Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0110737-22.2013.8.26.0000

Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Previdenciário. Incidente de Inconstitucionalidade. Lei n. 4.647/05, do Município de Botucatu. Lei que revoga a Lei n. 3.296/93 e extinguiu o regime especial de previdência dos servidores públicos municipais e o fundo especial de previdência, e determinou a compensação entre os valores descontados e os recebidos a título de complementação de aposentadoria.  Segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF/88). Improcedência do incidente, com interpretação conforme. 1. A Lei n. 4.647/05, que revogou a Lei n. 3.296/93, que instituiu o regime especial de previdência dos servidores públicos municipais e o fundo especial de previdência (art. 1º), assegurando a complementação da aposentadoria e da pensão concedidas até 15 de dezembro de 1998 (art. 2º) e revogando as complementações pagas aos servidores investidos em emprego público, sob regime celetista, concedidas após essa data, garantido a compensação entre as contribuições efetuadas e o valor dos benefícios recebidos até sua vigência (art. 3º). 2. Não é possível estimar integralmente inconstitucional a lei local, mormente seus arts. 1º e 2º, porque a legislação anterior, por ela revogada (Lei n. 3.296/93), concedia complementação aos proventos de aposentadoria em favor de empregados públicos que não estavam sujeitos ao regime próprio de previdência dos servidores públicos, presidida a relação jurídica pelo regime celetista. 3. Contraste com o art. 195, § 5º, CF/88, incorporado pelo art. 218, CE/89, impositivo do caráter contributivo da previdência social. 4. Muito embora a lei local revogada contivesse previsão da respectiva contribuição, os servidores públicos regidos pela CLT têm sua aposentadoria segundo o regime geral de previdência social, de acordo com as balizas constitucionais, sendo, ademais, violadora do princípio da razoabilidade essa complementação. 5. No exame do art. 3º da lei municipal afigura-se insustentável a intangibilidade de direito cuja aquisição repousa em ato desconforme a Constituição. 6. Inocorrência de ofensa ao art. 5º, XXXVI, CF/88. 7. Improcedência do incidente, dispensando interpretação conforme, limitando a incidência da Lei n. 4.647, de 31 de maio de 2005, do Município de Botucatu, aos benefícios implantados até sua vigência.

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela Colenda 8ª Câmara de Direito Público a respeito da Lei n. 4.607/05, do Município de Botucatu, que revogou a Lei n. 3.296/93 e extinguiu o regime especial de previdência dos servidores públicos municipais e o fundo especial de previdência, e determinou a compensação entre os valores descontados e os recebidos a título de complementação de aposentadoria, à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

2.                É o relatório.

3.                A Lei n. 4.647, de 31 de maio de 2005, revogou a Lei n. 3.296, de 30 de novembro de 1993, que instituiu o regime especial de previdência dos servidores públicos municipais e o fundo especial de previdência (art. 1º), assegurando a complementação da aposentadoria e da pensão concedidas até 15 de dezembro de 1998 (art. 2º) e revogando as complementações pagas aos servidores investidos em emprego público, sob regime celetista, concedidas após essa data, garantido a compensação entre as contribuições efetuadas e o valor dos benefícios recebidos até sua vigência (art. 3º).

4.                Não é possível estimar integralmente inconstitucional a lei local, mormente seus arts. 1º e 2º. A legislação anterior, por ela revogada (Lei n. 3.296, de 30 de novembro de 1993), concedia complementação aos proventos de aposentadoria em favor de empregados públicos que não estavam sujeitos ao regime próprio de previdência dos servidores públicos, pois, era presidida a relação jurídica pelo regime celetista.

5.                No ponto, ressalto que este é o entendimento advogado em ações diretas de inconstitucionalidade pela eminente Procuradoria-Geral de Justiça, à vista do contraste com o art. 195, § 5º, da Constituição Federal, incorporado pelo art. 218 da Constituição Estadual, impositivo do caráter contributivo da previdência social. Muito embora a lei local revogada contivesse previsão da respectiva contribuição, os servidores públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho têm sua aposentadoria segundo o regime geral de previdência social, de acordo com as balizas constitucionais, sendo, ademais, violadora do princípio da razoabilidade essa complementação. Neste sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPLEMENTAÇÃO. APOSENTADORIA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 8.112/90. Não se aplica a norma do artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil --- redação anterior à EC 20/98 --- ao servidor submetido ao regime da CLT, que se aposentou antes do advento da Lei n. 8.112/90. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, RE-AgR 370.423-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 16-05-2006, v.u., DJ 23-06-2006, p. 66).

