
Apelado: Secretário da Fazenda do Município de Vinhedo
Objeto: Item 59, alínea i da lista de serviços, anexa à Lei
Complementar nº 02/97 do Município de Vinhedo
Ementa:
1) Incidente de inconstitucionalidade. Item 59, “i”, da lista de serviços, anexa à Lei Complementar Municipal nº 02/97, de Vinhedo, que insere a atividade exercida pelos parques de diversões como serviços tributados pelo ISS.
2) Inconstitucionalidade. Usurpação da competência legislativa privativa da União (arts. 146, inciso III, alínea “a” e 156, III da Constituição Federal), com violação do princípio federativo. Não é o município competente para definição dos serviços que possam ser objeto do fato gerador do imposto sobre serviços.
3) Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão
Especial:
Trata-se
de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 18ª Câmara de Direito
Público, quando do julgamento da apelação cível nº 0060663-18.2000.8.26.0000 (991.00.060663-0)
da Comarca de Jundiaí, na sessão realizada em 14 de março de 2013, figurando
como Relator o Desembargador Francisco Olavo.
A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade da
expressão “parque de diversão” do item
59, “i”, da lista de serviços anexa à Lei Complementar Municipal nº 02/97 de Vinhedo,
por violação ao art. 156, inciso III da Constituição Federal, tendo ficado
consignado no voto do relator o seguinte:
(...)
A controvérsia gira em torno da constitucionalidade do Imposto Sobre Serviços (ISS) relativo a parque de diversões com esteio na Lei Complementar Municipal nº 2, de 10 de dezembro de 1997, pois o município, ao editar a lei em questão, incluiu a expressão “parque de diversões” entre os serviços tributáveis pelo ISS.
Ocorre que a atividade de parque de diversões com previsão no item 60 da Lista de Serviços Anexa ao Decreto-lei 406/68, incluída pela Lei Complementar 56/87, foi expressamente vetada pelo Exmo. Presidente da República ao sancionar a referida LC, e o veto confirmado pelo Congresso Nacional.
Se o legislador federal, confirmando o veto presidencial, afastou determinado serviço da incidência do ISSQN, não cabe tributá-lo, ainda que sob o argumento de que a lista comporta interpretação extensiva.
Nesse contexto, a lista de serviços anexa ao DL 406/68, dada pela LC 56/87, é taxativa, sendo vedado ao legislador municipal ir além, tributando serviços que dela não constarem, evidenciando-se, assim, a inconstitucionalidade do dispositivo que previu a incidência do ISS sobre parques de diversões no Município de Vinhedo.
(...)
É o relato do essencial.
O incidente deve ser conhecido e merece acolhimento.
A Lei Complementar Municipal nº 02/97, de Vinhedo,
inseriu na lista dos serviços tributáveis no município pelo imposto sobre
serviços (ISS) a atividade de “parque de
diversão” (item 59, “i”, da lista de serviços)
A referida previsão legal viola diretamente a competência da União para definir os serviços de qualquer natureza passíveis do imposto, prevista no art. 156, III da Constituição Federal, e indiretamente o princípio federativo que se manifesta na repartição constitucional de competências (arts. 1º e 144 da Constituição Paulista e art. 1º da Constituição Federal).
O art. 156, III da Constituição Federal estabelece que:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”
A definição dos serviços e atividades tributáveis pelo imposto municipal conhecido por ISS (Imposto sobre Serviços) é matéria reservada à disciplina de lei complementar.
Em matéria tributária, cabe à lei complementar federal definir os tributos e suas espécies, bem como estabelecer os possíveis fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos previstos na Constituição Federal (art. 146, III, a, da Constituição Federal).
Na hipótese do imposto sobre serviços, a Constituição Federal literalmente atribuiu à lei complementar a definição dos serviços passíveis desta exação.
Desta forma, o município, ao disciplinar matéria reservada a competência da União, como ocorreu na hipótese, pela previsão de serviço não contemplado na relação da Lei Complementar nº 02/1997, violou o princípio federativo que tem por fundamento a distribuição das competências entre os entes federados.
Não pode o legislador municipal, a pretexto de legislar sobre assuntos de interesse local ou suplementar a legislação federal ou estadual de ordem geral, invadir a competência legislativa destes entes federativos superiores (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006).
Cabe à União definir quais os serviços que sobre os quais pode ser instituído o imposto sobre serviços, restando ao município o exercício de sua competência tributária nos limites traçados pela Constituição Federal e pelas normas gerais tributárias objeto das leis complementares (art. 155, XII, da Constituição Federal).
A autonomia dos entes federativos pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e da harmonia do Estado Federal.
A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre União, Estado e Município. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.
De qualquer forma, a análise da validade do ato
normativo passa pela verificação da natureza taxativa ou exemplificativa da
lista de serviços estabelecida pela lei complementar editada nos termos do art.
156, inciso III, da Constituição Republicana. Sendo taxativa, a competência
municipal para dispor sobre o assunto é limitada, desautorizando, assim, a
instituição e a cobrança de ISS – por lei municipal – por serviços nela não
contemplados.
