Parecer em Incidente de
Inconstitucionalidade
Processo n. 0111207-53.2013.8.26.0000
Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo
Ementa:
1. Arguição de inconstitucionalidade do
art. 4º, § 1º, da Lei Complementar n. 353/2011, com redação dada pela Lei
Complementar n. 367/2011, do Município de Dracena.
2. Exigência temporal, isoladamente, não
funciona como critério para aferir prévia experiência. Ofensa ao princípio da
razoabilidade.
3. Parecer no sentido do conhecimento e
acolhimento da arguição de inconstitucionalidade.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
1.
Relatório.
Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando do julgamento da Apelação/Reexame Necessário nº 0002361-54.2012.8.26.0168, cujo relator foi o Desembargador CARLOS EDUARDO PACHI, em 20 de fevereiro de 2013.
A Col. Câmara arguiu a inconstitucionalidade do art. 4º, § 1º, da Lei Complementar n. 353/2011, com redação dada pela Lei Complementar n. 367/2011, do Município de Dracena. Veja-se o teor da ementa:
“Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA Concurso Público - Município de Dracena - Candidata aprovada para o cargo de Psicopedagogo - Pretensão ao reconhecimento do direito de posse e exercício do cargo - R. Sentença de concessão da segurança - Preliminar Ilegitimidade passiva da Prefeitura - Afastamento de rigor - Recebimento da inicial como impetração em face do ato do Prefeito, que diferentemente do caso da União e dos Estados, também é o representante da pessoa política em Juízo - Art. 12, I, CPC - Ato coator fundado em critério temporal estabelecido por lei municipal que não se confunde com legitima exigência de prévia experiência - Não obstante, esta E. Nona Câmara de Direito Público não ostenta competência para apreciar a constitucionalidade da mencionada lei, sob pena de violação do artigo 97 da Constituição Federal - Remessa dos autos ao Órgão Especial para apreciação da questão prejudicial da constitucionalidade dos arts. 2º, §1° e 4°, §1°, da Lei Complementar Municipal 353, de 07.07.2011, com redação dada pela Lei Complementar n° 367, de 06.12.2011”.
Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF).
Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).
É o relato do essencial.
2. Da admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.
Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a arguição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).
No caso em exame,
salvo eventual equívoco, a quaestio iuris
não foi examinada pelo Plenário ou Órgão Especial. De outro lado, e de acordo com pesquisa informatizada,
não há notícia de que a validade dessa norma foi julgada pelo Supremo Tribunal
Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada.
Assim, considerando que (a) a solução da quaestio iuris é imprescindível para o julgamento do recurso, e (b) ainda não houve declaração de inconstitucionalidade a seu respeito pelo E. STF ou por esse E. Tribunal de Justiça, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.
3. Fundamentação.
A arguição de inconstitucionalidade do § 1º do art. 4º da Lei Complementar n. 353/2011, com redação dada pela Lei Complementar n. 367/2011, do Município de Dracena, deve ser conhecida e acolhida.
Reza referido dispositivo:
“Art. 4º (...).
§ 1º- Fica estabelecido como requisito para
a lotação do cargo formação em Pedagogia ou Psicologia com Especialização em
Psicopedagogia a, no mínimo, 01 (um) ano, e inscrição no respectivo conselho de
classe para as profissões regulamentadas”
Depreende-se,
claramente, que referida norma é inconstitucional, pois a exigência temporal,
única e exclusivamente, não funciona como critério para aferir prévia
experiência. Assim, há nítida ofensa à razoabilidade.
Mesmo
que se reconheça que a exigência de experiência prévia não ofende o princípio
da isonomia, claro está que o critério meramente temporal, isoladamente, não
permite avaliar a qualificação técnica de candidatos. Ademais, o ato
normativo impugnado que a instituiu contraria o princípio da razoabilidade, que
deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no
art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos municípios por força do art.
144 da mesma Carta.
Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar. Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95; Gilmar Ferreira Mendes, “A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, publicado em direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83.
A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse E. Tribunal de Justiça, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público (Nesse sentido: ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel; des. Debatin Cardoso).
Em sede doutrinária, Gilmar Ferreira Mendes, examinando a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Pretório Excelso, anotou “de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (cf. A proporcionalidade na jurisprudência do STF, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83).
O ato normativo impugnado, de fato, fere o princípio da razoabilidade.
A solução encontrada pelo legislador foi inadequada, tendo
em vista os objetivos que pretendia alcançar. Percebeu-o, com sensibilidade, o
membro do Ministério Público oficiante em primeiro grau, ao obtemperar que “trazer previsão de tempo de formado, por
si só, sem qualquer vinculação com a função a ser desempenhada, que denote
maior capacidade técnica ou qualquer outro qualificativo que diferencie o
postulante a vaga dos demais profissionais, não encontra respaldo nas máximas
da proporcionalidade e razoabilidade”, concluindo que “não há lógica para
trazer como exigência tempo mínimo de 01 ano para a função de psicopedagogo,
sem o necessário liame com a experiência profissional, circunstância geradora
de discriminação infundada entre os candidatos” (fls. 72/75).
4.
Conclusão.
Conclui-se, daí, que o art. 4º, § 1º, da Lei Complementar n. 353/2011, com redação dada pela Lei Complementar n. 367/2011, do Município de Dracena, padece do vício de inconstitucionalidade. Por tais razões, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente, e da declaração da inconstitucionalidade de referido dispositivo.
São Paulo, 28 de junho de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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