“Complementação de aposentadoria. - Esta Primeira Turma, ao julgar o RE 218.618, decidiu que ‘cuidando-se de aposentados que se submetiam, na ativa, ao regime da CLT, são inaplicáveis os arts. 40, III, ‘a’, e § 5º, da Constituição, cuja disciplina se refere apenas aos servidores públicos’. - Ora, o recorrente, como se reconhece na própria petição de interposição do recurso de revista (fls. 35), passou, quando a recorrida deixou de ser autarquia (e isso porque passou a ser sociedade de economia mista, desde 10.01.64, conforme fls. 82 dos autos), a ser empregado dela regido pela legislação trabalhista, condição em que se aposentou em 1983. Assim, e sendo o artigo 40, § 4º, da Constituição, à semelhança do que ocorre com o § 5º, do mesmo artigo, só aplicável a servidor público, improcede a alegação do recorrente de que o referido § 4º, no caso, tenha sido violado. Recurso extraordinário não conhecido” (STF, RE 197.793-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, 13-03-2001, v.u., DJ 18-05-2001, p. 448).

“ADMINISTRATIVO. MUNICÍPIO DE PAULÍNIA. SERVIDOR APOSENTADO PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL. PRETENDIDA COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS, PREVISTA EM LEI LOCAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 40, § 4°, DA CF. Dispositivo constitucional inaplicável aos filiados da previdência social. Acórdão que decidiu a causa à luz de normas locais, insuscetíveis de interpretação pelo STF em sede extraordinária. Agravo desprovido” (STF, RE-AgR 218.999-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, 27-06-2000, v.u., DJ 20-10-2000, p. 123).

“Cuidando-se de aposentados que se submetiam, na ativa, ao regime da CLT, são inaplicáveis os arts. 40, III, a, e § 5º, da Constituição, cuja disciplina se refere apenas aos servidores públicos: impertinência de sua invocação contra decisão que, corretamente ou não, deferiu a empregados de sociedade de economia mista, aposentados com menos de 35 anos de serviço, complementação integral, e não proporcional, de aposentadoria” (STF, RE 218.618-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15-12-1998, v.u., DJ 26-03-1999, p. 18).

6.                Portanto, a Lei n. 4.647/05 coarctou estado de inconstitucionalidade, não podendo ser pronunciado vício que a comprometa integralmente.

7.                Resta a apreciação da alegada violação ao princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, Constituição Federal) no art. 3º de mencionada lei municipal.

8.                O Supremo Tribunal Federal analisando hipótese análoga no controle concentrado de constitucionalidade aplicou a modulação de efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade. Eis a ementa do venerando acórdão:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 176 da Lei Complementar/PR nº 14/82, com a redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar/PR nº 93/02. Regras especiais de aposentadoria do policial civil. Vício de iniciativa (CF, art. 61, §1º, II, ‘c’). Aplicação do art. 27 da Lei nº 9.868/99 considerando as peculiaridades do caso. Não há prejudicialidade em relação às Emendas Constitucionais n° 91/03 e n° 97/07, considerando o vício formal coberto pelo art. 61, § 1°, II, ‘c’, da Constituição Federal. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que as normas que regem a aposentadoria dos servidores civis estaduais são de iniciativa privativa do Governador do Estado, por força do art. 61, §1º, II, ‘c’ e ‘f’, da Constituição Federal. Precedentes: ADI nº 872/RS, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 20/9/02; ADI nº 2.115/RS, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 6/9/01; ADI nº 700/RJ, Relator a Ministro Maurício Corrêa, DJ de 24/8/01. 2. É inconstitucional, por afronta ao art. 61, §1º, II, ‘c’, da Constituição, o art. 176 da Lei Complementar/PR nº 14/82, com a redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar/PR nº 93/02, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre regras especiais de aposentadoria do policial civil. 3. Aplicação ao caso do art. 27 da Lei nº 9.868/99 para dar eficácia ex-nunc à declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar/PR nº 93/02, de modo a preservar a situação jurídica de todos os servidores aposentados até a data da sessão deste julgamento. 4. Ação direta julgada procedente” (STF, ADI 2.904-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, 15-04-2009, m.v., DJe 25-09-2009).

9.                Se, por um lado, é insustentável a intangibilidade de direito cuja aquisição repousa em ato desconforme a Constituição, por outro, a solução dada no precedente invocado tem cabimento na espécie.

10.              Com efeito, não existe ofensa ao art. 5º, XXXVI, da Carta Magna, mas, afigura-se plenamente razoável, e coerente com a tendência dominante no âmbito da Suprema Corte, dispensar interpretação conforme a fim de limitar a incidência da Lei n. 4.647/05 aos benefícios implantados antes de sua vigência.

11.              Opino pela improcedência do incidente, dispensando interpretação conforme, limitando a incidência da Lei n. 4.647, de 31 de maio de 2005, do Município de Botucatu, aos benefícios implantados até sua vigência.

         São Paulo, 30 de outubro de 2013.

 

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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