A doutrina diverge acerca desse tema, havendo posicionamento
majoritário no sentido de que a lista de serviços teria caráter meramente
exemplificativo. (Cf. Geraldo Ataliba, Normas Gerais de Direito Financeiro e
Tributário e Autonomia dos Estados e Municípios, Revista de Direito Público,
1969, vol. 10, pp 45/80; Arthur Carlos A. Pereira
Gomes, Imposto Municipal sobre Serviços taxatividade parcial da lista, Revista
de Direito Público, abr./jun. 1972, vol. 20, pp. 336-342.)
No colendo Supremo Tribunal Federal, prevalece o
entendimento que considera taxativa a lista de serviços, nos termos dos
precedentes abaixo transcritos:
“Imposto sobre serviços. Não incidência sobre operações bancárias. A lista de serviços anexa à Lei Complementar 56/1987 é taxativa. Não incide ISS sobre serviços expressamente excluídos desta. Precedente: RE 361.829, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006.” (AI 590.329-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 8-8-2006, Segunda Turma, DJ de 8-9-2006.) No mesmo sentido: RE 361.829-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 2-3-2010, Segunda Turma, DJE de 19-3-2010.
“O ISS é um imposto municipal. É dizer, ao Município
competirá instituí-lo (CF, art. 156, III). Todavia, está ele jungido à norma de
caráter geral, vale dizer, à lei complementar que definirá os serviços
tributáveis, lei complementar do Congresso Nacional (CF, art. 156, III). Isto
não quer dizer que a lei complementar possa definir como tributáveis pelo ISS
serviços que, ontologicamente, não são serviços. No conjunto de serviços
tributáveis pelo ISS, a lei complementar definirá aqueles sobre os quais poderá
incidir o mencionado imposto. (...) a lei complementar, definindo os serviços
sobre os quais incidirá o ISS, realiza a sua finalidade principal, que é afastar
os conflitos de competência, em matéria tributária, entre as pessoas políticas
(CF, art. 146, I). E isso ocorre em obséquio ao pacto federativo, princípio
fundamental do Estado e da República (CF, art. 1º) (...) não adoto a doutrina
que defende que a lista de serviços é exemplificativa.” (RE 361.829, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em
13-12-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006.)
De igual modo, o egrégio Superior Tribunal de
Justiça tem decidido que:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO SANADA SEM EFEITOS INFRINGENTES. ISS. LISTA DE SERVIÇOS. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO. 1. Os embargos declaratórios somente são cabíveis para modificar o julgado que se apresentar omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar possível erro material existente no acórdão. 2. Afastada a incidência da Súmula 182/STJ, omissão sanada. 3. O cerne do debate concentra-se na interpretação dispensada à lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei n. 406/68. 4. A jurisprudência majoritária desta Corte firmou-se no sentido de que a lista anexa ao Decreto-Lei n. 406/68 é taxativa, porém comporta interpretação extensiva a fim de abarcar os serviços correlatos àqueles previstos expressamente, uma vez que, se assim não fosse, ter-se-ia pela simples mudança de nomenclatura de um serviço a incidência ou não do ISS. Contradição afastada. Embargos de Declaração acolhidos em parte, tão somente para sanar a omissão apontada, sem efeitos infringentes.” (EDcl no AgRg no AgRg no Ag 1352404 / MG,Rel. Min. Humberto Martins, j. em 2.6.2011)
No
âmbito desse egrégio Tribunal de Justiça, vale ressaltar, o entendimento é
nesse mesmo sentido, conforme se vê do Julgado abaixo reproduzido:
“Ementa: APELAÇÃO. Embargos à execução. ISS. Instituição financeira. Sentença de parcial procedência. Taxatividade da lista anexa ao Decreto-lei 406/68, com a redação da Lei Complementar 56/87. Possibilidade de cobrança do tributo apenas com relação aos serviços descritos nos itens 95 e 96 da referida lista. Recurso do Município desprovido. Recurso do embargante. Preliminares de carência de ação, ausência de notificação e excesso de execução e alegação de prescrição descabidas. Adotados os fundamentos da sentença. Devolução de cheques e serviços de cobrança. Incidência mantida. Reforma parcial da sentença. Exclusão das atividades de banco 24 horas e desbloqueio de talão de cheques. Recurso parcialmente provido.” (Apelação n.º 9066343-15.2006.8.26.0000, Rel. Des. João Alberto Pezarini, j. em 10/11/2011, grifei.)
Assim, malgrado a divergência doutrinária existente,
não há como se distanciar do entendimento das mais elevadas Cortes Judiciárias
brasileiras, as quais se posicionam no sentido da taxatividade da lista de
serviços, autorizando, assim, a conclusão de que o Município de Vinhedo violou
a competência legislativa da União ao dispor de maneira diversa da prevista na lei
complementar que discrimina os serviços que poderão ser tributados pelo ISS.
Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que a expressão “parque de diversão” do item 59, “i”, da lista de serviços anexa à Lei Complementar Municipal nº 02/97 de Vinhedo, violou a repartição constitucional de competências, afrontando o art. 156, inciso III da Constituição Federal.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu acolhimento, declarando a inconstitucionalidade da expressão “parque de diversão” do item 59, “i”, da lista de serviços anexa à Lei Complementar Municipal nº 02/97 de Vinhedo.
São Paulo, 21 de junho de
2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca